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Mateus Solano procura o amor da sua vida em comédia romântica pop

Roberto Sadovski

15/06/2018 01h54

Faz frio na cobertura do Edifício Martinelli, uma joia arquitetônica no Centro de São Paulo. A garoa cai fina, transformando a brisa num vento gelado. Uma turma animada nem liga e capricha na festa, com música, bebida e uma bagunça confortável. No meio dos festeiros, surge Mateus Solano. Expressão surpresa. Alheio ao clima descolado. E de pijamas. Não que alguém esteja prestando atenção: é tudo parte de uma cena no meio do caminho de Talvez Uma História de Amor, comédia romântica que chega ainda no clima de Dia dos Namorados e aponta um caminho diferente, diria até ousado, para uma cinematografia brasileira que precisa de uma chacoalhada. No centro do projeto está o santista Rodrigo Bernardo, que faz sua estreia na direção de um longa-metragem em um gênero que, se já foi sinônimo de bilheterias gordas, hoje experimenta um escanteio no cinemão mundial.

"Não pensei no gênero quando decidi levar essa história pro cinema", conta Bernardo, com seu filme já na lata. "Mas quando eu li o romance de Martin Page sabia que tinha de transformar aquilo em filme." A trama do francês Page, publicada em 2009, é intrigante: uma mulher termina seu relacionamento com um publicitário metódico deixando um recado em sua secretária eletrônica. O problema é que o sujeito é solteiro e não faz a menor ideia de quem seria essa mulher, e a busca estremece seu mundo e sua rotina até então inabaláveis. O livro transforma a jornada em uma comédia romântica inusitada, com seu protagonista (re)construindo uma história que, em sua mente, sequer existiu. Bernardo aparou as arestas, deixou a trama mais reta e a trouxe para o Brasil contemporâneo, encontrando em Solano o canal perfeito para materializar seu Virgílio, um sujeito de hábitos incomuns que esconde bem no fundo um romântico insuspeito.

Virgílio se agarra à secretária eletrônica que bagunçou sua vida

Fã de besteirois dos anos 80 como Corra Que a Polícia Vem Aí e Apertem Os Cintos! O Piloto Sumiu, Mateus Solano se entregou aqui em um outro tipo de registro cômico. "Eu não estaria em uma comédia romântica que fosse muito puxada para a comédia", entrega. "Muitas vezes a necessidade de popularizar uma ideia acaba comprometendo um filme que poderia usar uma sutileza maior. O Rodrigo nunca trabalhou pensando em bilheteria, nunca tirou o foco da história, e mesmo assim não deixou de fazer um filme popular." Solano trabalhou com o diretor de ponta a ponta no projeto, principalmente por seu personagem estar em absolutamente todas as cenas do filme. "O roteiro já desenhava muito bem quem seria o Virgílio", continua o ator. "Mas a gente foi adicionando novas ideias ao longo do caminho." Uma delas foi a necessidade de diagnosticar a condição do protagonista, que cogita ter apagado um relacionamento inteiro da mente. Solano suou para organizar a evolução de seu personagem e manter a coerência em uma filmagens que atravessou três anos e dois países (o longa foi rodado em São Paulo e em Nova York). O mais difícil nesse tempo? "Ah, foi o cabelo", diverte-se o ator. "Sério, manter o mesmo corte e o mesmo visual por quase quatro anos é complicado."

A primeira vez que conversei com Rodrigo Bernardo sobre Talvez Uma História de Amor foi num já distante 2015, quando ele explicou a paixão pelo texto e a vontade de transformar em filme. Comédia romântica? Talvez, mas não de caso pensado. "A história do Virgílio foi o que chamou minha atenção", explica o diretor. "A diferença é que sua jornada no livro é mais individual, e eu queria usar sua história para iluminar esse modo estranho como as pessoas se relacionam hoje, em que temos dezenas de ferramentas para falar uns com os outros, mas quanto mais a gente se comunica, mais a gente se afasta." Mas…. comédia romântica, certo? "Ah, mesmo que sejam raros hoje em dia, ainda existe muitos filmes românticos", diverte-se. "Mas eu pensei em Sandra Bullock, em Hugh Grant… nesses filmes mais contemporâneos, como Quatro Casamentos e um Funeral." Mas esse já tem mais de vinte anos, Rodrigo! "É que eu já estava pensando no DNA de Casablanca!", finaliza, com uma risada.

O diretor Rodrigo Bernardo orienta seu astro

Talvez Uma História de Amor não traz casamentos, funerais, Bogie, Sandra Bullock ou Hugh Grant. Mas é definitivamente romântico. E, na aridez das comédias histéricas e dos filmes "com uma mensagem" que atolam a cinematografia brasileira, é um trabalho honesto, delicado, pop e engraçado, ancorado por uma performance sensacional de Mateus Solano. Ele é o publicitário Virgílio, que a gente descobre ser metódico nas fronteiras do TOC já nas primeiras cenas, em que a métrica de seu pão de forma na caixinha segue a mesma rotina de seu emprego – ele recusa uma promoção e um aumento de salário porque arruinaria suas declarações de imposto de renda, já preenchidas anos à frente. Não é de se espantar que essa vida regrada seja estraçalhada quando ele ouve o recado de Clara (Thaila Ayala, que pouco aparece mas está sempre presente), em sua secretária eletrônica, terminando seu relacionamento. A partir daí, Rodrigo Bernardo constrói um filme com uma visão clara do que pretende ser, e como chegar lá.

As referências que ele espalha ao longo da narrativa entregam que Talvez Uma História de Amor não é um filme sob encomenda, e sim o fruto de uma paixão. Tem ecos de Alta Fidelidade, representado numa busca pelas ex do passado para entender o futuro, e lascas do tom fantasioso de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças – seria, afinal, possível apagar um amor? A piscadela às comédias românticas contemporâneas (menos Doris Day, mais Meg Ryan) sequer tenta ser sutil, já que uma TV exibe um pedaço de Sintonia de Amor. E nada mais adequado para fincar o filme no novo século do que dar um papel a Cynthia Nixon, uma das estrelas da série Sex and the City. As comédias românticas podem estar na entressafra, mas nunca foram tão necessárias. "Falta romance no mundo, com certeza!", filosofa Mateus Solano. "E não só entre um casal que se ama, mas com o próprio mundo, em ser apaixonado por estar vivo." O ator solta um suspiro, e conclui: "Estamos tão preocupados em acumular para o futuro, ou no que a gente perdeu no passado, que a gente esquece do milagre de cada segundo em estar aqui". Lição que Virgílio, a duras penas, tenta aprender.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.