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Estratégia do Oscar por audiência é desesperada e vergonhosa

Roberto Sadovski

09/08/2018 03h24

O que seria uma premiação para "melhor filme popular"? A premiação do Oscar descobriu o alçapão no fundo do poço com as novas medidas anunciadas pela Academia. A mais absurda é instituir uma nova estatueta, que basicamente vai dizer ao público qual filme esse mesmo público mais gostou. Eu pensei que essa escolha era feita com o bolso e com o resultado nas bilheterias, mas o Oscar versão millenial acredita que a fórmula para um público mais jovem sentar por sua maratona de três horas de premiação é premiar os grandes sucessos de bilheteria. Porque o MTV Movie Awards é um tremendo sucesso entre a geração da internet, pelo visto. Ironia à parte, todos perdem com a medida: os filmes "comerciais", que ganham atestado de baixa qualidade ao ser colocados em um chiqueirinho à parte na festa, e os filmes "de arte", de certa forma proibidos de acumular renda sob o risco de perder sua credibilidade. É a versão hollywoodiana das corridas infantis em que todos precisam ganhar um troféu para evitar cara feia.

A intenção, talvez, fosse das melhores. Na reunião em que a Academia reelegeu seu presidente, John Bailey, foi levantada a necessidade de fazer com que a cerimônia voltasse a ser atraente e com bons índices de audiência – o que só acontece quando filmes com o selo de aprovação popular estavam no páreo. Reduzir a festa para três horas e nada mais foi uma boa medida. Para isso, porém, a transmissão sacrificou a entrega das estatuetas em categorias menos festejadas, com os vencedores anunciados durante o intervalo comercial e um resumo de seus discursos de agradecimento integrados ao show. Embora as regras não tenham sido explicadas (talvez porque nem a própria Academia ainda saiba como proceder), é certo que premiações de curtas, além de prêmios técnicos como edição de som, sejam retalhados para a premiação ser mais rápida. A partir de 2020 a cerimônia será realizada duas semanas antes da data original, agilizando o processo de votação e colocando o Oscar à frente de outras premiações da indústria. Tudo muito excelente, a não ser a sensação de que as pessoas que se dedicam à arte de fazer filmes perdem talvez sua única oportunidade de mostrar seu trabalho ao mundo. Bom, o dinheiro manda, a rede ABC (dona da festa) precisa daqueles anúncios caríssimos e a queda monumental de audiência nos últimos anos não deixa nenhum anunciante empolgado.

Mas a tal nova categoria para "filme popular" só causa mais problemas do que apresenta soluções para a Academia. As regras para indicar um filme nessa vaga ainda não foram definidas, já que "popular" pode ser definido tanto pela bilheteria quanto pela, sei lá, graduação no IMDb. Se a questão for dinheiro, como indicar um blockbuster que chegue aos cinemas apenas no fim de dezembro e que garanta os bolsos cheios meses à frente, depois de os votos já estarem computador? O Rei do Show é um bom exemplo de sucesso a longo prazo. Mais importante, a Academia já incluiu filmes populares entre seus indicados desde que expandiu o número de possíveis candidatos a melhor filme de cinco para dez produções. A medida entrou em vigor justamente depois de Batman – O Cavaleiro das Trevas (um filme popular, e também um grande filme!) ter ficado de fora da corrida pela estatueta mais cobiçada da festa em 2009. Depois disso, Avatar, Dunkirk, Mad Max: Estrada da Fúria, Perdido em Marte, Estrelas Além do Tempo, Gravidade, O Lobo de Wall Street, A OrigemCorra! entraram na disputa principal nos anos seguintes. Existe um motivo para grandes blockbusters como Piratas do Caribe ou Transformers – ou mesmo Deadpool – não concorrerem ao Oscar de melhor filme: eles NÃO MERECEM o Oscar de melhor filme! Mesmo com pisadas na bola históricas, a festa da Academia ainda premia a qualidade, e não a caixa registradora.

Se a questão é popularidade e audiência, melhor jogar logo tudo aos lobos: se o público mais jovem está abraçando as séries de TV como sua principal fonte de entretenimento, será que essas novas medidas para aumentar seu público não deixa o Oscar um passo mais perto de premiar também produções feitas para a TV? A Netflix com certeza adoraria adicionar os louros de "vencedor do Oscar" em muitos de seus produtos. A verdade é que um filme para a TV pode ter até um orçamento mais gordo e gente talentosa atrás das câmeras… mas continua sendo um filme para a TV, e não uma experiência cinematográfica. É certo que as mudanças abraçariam filmes que se tornam fenômenos, parte do zeitgeist, como Pantera Negra. Mas uma produção assim já não seria boa o bastante para garantir seu lugar entre os indicados? A reação entre artistas e produtores não foi das melhores, com muitos decretando o último prego no caixão da arte de fazer filmes – que hoje se dividem entre as produções milionárias e os produtos mega independentes, com os filmes "médios" cada vez mais espremidos nessa equação.

Em vez de se render ao hit da estação, o Oscar deveria abraçar seu legado e primar ainda mais pela excelência, não importando orçamento ou resultado nas bilheterias entre seus indicados. Mudanças nas regras da Academia não são novidade, e eu defendo que outras categorias poderiam ser igualmente expandidas para além dos cinco indicados se isso se refletisse em uma pluralidade maior entre os finalistas. Ter dez filmes estrangeiros no páreo, por exemplo, só popularizaria filmografias menos conhecidas. Mas o "melhor filme popular" é uma tentativa desesperada e vergonhosa de atrair um público que há muito não dá a mínima para assistir a uma festa em que um grupo de milionários distribui tapinhas nas próprias costas. Existe o risco imenso que a categoria principal, a de melhor filme, saia diminuída e prejudicada quando a poeira assentar. Uma solução mais bacana seria deixar a produção do Oscar nas mãos de artistas mais antenados com os anseios do público, fazendo com que o show que emoldura a premiação fosse mesmo um show. Será que a possibilidade de Vingadores: Guerra Infinita ou Jurassic World: Reino Ameaçado levar um Oscar de "melhor qualquer coisa" vai fazer mais gente sintonizar a TV na noite da festa? Acredito, honestamente, que não.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.