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Jamie Foxx ganha a chance de se redimir com os fãs de HQs com Spawn

Roberto Sadovski

30/05/2018 01h37

Antes de mais nada, mordi a língua feroz aqui. Há alguns anos eu cravei que Spawn, o projeto eterno de Todd McFarlane para dirigir sua criação dos quadrinhos no cinema, não sairia do papel. Eis que, depois de meses de silêncio após o anúncio da Blumhouse como produtora da aventura, este novo Spawn ganha um protagonista peso-pesado: Jamie Foxx. Ou seja, se existe algo que não dá pra negar, é que McFarlane é um sujeito obstinado. Levemente egocêntrico, absurdamente controlador, mas com o bolso fundo para bancar sua teimosia. No final, ele parece ter conseguido tudo que queria. Um estúdio pagando a conta e apostando em sua estreia como diretor, e um astro que, cinco anos atrás, havia expressado interesse no papel. O mundo dá mesmo voltas.

Claro que o zeitgeist é propício para Spawn fazer um retorno no cinema. Os dois Deadpool provaram que é possível criar filmes excelentes baseados num personagem de gibis de quinta categoria. Depois das centenas de milhões de dólares abraçados por Pantera Negra, a indústria parou de torcer o nariz para filmes baseados em quadrinhos que tragam um protagonista negro – o que é ótimo! Por sinal, enfatizo aqui o "baseado em quadrinhos", e não "adaptando um super-herói". Apesar do uniforme colorido (que eu duvido que sobreviva à transição para o cinema), Spawn sempre foi uma criação estranha, um retrato dos anos 90, em que bons roteiros de HQs eram secundários à arte – e, com a nascente Image Comics, que tinha McFarlane como um dos sócios fundadores, o papel dos gibis ficou melhor, sua impressão idem, colorização mais ainda. Como personagem, entretanto, o "soldado do inferno" era uma ladainha sobre demônios, vingança, redenção e violência.

Spawn vai voltar aos cinemas pela teimosia de seu criador

McFarlane, como já disse, não largou o osso. Escreveu um roteiro com quase duzentas páginas e lapidou a coisa para se encaixar no orçamento de 10-12 milhões de dólares bancado pela Blumhouse. Ou seja, o que se antevê não é um espetáculo como o que a Marvel tem feito na última década. Muito menos um drama com a intensidade (e os valores de produção) de Logan. Spawn periga ser um filme de terror no estilão de outras crias da produtora, como Sobrenatural, Uma Noite de Crime ou o recente A Morte Te Dá Parabéns. O que é ótimo: com um orçamento mais apertado, McFarlane terá de provar suas habilidades como contador de histórias, e ter um ator do calibre de Jamie Foxx no projeto é um bônus. Custo reduzido foi o que ajudou M. Night Shyamalan a reencontrar seu mojo com Fragmentado (a sequência, Glass, sai ano que vem). Como o novo Spawn é, segundo seu criador, o primeiro de uma trilogia, apertar o cinto deixa a coisa toda mais interessante.

A chegada de Jamie Foxx ao projeto, noticiada pelo Deadline, nem é exatamente uma surpresa. No primeiro papo com McFarlane, meia década atrás, o ator ouviu como essa versão do anti-herói seria um bicho-papão, uma entidade que conduz a trama com atmosfera densa e poucas palavras. "Alguns anos atrás eu voei para o Arizona para me encontrar com o criador de um dos personagens dos quadrinhos mais incríveis do universo", exagera Foxx. "Eu lhe disse que ninguém trabalharia com mais dedicação se tivesse a oportunidade… e essa oportunidade chegou!" Seria, também, uma oportunidade para o astro oscarizado por seu trabalho em Ray limpar o palato depois de se dedicar também com muito afinco a outra adaptação de um heróis dos quadrinhos: O Especular Homem-Aranha 2, em que ele deu vida ao vilão Electro, abandonado (junto com todas as outras ideias do filme) quando o Cabeça de Teia foi reinventado como parte do Universo Cinematográfico Marvel. Spawn talvez seja uma oportunidade mais bacana para Jamie mostrar que a estatueta dourada adornado alguma estante em sua casa não foi obra do acaso.

Todd McFarlane e Jamie Foxx, brothers alinhados pela causa do Spawn

A nova abordagem de McFarlane para sua criação está alinhada com o verniz realista que o cinema fantástico abraçou nos últimos anos. Suas melhores histórias, por sinal, não saíram de sua série mensal, e sim do título Hellspawn, em que Todd entregou o texto para as mãos muito mais capazes de Brian Michael Bendis e Steve Niles. Na série, que durou dezesseis edições, histórias de crime e violência são o centro da narrativa, com Spawn surgindo nas sombras como elemento catalizador de contos de terror urbano. "Não estou seguindo um molde de Capitão América que a indústria espera", continua o autor/diretor. "Eu repito o tempo todo que Spawn segue o modelo de John Carpenter, ou de Hitchcock, em que o silêncio é tão importante para a narrativa quanto a ação." O novo filme, garante, não trará sua origem, não tentará explicar suas habilidades infernais, concentrando-se na nova trama e recorrendo de flashbacks quando a história exigir. "Um Lugar Silencioso foi ótimo nesse sentido, já que começa com uma legenda que diz 'Dia 89', sem perder tempo explicando o que aconteceu nos 88 anteriores", empolga-se. "A gente vê umas manchetes nos noticiários e já estamos no dia 450, sem a preocupação de dar todas as respostas. É o que eu quero fazer com Spawn."

Refrescando a memória, ou mostrando o que há por trás das cortinas para quem não lia quadrinhos em 1992, Spawn conta a tragédia do soldado Al Simmons, traído e morto durante uma missão, e traído novamente ao chegar no inferno. Ele faz um pacto com o capeta e volta à Terra como um demônio superpoderoso – só para descobrir que sua mulher se casou com seu melhor amigo, e que seria impossível ter sua antiga vida de volta. Atualmente os gibis com o personagem (ao lado de Savage Dragon, o único dos primórdios da Image ainda sendo publicado) fazem sucesso zero. Talvez isso seja uma vantagem para McFarlane, que não terá de se preocupar com fãs ranhetas observando cada vírgula do filme com um microscópio. Se você quiser se preparar, porém, eu recomendo a série animada que a HBO exibiu entre 1997 e 1999. Já o filme de 1997, com Michael Jay White como protagonista, eu não recomendo nem sob tortura. Quando a Jamie Foxx e sua paixão por histórias em quadrinhos, é fácil colocar as mãos em O Espetacular Homem-Aranha 2? Mas aí depende de seu humor…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.