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Feministas? Bobagem: a missão de Oito Mulheres e Um Segredo é só divertir!

Roberto Sadovski

08/06/2018 02h53

Briga de torcida é sempre engraçada. De um lado, brucutus berrando que as "feministas" querem destruir todos os seus brinquedos no cinema. Do outro, liberais celebrando uma certa "retomada do protagonismo" das mulheres depois de meses em que o status quo foi (louvadamente) abalado em Hollywood. Oito Mulheres e Um Segredo não é nenhuma coisa, nem outra: com direção de Gary Ross, é um pedaço de entretenimento que recupera a série fechadinha na trilogia de ladrões charmosos dirigida por Steven Soderbergh e protagonizada por George Clooney e cia. entre 2001 e 2007. Com Sandra Bullock à frente, o novo filme ocupa-se em repetir a aventura original, colocando atrizes no auge do jogo em arquétipos bem definidos neste subgênero que é o heist movie, o filme de roubo. Nada de sutiãs queimados, nada de discursos empoderados, nada de ataques sem sentido: é o cinemão hollywoodiano funcionando em modo turbo para dar ao público duas horinhas de entretenimento.

Claro, a percepção de um elenco majoritariamente feminino em 2018 é outro, e por esse prisma Oito Mulheres e Um Segredo vai direto no alvo. O motivo é que o roteiro, escrito por Ross a quatro mãos com Olivia Milch, espertamente espelha a aventura de 2001 com leves alterações de percurso. Sim, a produção com Clooney (e Brad Pitt, e Matt Damon, e Andy Garcia) é uma refilmagem de um thriller ligeiramente mais soturno de 1960, com Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr. (o Rat Pack do entretenimento da época). Mas trazia tanto charme e personalidade que, mais de quinze anos depois, continua igualmente saboroso. Seria bobagem fugir da fórmula, e Ross sequer ensaia alguma jogada de risco. Assim, Oito Mulheres mostra um golpe dentro de um golpe com uma reviravolta meio óbvia (e outra nem tanto), usando ao máximo o poder de seu elenco para não ser meramente uma cópia com gênero alterado, e sim um animal com vida própria respirando poder feminino.

Bullock conta seu plano engenhoso a Blanchett

Assim como George Clooney antes, agora é Sandra Bullock quem manda no jogo. Ela é Debbie Ocean, irmã do personagem do astro, que sai da cadeia (uma cena que espelha a abertura de seu antecessor) já com um plano em mente. Por cinco anos (e uns quebrados) ela bolou um golpe para aliviar a tradicional casa Cartier de um colar de diamantes de 150 milhões de dólares. O roubo tem de acontecer durante o prestigiado Met Gala, baile para famosos e endinheirados promovido pelo Museu Metropolitano de Arte em Nova York. A primeira metade do filme se ocupa em juntar a equipe que Debbie e sua parceira habitual, Lou (Cate Blanchett, em um papel não muito diferente do que Brad Pitt defendeu antes), precisam para executar o roubo. É um naco necessário mas também o mais desinteressante de Oito Mulheres, que funciona unicamente pela química absurdamente natural e envolvente de seu elenco: Helena Bonhan Carter, Sarah Paulson, Mindy Kaling, a surpreendente Awkwafina e uma eficiente Rihanna nasceram para atuar juntas! A oitava perna é Anne Hathaway, no papel de uma atriz, modelo e celebridade apresentando o Met Gala que calha de estar usando o tal colar durante a festa.

A essa altura é bobagem fazer um jogral e apontar quem aparece mais ou menos no filme: cada uma tem função na engrenagem arquitetada por Debbie Ocean, e a fluidez do plano nunca surge gratuita ou exagerada, mas fruto de anos atrás das grades com uma ideia fixa – mensagem do dia: ter uma obsessão pode ser lucrativo! Essa evolução narrativa faz com que Oito Mulheres e Um Segredo engate uma segunda na metade do golpe, e siga num crescendo até seu clímax. Gary Ross, que infelizmente não tem o pulso firme ou o senso estético de Steven Soderbergh, acerta ao não imprimir sua personalidade ao filme, deixando essa tarefa para as moças extremamente talentosas à frente das câmeras. Essa falta de tensão dramática, porém, faz com que Oito Mulheres perca seu senso de urgência, sem a sugestão de que o plano pode ir pelo ralo a qualquer segundo. Esse problema, claro, é anabolizado pela ausência de um antagonista com o peso de Andy Garcia: Richard Armitage, responsável por colocar a personagem de Bullock na cadeia, termina como mero fantoche no plano. É uma reversão curiosa: em Ocean´s Eleven, Clooney queria roubar milhões mas tinha também como objetivo se reaproximar de ex-mulher, interpretada por Julia Roberts; aqui, o lance todo faz parte da vingança de Bullock contra quem a traiu.

Quero um mundo em que Anne Hathaway nunca pare de fazer comédias

Ainda assim, Oito Mulheres e Um Segredo triunfa como entretenimento leve, o que não deixa de ser um bom contraponto aos espetáculos nababescos que Hollywood reserva para essa temporada, de Vingadores: Guerra Infinita a Jurassic World: Reino Ameaçado a Missão: Impossível – Efeito Fallout. É quase anacrônico ver um filme totalmente despido de "valores de produção" em grande escala, amparado tão somente pelo poder de marquise de seu elenco irretocável e pelo roteiro cheio de ziguezagues. É o tipo de "filme-evento" que o cinemão tem deixado de lado, mas que é necessário não só para limpar o palato dos megalançamentos que quase te deixam culpado por não ir ao cinema e fazer parte do hype, como também para lembrar que, para criar bom cinema, não é preciso mais que uma boa história e bons contadores de história, na frente e atrás das câmeras. E essa dose maciça de girl power, tomando papéis que o público historicamente associa aos marmanjos, é uma mudança muito saudável. E são elas, e somente elas, que fazem com que Oito Mulheres e Um Segredo não seja mera cópia de um filme que a gente não cansa de assistir.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.