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Stallone pode fazer outro Rambo.... Mas, a essa altura, quem se importa?

Roberto Sadovski

07/05/2018 17h51

Os fãs se empolgaram com a notícia de que, aos 71 anos, Sylvester Stallone voltaria a amarrar a bandana e a empunhar uma metralhadora num quinto Rambo. A notícia, originada do Deadline, coloca o astro decano cruzando a fronteira dos EUA com o México para resgatar a filha de um amigo, sequestrada por um poderoso cartel de traficantes. Super moderno, não? Embora o entusiasmo possa ser justificado (já já a gente volta nisso), ainda não passa de uma vontade. E Stallone já anunciou essa volta de Rambo tantas vezes que fica difícil levar a sério. O anúncio deste quinto filme foi feito em Cannes pelo presidente da Millenum Films, sugerindo uma data para começar a filmar já em setembro, numa tentativa de conseguir investidores para a empreitada. Ou seja, pode não passar de voo de galinha. Ruim para os fãs que se empolgaram…

Ou melhor, a meia dúzia que ainda deve existir por aí. Rambo, e vamos ser honestos, não é exatamente um personagem com hordas de seguidores clamando por novas aventuras. O veterano do Vietnã é, no máximo, uma propriedade intelectual que pode garfar um público mais nostálgico. O próprio Stallone parece entender isso, já que ele nunca foi exatamente um apaixonado pelo herói. Justificável: Rambo não é sua criação, e sim fruto da imaginação do escritor David Morell, que o imaginou como espelho para uma geração de soldados que, voltando de um conflito fracassado do outro lado do mundo, encontraram hostilidade em casa, diferente da recepção dos combatentes da Segunda Guerra Mundial, alardeados como heróis. John Rambo refletia esse sentimento, traduzido nas páginas do romance First Blood, publicado em 1972.

Em 1982, Rambo só queria ir para casa….

Nos últimos anos, Stallone até ensaiou uma volta aos filmes de ação com a série Os Mercenários, que rendeu uma trilogia de tosqueira movida a testosterona entre 2010 e 2014. Nesse clima, parecia que um novo Rambo poderia, sim, ser uma possibilidade. Mas Creed mudou tudo. O astro parecia ter colocado um ponto final na saga do boxeador Rocky Balboa em 2006 com Rocky Balboa (duh), mas retomou o personagem no filme de Ryan Coogler. A ideia de Creed sequer era sua, mas o filme em que ele se torna mentor de um boxeador jovem e com muito a provar – filho de seu amigo Apollo Creed, morto nas mãos de Ivan Drago em Rocky IV – cresceu em importância e rendeu a Sly uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Ok, ele perdeu com justiça para Mark Rylance por Ponte dos Espiões, mas teria sido um momento histórico na festa da Academia. Com essa atenção mais, digamos, refinada, e ao se afastar de um quarto Os Mercenários, parecia colocar um ponto final em sua carreira como astro de filmes de ação. O que, até o momento, coloca um quinto Rambo na estante dos "projetos improváveis".

Daí precisamos apontar o óbvio: Rambo não é Rocky. Stallone foi esperto quando sugeriu que o ex-soldado, ao contrário do que acontece no livro, não morresse ao final de Rambo – Programado Para Matar, filme que adaptou o romance em 1982. A produção dirigida por Ted Kotcheff não era um filme de ação, e sim um drama com intensidade física, que também representa um dos melhores trabalhos do astro. É também sua única versão realmente digna de nota. Porque, quando Rambo II – A Missão estreou quatro anos depois, a América vivia o auge da Era Reagan, e um herói que voltava ao Vietnã para resgatar prisioneiros de guerra esquecidos lá há décadas representava exatamente o tipo de discurso ufanista que o país abraçava. John Rambo deixou de ser o reflexo de um conflito que muitos preferiam esquecer para se tornar símbolo de uma potência bélica sempre vitoriosa, mesmo que fosse com um exército de um homem só. A partir daí, foi a glória. E também foi ladeira abaixo.

Em 2008, a gente queria que Rambo nunca tivesse saído de casa….

Porque Rambo II – A Missão, com direção de George P. Cosmatos e roteiro de um moleque chamado James Cameron, não é um bom filme. Ele redefiniu o cinema de ação da época, e se tornou um fenômeno pop que rendeu incontáveis imitadores – no Brasil o concurso de "Rambo brasileiro" mobilizou as tarde de domingo por anos. Como produto, catapultou a estrela de Stallone, que fechou 1985 com a segunda e a terceira maiores bilheterias do ano – além de Rambo II, ele acertou em cheio também com Rocky IV. Ele arriscou uma nova série com Cobra (que não colou) e tentou repetir a fórmula de Rocky com Falcão – O Campeão dos Campeões (que também não colou). A cada novidade, entretanto, seu salário disparava. Antes de entrar nos anos 90 com uma série de filmes irregular (para cada Risco Total, ele entregava um par de Pare! Senão Mamãe Atira ou O Especialista), ele fez Rambo III em 1988, agora um guerreiro dos povos oprimidos, combatendo os russos malvados no Afeganistão. Uma bomba, que não fez barulho nas bilheterias (terminou o ano na décima-sexta posição) e não conquistou mais corações.

Seria o fim, se Stallone não retomasse o herói duas décadas depois no insípido Rambo IV (duh), em que ele surge fora de forma, bem ao estilo Steven Seagal, repetindo a cartilha do herói solitário – mesmo com um grupo de mercenários à tiracolo, é Rambo quem salva o dia. O final melancólico o trazia finalmente de volta para casa, para os Estados Unidos, sugerindo que talvez ele tenha encontrado a paz que perseguiu por uma vida. Talvez o personagem possa ser retrabalhado em um novo contexto, com um novo ator no papel, levando em conta não só o mapa geopolítico atual, como também o novo estilo do cinema de ação. Nesse cenário, não haveria espaço para Sylvester Stallone. Existe, claro, um mercado para heróis do gênero com idade avançada – Busca Implacável, com Liam Neeson, é o primeiro exemplo que vem à mente. Mas algo diz que a última missão de Rambo já ficou para a história.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.