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Rampage mostra que o cinema de ação bobão só funciona com Dwayne Johnson

Roberto Sadovski

13/04/2018 02h15

Rampage é uma bobagem gigante. Mais uma adaptação de um video game para o cinema, a aventura dirigida por Brad Peyton é um exercício de técnica, amarrando bons efeitos especiais (meio que uma obrigação em pleno 2018 e um orçamento de 120 milhões de dólares) a um fiapinho de trama que poucas vezes faz sentido. Em resumo, um lobo, um crocodilo e um gorila tem seu DNA reescrito após um acidente bizarro e caminham para Chicago, ameaçando pulverizar a cidade. O exército está impotente. Os vilões não poderiam ser mais unidimensionais. Os coadjuvantes bacanas (Jeffrey Dean Morgan, Naomie Harris) estão felizes em descontar um cheque gordo. Ainda assim, a coisa toda estranhamente funciona, e o motivo é um só: Dwayne Johnson.

Acho que eu já disse por aqui antes, mas vale repetir. O ex-The Rock é o astro de Hollywood que melhor materializa o estereótipo do "astro de Hollywood". É um fortão boa praça, carismático até a medula e que sabe escolher seus projetos como ninguém. Ele é o único herdeiro de um tipo de ícone das matinês que, nos anos 80 e 90, respondia por Schwarzenegger ou Stallone. Não existe nenhum ator em atividade no cinemão hoje capaz de ancorar um filme como Rampage, sair incólume e ainda dar à coisa uma estampa de qualidade. Ele consegue isso ao misturar a honestidade brutal que o humaniza com o físico de super-herói dos quadrinhos, o que lhe confere uma qualidade sobre humana. Historicamente, o público de cinema gosta de acompanhar sujeitos, como Dwayne, maiores que a vida. Sendo o único neste jogo, hoje, é um bônus.

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Podemos argumentar, claro, que Vin Diesel compete na mesma arena. Mas é um erro. O poderoso chefão da série Velozes & Furiosos escorrega ao se levar muito a sério, ao vender cada um de seus projetos como arte erudita. Dwayne Johnson sabe como poucos rir de si mesmo, o que ele já fez dezenas de vezes em diversos papéis. Isso cria uma cumplicidade com seu público que nenhum departamento de marketing pode criar com uma canetada. O cinema de ação, por sua natureza, caminha numa linha tênue entre a intensidade e o pastelão, e seus melhores exemplares são justamente aqueles que sabem dosar tiros, explosões e humor às vezes absolutamente non sense. Uma viagem no tempo, até o auge desse tipo de filme, só comprova a teoria.

Afinal, Schwarzenegger e Stallone nunca deixaram de dosar suas aventuras com bom humor – e nunca se levaram tão à sério. Rampage, se fosse produzido duas décadas atrás, certamente teria o nome de um dos dois brutamontes enfeitando seu poster. É o tipo de fórmula que consagrou a dupla: os produtores pegavam um conceito absurdo (no futuro, policial congelado criogenicamente é revivido para caçar terrorista assassino; no futuro, trabalhador da construção civil descobre que suas memórias são um implante e que ele é um espião envolvido numa conspiração em Marte), atrelavam a ideia a um astro e jogavam toneladas de dinheiro para a coisa virar um evento em si. Dúzias de outros atores tentaram seguir essa mesma linha (de Bruce Willis a Jean-Claude Van Damme a… Michael Dudikoff?), com maior ou menor grau de sucesso. Mas apenas Schwarza e Sly tinham o carisma para dar suporte aos músculos que faziam deles sobre humanos.

Hobbs, o maior dos cascas-grossas em Velozes & Furiosos

Quando Dwayne Johnson fez Bem-Vindo à Selva, (não o Jumanji, mas um com Stifler) engatinhando na carreira de ator depois de anos como astro de luta livre, uma sequência emblemática colocou Schwarzenegger numa ponta lhe dando um tapinha no ombro e passando a tocha. Foi quase literal. Nos anos seguintes, ele interpretou por diversas vezes o herói solitário contra uma gangue que comete injustiças (praticamente o plot de todos os filmes com Steven Seagal) e aos poucos foi refinando suas escolhas – à medida que treinava pesado para construir aquele físico gigantesco. Versátil, fez um punhado de comédias de ação voltados para o público infantil (e a petizada adora o sujeito, isso antes de Moana!), até deixar o foco mais preciso ao entrar na série alheia: em Velozes & Furiosos 5, ambientado no Rio de Janeiro, Johnson quase rouba o show de Vin Diesel, tornando-se presença tão importante nos filmes quanto a do dono da bola. No meio do caminho ele fez um filme pra lá de esquisito com Michael Bay (Sem Dor, Sem Ganho), invadiu mais duas séries (G.I. Joe: Retaliação e Viagem 2: A Ilha Misteriosa) e teve sua dose de bombas (Hércules, Baywatch).

Rampage, por outro lado, é mais uma peça em seus planos de mostrar que o cinema de ação centrado num astro fortão continua firme e forte. Na adaptação do jogo de arcade (que, acredite, é mais divertido que o filme), ele é um primatologista que possui um elo especial com George, gorila albino resgatado por ele ainda bebê. Mas George é afetado por um gás num cilindro que chegou à Terra após a explosão de uma estação espacial (sério, só acompanha), com outros dois cilindros caindo em diferentes pontos dos Estados Unidos, modificando um lobo e um crocodilo geneticamente. A trama ainda ensaia um discurso sobre a responsabilidade de cientistas ao criar algo com potencial bélico, mas ninguém no filme parece dar muita trela a isso. O negócio é criar sequências mais e mais absurdas (como Dwayne escapando de um avião militar prestes a se arrebentar no solo) e mostrar o trio de criaturas cada vez maiores, até um clímax tão absurdo e explosivo que vai fazer Michael Bay chorar.

Você não vai lembrar de Rampage dois minutos após deixar o cinema, mas a experiência é como uma explosão de açúcar enquanto dura. Foi assim com Terremoto: A Falha de San Andreas. Foi assim com o delicioso Jumanji: Bem-Vindo à Selva (esse, sim, o Jumanji!). E com certeza será assim com Arranha-Céu: Coragem Sem Limite (Dwayne fazendo seu Duro de Matar), com Jungle Cruise (baseado na atração do Magic Kingdom), com a inevitável entrada do astro no mundo dos filmes de super-heróis (logo começam as filmagens de Adão Negro, um vilão da DC). E será assim ao cubo com Hobbs e Shaw, spin off de Velozes & Furiosos em que ele deve dividir os créditos com outro sujeito durão, Jason Statham. Que, por sinal, é o Bruce Willis para o Scwarzenegger de Johnson, com menos músculos mas igualmente afeto ao cinema de ação conceitual. Duvida? Então dá uma espiada no trailer de Megatubarão….

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.