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Por que a aposentadoria de Cameron Diaz é golpe cruel na comedia romântica

Roberto Sadovski

03/04/2018 19h05

Tudo começou com um comentário inocente da atriz Selma Blair. Em uma entrevista sobre sua carreira, o assunto mirou na comédia romântica Tudo Para Ficar com Ele, de 2002. O assunto era uma possível continuação, dezesseis anos depois…. e Selma soltou a bomba: "Eu almocei com Cameron um dia desses. A gente estava relembrando o filme. Eu adoraria fazer outro, mas Cameron se aposentou como atriz. Ela tá assim, 'Pra mim, chega'." E assim, em um comentário informal, o mistério do sumiço de uma das grandes estrelas de Hollywood do século 21 chega ao fim. É como aquela frase em Star Wars, quando Alderaan é pulverizado pela Estrela da Morte e, na outra ponta da galáxia, Obi-Wan Kenobi soltou um "É como se milhões de vozes gritassem de terror e fossem subitamente silenciadas". Um mundo sem Cameron Diaz, puro terror!

Não contente, Selma ainda elaborou, dizendo que sua BFF não precisa mais fazer filmes, tem uma vida incrível e está muito feliz: "Cameron é inundada constantemente com roteiros que tentam fazê-la sair da aposentadoria, mas ela não está interessada. Ela está feliz, apaixonada e quer aproveitar ao máximo sua liberdade e seu tempo livre". Nos dias seguintes à entrevista, a coisa tomou proporções bíblicas, obrigando Selma Blair a dizer, em seu twitter, que só estava brincando, que Cameron não estava se aposentando de nada, e que ela estava se aposentando da função de porta-voz de Cameron Diaz. Tarde demais. Com o espírito estilhaçado, fãs da estrela de Amor Alucinante e Uma História a Três buscavam alguma evidência – qualquer uma! – de que fosse apenas uma brincadeira. Um chiste. Mas o longo hiato longe das telas era evidência o bastante, confirmada pela própria estrela ao lado de sua cúmplice.

Tudo Para Ficar com Ele, de 2002, o estopim da revelação!

A Entertainment Weekly publicou um papo com Cameron, Selva e Christina Applegate no final de março, justamente para que o trio compartilhasse lembranças de Tudo Para Ficar com Ele, uma comédia proibida para menores que colocou as mulheres no assento do piloto e jogou o foco da narrativa docinha/sexual nelas. Em meio às histórias de bastidores (e você precisa rever o filme, precursor sem nenhuma vergonha dos Missão Madrinha de Casamento da vida…), a pergunta sobre o por que de o trio não se reunir mais vezes trouxe a resposta fatídica de Cameron Diaz: "Eu topo, eu literalmente não tenho feito nada. Estou semi-aposentada, na verdade estou aposentada mesmo". Pausa para refletir e digerir a informação. O trio de filmes que ela lançou em 2014 – Mulheres ao Ataque, Sex Tape e o remake pavoroso de Annie – foram a pá de cal em uma carreira que trouxe muita alegria ao mundo.

Faz sentido. Depois de relacionamentos interrompidos com o produtor Carlos de la Torre, com o jogador de baseball Alex Rodriguez e com seus colegas Matt Dillon, Jared Leto e Justin Timberlake, Cameron finalmente se casou em janeiro de 2015 com Benji Madden, ex-vocalista e guitarrista da banda Good Charlotte. Depois de anos declarando que o casamento era uma "instituição falida", a (agora ex) atriz parece ter encontrado seu lugar no mundo. E ela preferiu sair de cena sem fanfarra, sem muitos anúncios, sem "o último grande filme". Em julho do ano passado, já com dois livros sobre saúde e bem estar como co-autora no currículo, ela disse ter cansado da vida na estrada para filmar. Simples assim. Bom pra ela, que agora curte as centenas de milhões acumulados numa carreira gloriosa – em 2010 a Forbes a apontou como a "celebridade feminina mais rica" – dedicando-se à maternidade e, por que não, ao ócio.

De cabelo arrumado em Quem Vai Ficar com Mary?

Ruim mesmo fica a comédia. Sem Cameron Diaz, o cinema perde uma beldade loira de olhos azuis que sabia como ninguém rir de si mesma. De espírito livre, ela deixou sua casa em San Diego, na Califórnia, aos 16 anos e passou os cinco seguintes trabalhando como modelo no Japão, Austrália, México, Marrosoc e Paris. Tocando o solo de Los Angeles ela conseguiu seu primeiro papel, o da cantora de jazz Tina Carlyle em O Máskara, ao lado de Jim Carrey. O mundo se encantou pela diva que, com zero experiência em atuação, mostrou uma naturalidade absurda na nova profissão. E ela tratou de estudar e de trocar o glamour do cinemão de Hollywood por produções independentes, como O Último Jantar, Paixão Bandida e Nosso Tipo de Mulher. Em 1997 ela experimentou a comédia romântica ao lado de Julia Roberts em O Casamento do Meu Melhor Amigo, explodindo de verdade no ano seguinte quando usou sêmem como gel para cabelo.

Quem Vai Ficar com Mary?, dos irmãos Peter e Bobby Farrelly, é herdeiro das comédias non sense que o trio ZAZ fazia nos anos 80, como Apertem os Cintos! O Piloto Sumiu e Top Secret!. Mas trazia uma embalagem realmente nova: por trás das piadas adolescentes, batia o coração de uma história de amor. O filme, com Ben Stiller ao lado de Cameron, foi um fenômeno, faturando 369 milhões de dólares e consolidando a atriz como a nova estrela das comédias. Com moral para escolher seus papéis (e sabemos que o dinheiro manda), ela mandou dois filmes radicalmente diferentes em 1999 (o incrível Quero Ser John Malkovich e o bombástico Um Domingo Qualquer) e deu o tom, na virada do século, para a adaptação da série de TV As Panteras. Em vez de um drama pincelado por narrativas policiais, a aventura colocou Cameron ao lado de Drew Barrymore e Lucy Liu como uma comédia de ação acelerada, emprestando ainda o estilo de artes marciais que Matrix relevara ao mundo no ano anterior. Foi a única vez que a entrevistei, um papo leve e divertido, como a vida deve ser.

Como a doce Fiona da série Shrek

A verdade é que Cameron Diaz se mostrou uma artista versátil, indo de Cameron Crowe (Vanilla Sky) a Martin Scorsese (Gangues de Nova York) com a mesma desenvoltura. Mas seu maior talento sempre foi fazer rir. Não é à toa que, quando o novo século avançou, seu maior sucesso foi emprestar a voz a uma série animada especializada em rir de suas próprias convenções: com Shrek, no papel da princesa Fiona, Cameron encontrou o tom certo e definitivo em sua carreira. Ela continuou flertando com outros gêneros, mas foi com comédias (que oscilavam entre a doçura e a grosseria) que ela encarou o cinemão, algumas boas (O Amor Não Tira Férias, Encontro Explosivo), outras nem tanto (Jogo de Amor em Las Vegas, Professora Sem Classe) – mas todas, sem exceção, irresistíveis, principalmente quando fazemos o exercício conhecido por zapear encontramos qualquer uma delas e não conseguimos mais mudar o canal.

Somos, agora, obrigados a buscar uma herdeira que transmita tanta honestidade e tanto prazer genuíno em abraçar comédias como Cameron Diaz. O cinema vive uma estiagem de estrelas do gênero absurda – em especial artistas sem o menor pudor em experimentar roteiros absurdos e situações extremas (que outra atriz fez uma cena em que um pênis cutuca seu olho por um glory hole?). Não que Kristen Wiig ou Melissa McCarthy ou Tina Fey ou Amy Poehler ou Maya Rudolph ou Amy Schumer não sejam incríveis e talentosas – e elas são! Mas nenhuma delas tem essa capacidade de mobilizar plateias do mundo inteiro, esse algo mais que separa os talentos dos fenômenos, essa ousadia em mergulhar onde outras sequer molham os pés. Cameron Diaz, com sua risada desengonçada e sua inclinação em não levar este mundo de plástico tão à sério, é única. Sem ela, o cinema fica mais chato. E corremos o risco de, sei lá, Jennifer Lawrence achar que é engraçada para preencher a lacuna….

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.