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Por que o fracasso de Han Solo pode ser ótimo para Star Wars

Roberto Sadovski

06/06/2018 02h26

Toda temporada do verão americano nos cinemas tem um fracasso para chamar de seu. Mas nem em uma centena de anos seria possível imaginar que qualquer coisa atrelada à marca Star Wars pudesse ocupar essa posição. Eis que Han Solo: Uma História Star Wars, com pálidos 268 milhões de dólares faturados pelo mundo em dez dias, chega para mostrar que, no mundo do entretenimento, não existem certezas. Para qualquer outro filme seria, obviamente, uma bilheteria respeitável. Mas Han Solo, quarto filme do universo Star Wars desde a compra da LucasFilm pela Disney, não deve sequer arranhar a marca do bilhão de dólares como seus antecessores – O Despertar da Força. Rogue One e Os Últimos Jedi, todos com dez dígitos em caixa. Com sorte, a essa altura, Solo bate na metade desse número, o desempenho mais pífio da história da saga.

Os motivos? Vai saber. Muitos apontaram o fuzuê nos bastidores como fator para deixar interessados afastados. Quando os diretores Phil Lord e Chris Miller foram demitidos quase no fim das filmagens, sendo substituídos por Ron Howard, um alerta vermelho pode ter soado na cabeça dos fãs. Bobagem, já que a massa, que realmente enche os cinemas, não dá a mínima pra esse tipo de coisa. Com Os Últimos Jedi arrebentando nos cinemas em dezembro, seria muito cedo pra outro filme da série? Mais bobagem, como a Marvel, faturando alto com três filmes por ano, está aí para provar. Talvez o desprezo pelo filme venha a) da campanha de marketing tímida, que só acelerou um mês antes do lançamento, o que é impensável para um blockbuster dessa escala, e b) o fato de Han Solo não ser exatamente um bom filme. Parte da comunidade de fãs de Star Wars, porém, aponta outro motivo para seu fracasso: boicote, levantado por uma turma desgostosa com o "rumo" que a saga vem tomando desde o negócio com a Disney. O que incomoda esse pessoal que acredita ser dono da série? Protagonistas femininas, diversidade, o "péssimo tratamento" de personagens clássicos que, para eles, não podem jamais evoluir. Evidências, claro, que toda comunidade apaixonada por uma fatia de cultura pop tem sua banda podre.

Kelly Marie Tran, incrível em Os Últimos Jedi, vítima de cyberbullying

Essa turma, geralmente adultos com mentalidade de bebês, é uma minoria ruidosa, incapaz de argumentar com quem possui opinião contrária. Mais ainda: acham que são "verdadeiros fãs" de Star Wars, e que a LucasFilm deve algum tipo de satisfação para sua choradeira imatura. As consequências na vida real, entretanto, são severas. Como é o caso da atriz Kelly Marie Tran, que em Os Últimos Jedi interpreta a piloto da resistência Rose Tico. Fugindo de qualquer estereótipo que possa ser atrelado ao papel de uma mulher no universo da fantasia e ficção científica, Kelly deu a Rose emoções e entusiasmo genuínos, além de criar um foco narrativo inusitado e sensível com Finn, personagem de John Boyega. Desde a estreia do filme de Rian Johnson, porém, ela foi bombardeada constantemente em sua conta do Instagram com mensagens racistas e sexistas, expondo pura misoginia e abuso por parte de alguns desses fanáticos. Ela deletou a conta porque, afinal, ninguém é obrigado a absorver ódio alheio.

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Esse comportamento não é de agora. Daisy Ridley, que deu vida à heroína Rey e se tornou novo ponto central da saga, também desativou seu Instagram para não ter de lidar com fanáticos abusivos. Boyega escolheu outro caminho, denunciando e confrontando quem lhe assedia com mensagens racistas. O próprio diretor Rian Johnson, que dialoga abertamente com fãs e colegas em seu Twitter, vez por outra tem de dar uma resposta atravessada a algum desavisado que joga bile em sua direção – até ameaça de morte ele já recebeu. Tudo por conta de um grupo pequeno e barulhento de marmanjos incapazes de lidar com o fato de que eles podem ser fãs, mas não são donos de nada. Quem pediu uma "satisfação" da LucasFilm, aconselho procurar uma poltrona confortável para esperar sentado. Todo mundo, claro, tem todo o direito de discordar da direção que um cineasta escolhe para retratar personagens icônicos, mas transformar isso em objeto de ódio é, no mínimo, estupidez. No caso de Luke Skywalker, em particular, Johnson devia mesmo ganhar um troféu extra, já que ele conseguiu dar ao herói uma jornada conflituosa e surpreendente, mostrando que há espaço para evolução no universo Star Wars.

Luke Skywalker em Os Últimos Jedi: evolução que merece aplausos

É claro que um alerta deve ter soado alto nos corredores da LucasFilm por conta do desempenho de Han Solo – que nas próximas semanas deve afundar ainda mais com a estréia de Os Incríveis 2, Jurassic World: Reino Ameaçado e Missão: Impossível – Efeito Fallout. Mas não creio que a conversa interna gire apenas em torno do resultado nas bilheterias. Com três filmes que romperam a barreira de 1 bilhão de dólares, e ainda com a Marvel e a Pixar no bolso, aposto que dinheiro não é exatamente uma preocupação na casa do Mickey. Seria, portanto, a oportunidade perfeita para rever os planos das Antologias Star Wars e deixar personagens e situações mais conhecidas de lado. Esquecer o famigerado fan service e abraçar a vastidão deste universo, tanto geográfica quanto cronológica. Houve um hiato entre os filmes, mais precisamente entre O Retorno de Jedi (1983) e A Ameaça Fantasma (1999) que os fãs de Star Wars eram um bando reduzido, sobrevivendo de uma dieta de livros, games e quadrinhos. Embora nada dessa material faça mais parte do cânone oficial da série, ainda pode servir de inspiração para explorar novas histórias e novos personagens. Ao mesmo tempo, é também o momento de ignorar os fanáticos infantilóides e mirar forte na diversidade, fazendo com que a galáxia muito distante pareça mais colorida e interessante.

Fanáticos brucutus, geralmente "armados" com um teclado e um vácuo no lugar das ideias, infelizmente sempre estarão à espreita – seja no universo dos games, seja entre os super-heróis da DC, seja na comunidade Star Wars. A melhor maneira de combater esses tipos é mostrar que os fãs de verdade, concordando ou não com a direção de um filme, estão unidos por uma paixão. Essa, talvez, seja uma das funções da cultura pop: juntar pessoas e personalidades diversas, de todo o planeta, em torno de algo que eles possam discutir, compartilhar e se divertir. O fracasso de Han Solo não é o resultado do levante de um bando birrento, insatisfeito e, por fim, insignificante. É apenas a prova de que a arte de fazer – e vender! – filmes não é exatamente uma ciência exata. Em uma palavra: acontece! Se algumas pessoas não tem maturidade para encarar a marcha do tempo porque eles temem qualquer mudança em "seus" filmes, vale o conselho: fiquem em casa! Intolerantes não serão tolerados.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.