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Duro de Matar, que reescreveu as regras do cinema de ação, completa 30 anos

Roberto Sadovski

12/07/2018 04h47

John McClane sabe que o telhado do arranha-céu que abriga a poderosa Nakatomi Corporation está forrado de explosivos. Descalço, sangrando e sozinho, ele sobe ao heliponto e, disparando sua metralhadora para o ar, força os reféns a descer, salvando a todos da morte certa. Agentes do FBI em um helicóptero disparam em McClane, tomando-o por um terrorista. O relógio está correndo. Ele foge das balas, amarra uma mangueira de incêndio na cintura e, já na mira de um dos agentes, salta do telhado, que explode em suas costas…. Suas palavras antes do oceano de fogo projetado em seu corpo? "Juro que eu nunca mais vou subir em um prédio alto de novo." E foi assim, chegando em seu clímax bombástico, que Duro de Matar mostrou ao mundo a cartilha de como construir o filme de ação perfeito. Três décadas depois, continua empolgante como sempre, sensacional como nunca. E quase não foi nada disso.

Voltando um pouco no tempo, a gênese de Duro de Matar está ligada ao livro Nothing Lasts Forever, escrito por Roderick Thorpe em 1979. Era a continuação de The Detective, que o autor lançara em 1966, sendo adaptado para o cinema dois anos depois como O Crime Sem Perdão com Frank Sinatra no papel principal. Por uma obrigação contratual, a Fox teve de oferecer o papel da sequência a Sinatra, então com 73 anos, para reprisar o protagonista, o policial aposentado Joe Leland, que visita sua filha na festa de Natal da corporação para a qual ela trabalha, um arranha-céu que é tomado por terroristas. Sinatra recusou, e o estúdio convocou seu astro em ascensão, Arnold Schwarzenegger, no que seria adaptado para ser uma continuação de Comando Para Matar. Ele também disse não e, com a janela de produção se estreitando, os engravatados entregaram, relutantes, o papel para Bruce Willis, que até então tivera sucesso na TV com a série cômica A Gata e o Rato.

Bruce Willis no clímax explosivo de Duro de Matar

O diretor John McTiernan, entretanto, sabia exatamente o que estava fazendo. O roteirista Steven E. De Souza (que dividiu a tarefa com Jeb Stuart) havia tirado qualquer conexão com O Crime Sem Perdão do caminho e mudou o nome e a idade do protagonista: seu John McClane agora era um policial de Nova York que vai a Los Angeles para tentar uma reconciliação com a mulher, uma alta executiva da Nakatomi. A grande sacada de De Souza foi mudar o ponto focal da narrativa: a história, apesar de centrada em McClane, flui do ponto de vista de seu antagonista, o terrorista Hans Gruber (o grande Alan Rickman, estreando no cinema). "Se não fosse pelas ações de Hans", explica o roteirista, "John chegaria à festa e acertaria, ou não, os ponteiros com a mulher. Fim de história." Bruce Willis, por sua vez, estava no fim de uma lista que, depois de Schwarza (que De Souza nega ter sido procurado), passou por Sylvester Stallone, Harrison Ford, Don Johnson e Richard Gere.

O motivo, podemos arriscar, é que Duro de Matar trazia em John McClane um herói de ação diferente. Ao contrário dos "super-heróis" que costumavam salvar o dia mal suando a camisa, o policial no lugar errado e na hora certa era um sujeito normal, sem treinamento especial, sem músculos bombados, que corre, sua, sangra, desespera-se e conta com muita sorte para chegar ao fim do dia. Era o oposto de um Dirty Harry da vida, a antítese do Bandit de Burt Reynolds (outro que disse não), heróis quase invencíveis do cinema de ação vigente. McClane, por outro lado, também não era realista como Popeye Doyle, que deu o Oscar a Gene Hackman em Operação França, não havia subtexto no personagem além do que está explícito em cena. O estúdio, por sua vez, queria apostar mais na ação e no conceito do filme do que em seu protagonista. Duro de Matar parecia uma anomalia, e por fim, Bruce Willis ganhou seu primeiro grande papel – e seu primeiro cheque gordo, 5 milhões de dólares que, na época, era uma soma reservada somente para astros consagrados.

Alan Rickman ameaça Bonnie Bedelia, que faz a mulher de John McClane

A produção não apenas foi um pesadelo, como começou com o conceito do filme inacabado. Cenários ainda estavam sendo construídos e o final estava sendo discutido quando McTiernan e sua equipe tomaram de assalto a sede da própria Fox, em Los Angeles, ao lado dos estúdios da empresa em Century City, para abrigar a produção. O prédio ainda estava sendo finalizado, e muito do que vemos no filme foi rodado em locação, inclusive os andares não finalizados. As ideias do diretor aos poucos deram estofo ao filme. Ele trocou os terroristas do filme original por ladrões em busca dos milhões guardados no cofre do edifício, que fingiam ser terroristas como parte do plano. A ação, estendida ao longo de três dias no texto original, foi condensada em uma única noite, a véspera do Natal. E a personalidade de McClane foi aos poucos desenhada por McTiernan e pelo próprio Bruce Willis: eles chegaram à conclusão que o policial tinha baixíssima auto estima e não achava ser alguém digno de admiração – mas que faria tudo a seu alcance para sair de uma situação ruim.

O orçamento enxuto, de 28 milhões de dólares, foi compensado com o suor do time de McTiernan e do trabalho brilhante dos produtores Lawrence Gordon e Joel Silver, que conseguiram tocar o barco em tempo hábil sem perder nenhuma das grandes cenas boladas pelo diretor. A explosão no telhado do Nakatomi, por exemplo, foi preparada por seis meses e rodada em duas horas com nove câmeras diferentes. A cena em que o dublê de Willis escorrega e cai por vários metros em um poço de ventilação foi mantida no corte final, assim como a expressão de terror de Alan Rickman quando seu Hans Gruber despenca do prédio – o ator foi jogado de uma altura de vinte metros em um colchão de segurança, mas a equipe o soltou antes do combinado a pedido do diretor, que queria captar a tensão do momento. E Bruce Willis, descalço, ferido e coberto de vidro e sangue, enxergou a oportunidade e transformou John McClane em um dos personagens mais icônicos do cinema moderno, tornando-se um astro no processo.

O diretor John McTiernan (no centro) com o fotógrafo Jan de Bont e Willis

Duro de Matar chegou aos cinemas no meio da temporada do verão americano de 1988, que curiosamente não trouxe nenhum grande espetáculo de fantasia ou ficção científica e também foi econômico em continuações. Foi o verão de Um Príncipe em Nova York e Quero Ser Grande, de Uma Cilada Para Roger Rabbit e Um Peixe Chamado Wanda. O público estava sedento para ir ao cinema e devorar histórias originais e surpreendentes. Mas ninguém estava pronto para a intensidade de Duro de Matar. A crítica da época não sabia o que fazer com o filme, com McTiernan (que no ano anterior já fizera barulho com O Predador, com Schwarzenegger) ou com Willis. Sua estreia foi discreta, mas os números foram constantes, com a aventura fechando com cerca de 140 milhões de dólares nas bilheterias mundiais. O cinema, por sua vez, prestou atenção em seu modo de construir a narrativa, com um herói solitário jogado por acidente em um cenário de alto conceito e potencial explosivo. De repente, todo mundo queria um Duro de Matar para chamar de seu.

A década seguinte viu uma explosão de réplicas tomar os cinemas – algumas dignas de aplauso, outras dignas de pena. O próprio John McClane voltou com um "Duro de Matar no aeroporto" na continuação de 1990 (a primeira de quatro), que foi seguida por um "Duro de Matar num navio" (A Força em Alerta, de 1992, com Steven Seagal), "Duro de Matar num avião" (Passageiro 57, também de 1992, com Wesley Snipes), "Duro de Matar numa montanha" (Risco Total, de 1993, com Stallone), um absurdo "Duro de Matar numa arena de hóquei" (Morte Súbita, de 1995, com Jean-Claude Van Damme) e o divertido "Duro de Matar no avião presidencial" (Força Aérea Um, de 1997, com Harrison Ford. De todos, o melhor foi Velocidade Máxima, um "Duro de Matar num ônibus" cheio de personalidade em que o diretor Jan de Bont entendeu exatamente a arquitetura do novo cinema de ação e a aplicou em um filme eletrizante com Keanu Reeves à frente. Não foi exatamente uma surpresa: de Bont foi o diretor de fotografia em… Duro de Matar!

A melhor maneira de terminar um belo conto de Natal, não?

As regras do cinema de ação em Hollywood foram reescritas e experimentaram uma evolução bem vinda nas três décadas que seguiram a explosão de Duro de Matar. O Exterminador do Futuro 2 foi um colosso comandado por James Cameron em 1991 que injetou uma revolução de efeitos visuais no gênero. Em 1999, Matrix somou artes marciais em um conceito de ficção científica e filosofia, embalado por ação ininterrupta. Quentin Tarantino temperou o gênero com humor e cultura pop em Kill Bill Vol. 1 em 2003. Batman – O Cavaleiro das Trevas viu Christopher Nolan encarar os filmes de super-heróis, então começando sua dominação global, como terreno para novas técnicas narrativas e visuais para o gênero em 2008. O cinema mudou. Vez por outra, porém, a semente plantada por Duro de Matar dá novos frutos, seja com Jason Statham e seus Carga Explosiva, seja no novo Arranha-Céu com Dwayne Johnson, seja nas dúzias de filmes de todo o mundo que aprenderam com John McClane que estar no lugar errado, mas na hora certa, pode ser receita vencedora para empolgar uma plateia no cinema. Três décadas depois, porém, nenhum arranha as botas de Duro de MatarYippee kiyay… ah, você sabe o resto!

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.