Topo

Mesmo sem uma ideia original, novo Tomb Raider é um reboot ok para a série

Roberto Sadovski

14/03/2018 15h00

Vamos tirar algumas coisas da frente. Primeiro, este Tomb Raider é um pastiche, uma colagem de ideias de outros filmes muito melhores, dos quais copia sequências quase por completo sem a menor cerimônia. Mas é um genérico bem amarradinho, com uma trama que flui sem atropelos e que, no universo ali construído, faz todo o sentido. Segundo, as duas adaptações anteriores das aventuras da heroína dos games para o cinema, com Angelina Jolie no papel-título, não amarram as chuteiras dessa nova versão. Tomb Raider versão 2018 é mais honesto, mais emocionante e mais divertido que as produções inchadas e pretensiosas de 2001 e 2003. O novo filme traz uma Lara Croft que, no mínimo, lembra mais um ser humano normal do que sua antecessora. Só não vale dizer que é "a melhor adaptação de um game" porque, convenhamos, todas as que surgiram de Super Mario Bros pra cá não valem o que o gato enterra.

O problema dos Street Fighter e Príncipe da Pérsia e Max Payne da vida é equilibrar o impossível: o anseios de fãs acostumados a decidir o destino de seus personagens com movimentos de joystick e a mecânica narrativa que faz o cinema funcionar. São elementos antagônicos que, a cada ano, artistas e executivos tentam decifrar e misturar. A verdade é que, no fim, mimetizar a progressão de um jogo no cinema é um exercício fútil: o melhor é mesmo pegar os conceitos que fazem a coisa ser uma propriedade intelectual estimulante em uma mídia e reconstruí-los em outra. Resident Evil pode ter se tornado o playground tecnológico do diretor Paul W.S. Anderson, mas quando ele criou uma nova mitologia para o fiapo de história que os jogos originais traziam, conseguiu ao menos fazer um filme, e não um frankenstein entediante (os seis filmes, todos com Milla Jovovich à frente, renderam 1,2 bilhões de dólares, então alguma coisa Anderson fez certo).

Lara Croft finalmente entra em uma tumba em Tomb Raider

Tomb Raider: A Origem segue essa linha. Existe no roteiro um mínimo de preocupação em entender quem é Lara Croft e o que fez dela um fenômeno mundial. E só. A partir daí a trama segue seu próprio caminho, estabelecendo quem é a personagem nesse novo universo e marcando um novo ponto de partida para sua jornada. Quando o filme começa, Lara (Alicia Vikander, com físico de maratonista e carisma na medida certa) trabalha como mensageira em Londres, apostando em corridas de bicicleta em meio ao trânsito para garantir o dinheiro para sobreviver. Logo descobrimos que ela é herdeira de Richard Croft (Dominic West), investidor desaparecido há sete anos, e que ela não tem direito à herança enquanto não declarar o pai morto. Quando a jovem finalmente decide virar essa página em sua vida, descobre a vida dupla que seu pai levava e, com algumas pistas em mãos, parte para o outro lado do mundo na esperança de encontrá-lo com vida.

Esse primeiro ato, que estabelece a personalidade de Lara, é o melhor do filme. Entendemos de onde vem sua determinação e teimosia, ao mesmo tempo em que entendemos o que a leva a arriscar tudo em uma jornada movida a esperança. Quando ela embarca a uma ilha misteriosa na costa do Japão, porém, Tomb Raider torna-se um filme de ação genérico, carregado não só pelo charme de Vikander, mas também pela interpretação divertida e assustadora de Walton Goggins. No papel do vilão Mathias Vogel, que comanda um pequeno exército (e um séquito de escravos) em busca da tumba de uma imperatriz nipônica amaldiçoada séculos antes, ele não navega em áreas cinzentas: Goggins, "muso" de Quentin Tarantino, é um destes operários do ofício de atuar que empresta talento e charme no cinema e na TV e, quando tem chance, devora o cenário de maneira brilhante. Ele injeta humanidade em um personagem reto, movido pelo único desejo de cumprir seu trabalho e voltar para casa.

Alicia Vikander, profissão: ciclista

Esse "trabalho", que também é o centro da trama de Tomb Raider, não faz o menor sentido. Somos levados a crer que um grupo paramilitar está há sete anos explodindo pedaços de uma ilha na costa japonesa, numa devoção cega a um empregador misterioso. Somos levados a crer que o pai desaparecido da protagonista está também há sete anos escondido dos mercenários e atrapalhando seus planos para encontrar a entrada da tal tumba. Ou estamos acompanhando os vilões mais incompetentes da história, ou a tal ilha é do tamanho do Maranhão para que a operação seja mal sucedida por tanto tempo. De qualquer forma, a chegada de Lara é o ponto de mudança, e o gatilho para a trama, finalmente, caminhar. Seu naufrágio é a primeira grande cena de ação de Tomb Raider, mesmo que Peter Jackson tá tenha feito algo muito parecido – e muito melhor – mais de uma década atrás com seu King Kong.

Na verdade, não existe um filme de ação moderno que o diretor Roar Uthaug (que fez os razoáveis Fuga e A Onda em sua Noruega natal) não hesite em copiar. Será uma surpresa, sem exagero, se os produtores de Indiana Jones e a Última Cruzada (e sabemos bem quem são) não entrarem com um processo. O roteiro de Tomb Raider: A Origem copia tantos elementos do filme de Steven Spielberg que o público vai sentir vergonha alheia com tamanha cara de pau. Como o diário de Richard Croft, que traz toda sua pesquisa sobre a tumba da imperatriz amaldiçoada, inclusive pistas para escapar de suas armadilhas, que ele precisa manter longe dos vilões – e que sua filha traz diretamente para eles. Até a reação de Lara quando seu pai diz "ao menos eles não tem minha pesquisa" é igual à de Harrison Ford ao ser capturado por nazistas junto com Sean Connery. Um chão que cede quando alguém pisa no lugar errado? Confere. Ajoelhar-se para sobreviver a uma armadilha? Confere. Estacas que brotam do chão? Confere (opa, essa vem de Caçadores da Arca Perdida!). Ao menos a fonte é de qualidade.

O malvadão profissional Walton Goggins

Talvez essa familiaridade não seja ao acaso. Tomb Raider, o jogo, já era um amálgama de clichês de aventura e arqueologia, e a série Indiana Jones era sua inspiração mais óbvia – com toques de James Bond e uma dose caprichada de girl power do novo milênio. A Origem reedita essa mistura, atualizando o resultado para as plateias modernas: Lara não surge mais como um símbolo sexual óbvio, e sim como uma mulher determinada e independente, que descobre seu verdadeiro chamado ao passar por uma provação desafiadora. Ela não precisa de nenhuma figura masculina para ser completa – nada de Daniel Craig ou Gerard Butler como um par romântico invertido. Com Alicia Vikander, Lara Croft finalmente deixa de ser fantasia de moleques babões para se tornar inspiração para garotas dispostas a construir seu próprio caminho. Ah, você quer saber se Tomb Raider: A Origem é uma adaptação de games decente? Eu devolvo a pergunta: não basta ser um filme bacana?

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.