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Um bebê fofo e novos super-heróis compensam o pouco original Os Incríveis 2

Roberto Sadovski

27/06/2018 03h00

Os Incríveis 2 é um filme que não precisava existir…. Mas ainda bem que existe! Explico. Até pouquíssimo tempo atrás, só as produções com "toy" no título mereciam ganhar continuação no reino da Pixar. Seus outros "produtos" eram pérolas únicas, pequenas obras de arte auto-contidas que obedeciam somente ao impulso criativo de seus diretores. Brad Bird, trazendo no currículo uma das grandes aventuras em animação da história, o fantástico O Gigante de Ferro, chegou no estúdio então encabeçado por John Lasseter com uma ideia na cabeça: misturar os melhores clichês dos super-heróis nos quadrinhos em um cenário claramente inspirado nas aventuras de James Bond, tudo embalado na história de uma família dotada de habilidades extraordinárias que precisa, por forças superiores, contentar-se com uma existência mundana.

Os Incríveis transformou essa salada em um dos melhores filmes desse sub-gênero da história – e também um dos momentos mais espetaculares da Pixar -, encontrando espaço para um comentário social ao estilo de Watchmen (a série em quadrinhos, não o filme), com os supers aposentados pelo governo, obrigados a agir mais uma vez quando uma ameaça global mostra o focinho. A conclusão da aventura apontava para uma continuação, mas o gancho era mais uma brincadeira com este universo heroico do que um plano real. A Pixar, afinal, não fazia continuações. Carros, porém, chegou aos cinemas dois anos depois e bagunçou tudo, com um filme que mais parecia um anúncio de brinquedos gigante que fez coçar os dedos dos executivos da Disney – de tudo que saiu das mentes criativas do estúdio californiano, as aventuras de Relâmpago McQueen são as que mais se sustentam como produtos fora do cinema, e são centenas de milhões de dólares que não podem ser ignorados.

Dessa vez é a Mulher-Elástica quem encara a ação

Filmes originais de qualidade insuspeita com o selo Pixar continuaram a chegar aos cinemas com o mesmo encanto – é impossível não respeitar uma lista que inclui Wall-E, Up, Valente, Divertida Mente e Viva! – A Vida É Uma Festa. As continuações nascidas nos corredores do estúdio, porém, sempre surgem com sabor de refeição requentada. Não há propósito em Universidade Monstros ou Procurando Dory, mesmo que sejam trabalhos belos e emocionantes (o segundo e o terceiro Carros nem dá para colocar na mesma lista, tamanha sua mediocridade). Falta, porém, o deslumbre que acompanha as produções originais, a sensação de descobrir algo verdadeiramente novo que, um dia, foi sinônimo com a Pixar. E é esse exatamente o único problema que aflige Os Incríveis 2. Já vimos cada um de seus beats narrativos antes, e da primeira vez foi muito melhor.

O que não significa, de forma alguma, que essa nova aventura, mais uma vez com a assinatura de Brad Bird, não seja uma das experiências coletivas mais empolgantes do ano. Os Incríveis 2 é para assistir com o cinema lotado, com a criançada não contendo a empolgação nas sequências mais intensas, com a turma com 32 dentes rindo das referências sutis (e algumas nem tanto assim) de cultura pop e da visão anabolizada do que é criar uma família na sociedade acelerada e hiper-conectada do novo século. Ter uma família como o centro da trama é o que diferencia o filme de seus pares superpoderosos, seja Marvel, seja DC, que hoje dão o norte ao cinemão hollywoodiano. Mesmo com universos se expandindo ou entrando em colapso, não há nada remotamente parecido com o mundo de arquitetura impressionante e trilha assumidamente jazzística (uma das melhores de Michael Giacchino) apresentado por Bird e cia. Se um dia a Marvel puder, e decidir levantar de seu traseiro para levar o Quarteto Fantástico aos cinemas, eu já saberia na porta de quem bater.

Alguma dúvida sobre quem é o astro explosivo do novo filme?

A trama começa imediatamente onde termina o filme original, com a família Parr (ou "Pêra" no Brasil) enfrentando um vilão que domina o mundo subterrâneo. Eles entram em ação à vista do público e, durante o combate, causam dezenas de milhões de dólares em danos para a cidade, o que empodera ainda mais os críticos dos supers, que continuam banidos por lei. Uma esperança de mudança surge quando dois irmãos milionários, Winston e Eleanor Deavor, sugerem bancar a atividade dos supers, registrando tudo em tempo real para virar a opinião pública a seu favor. Mas não é o Sr. Incrível o escolhido para encabeçar o novo movimento, e sim a Mulher-Elástica. Numa reversão de papéis antenada com os novos tempos, é ele quem fica em casa cuidando dos filhos enquanto ela abraça a ação. O filme, então, divide-se em duas narrativas: a heroína enfrentando uma nova ameaça, o perigoso Hipnotizador, e seu marido descobrindo que administrar um lar não é fácil, principalmente quando seu bebê, Jack Jack (ou "Zezé"), revela ter uma dúzia de superpoderes diferentes. Para compensar a trama preguiçosa. o filme aposta em barulho, apresentando pelo menos uma dúzia de novos super-heróis.

Os Incríveis 2 basicamente repete a trama de seu antecessor, desta vez com um tempero contemporâneo, mas sem nenhuma preocupação em avançar seu conceito. Não é ao acaso que são justamente os momentos em que a fórmula é quebrada – todos com Zezé, que eu torço para não ganhar filme próprio – que a aventura ganha aquele brilho nos olhos. A mensagem da importância da família permanece, e a repetição neste caso é um bônus: em tempos que o mundo ameaça ruir ante uma onda nefasta de conservadorismo, mostrar uma família unida em torno da valorização das diferenças e da igualdade de papéis entre pai e mãe é estimulante. Os Incríveis 2 pode ser mais do mesmo, mas quando "o mesmo" calha de ser uma das aventuras animadas mais sensacionais do cinema moderno, não é exatamente um problema – sem falar que é revigorante ver um filme de super-heróis que tem como única preocupação ser divertido! Uma coisa é certa: ninguém pode acusar a Pixar de ser mercenária. Afinal, ninguém passa quatorze anos sentado em cima de uma marca tão valiosa se o propósito é apenas ganhar dinheiro. Apesar dos tropeços pelo caminho, contar uma boa história ainda vem em primeiro lugar.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.