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Genérico e sem charme, Megatubarão é muito barulho pra pouca mordida

Roberto Sadovski

10/08/2018 01h42

Megatubarão é o primo rico de Serpentes à Bordo. Assim como a produção travestida de filme B que Samuel L. Jackson protagonizou em 2006, a trama aqui navega por todos os clichês das histórias "homem vs. fera" que o cinema já criou. É barulhento, não faz o menor sentido e vai sair da memória com a mesma velocidade que a gente deixa a sala de cinema. Divertido, sim. Mas o investimento nos faz pensar como a aventura seria caso o diretor Jon Turteltaub (os dois A Lenda do Tesouro Perdido) tivesse alguma ideia do filme que estava fazendo. Megatubarão não é sério o suficiente para se colocar como um thriller. Nem é leve o bastante para rir de si mesmo e abraçar sua herança trash, que o deixaria indiscutivelmente mais charmoso. Como resultado dessa indecisão o filme flutua, à deriva, entre sustos fáceis, cenas de ação genéricas e um Jason Statham fazendo o que pode com um personagem de uma nota só.

O combate do homem contra a natureza fora de controle já rendeu, por sinal, pérolas cult que só melhoram com o tempo. O Ataque dos Vermes Malditos partia igualmente de uma premissa absurda (lesmas subterrâneas gigantes que atacam uma cidadezinha no deserto), mas transbordava honestidade. Anaconda mostrou que entendeu a piada com uma piscadela esperta do personagem de Jon Voight (e você SABE de qual cena eu estou falando!). O maravilhoso O Corte da Navalha, de 1984, tinha em Russell Muncahy um diretor com total domínio de tom e narrativa, fazendo com que o ataque de um javali gigante fosse assustador, e não ridículo. E eu nem preciso mencionar Tubarão,  obra máxima de Steven Spielberg, para exemplificar o quanto Megatubarão erra o alvo.

Li Bingbing e Jason Statham preparam o mergulho

Os direitos do livro publicado em 1997 por Steve Alten passaram por um punhado de estúdios por duas décadas, revertendo de volta ao autor sempre que os projetos travavam. Jan DeBont, diretor de Velocidade Máxima e Twister, foi o primeiro a arriscar tirar a ideia do papel, seguido por Eli Roth, até que chegou nas mãos de Turteltaub em sua encarnação entre suspense e aventura. O protagonista é Jonas Taylor (Statham), mergulhador especializado em resgate nas profundezas que virou as costas para o mar depois que uma tragédia custou a vida de seus melhores amigos. Cinco anos depois, ele é chamado para ajudar no salvamento de um trio de cientistas presos em um submarino que desceu em território jamais explorado. O resgate altera momentaneamente as condições geológicas do lugar, fazendo com que um megalodon, um colosso assassino de 25 metros, invada o oceano. Cabe a Taylor e à equipe de um centro de pesquisas no meio do oceano, bancado por um bilionário e comandado por uma oceanógrafa (Li Bingbing), eliminar a fera antes que ela alcance o continente e as praias cheias de petiscos humanos.

O resto do roteiro é uma colcha que junta partes de outros filmes muito melhores. Se a tecnologia para executar uma monstruosidade submarina (quase) à perfeição está na caixa de brinquedos do diretor, faltou energia para criar qualquer conexão com os personagens de carne e osso. Tubarão, já voltando a Spielberg, funciona porque nos importamos com a jornada de Brody, Quint e Hooper para caçar a fera. Sobre o personagem de Statham, sabemos que ele bebe muita cerveja, talvez por ser atormentado pela culpa do passado, ou talvez por gostar de farra. E só. O resto do elenco cumpre tabela como a) bilionário sem escrúpulos, b) interesse amoroso, c) alívio cômico e por aí vai. Até uma criança esperta e um cachorrinho fofinho têm vez, em uma coleção de arquétipos tão óbvios que dá pra adivinhar quem vai morrer no momento em que todos se reúnem em cena – mortes, por sinal, com zero impacto emocional e que mal registram entre os próprios personagens. O que sobra para alinhavar a narrativa são as cenas de ação, dirigidas com habilidade por Turteltaub, mas ainda sem densidade para elevar o suspense ou dar sentido à história.

O que é mais decepcionante em Megatubarão, por fim, é sua própria falta de ambição. O primeiro ato aponta para um filme mais sério que os trailers sugeriam; já o clímax entrega-se ao absurdo e elimina qualquer possibilidade de levar os personagens a sério. No fim, Statham ganha mais um filme para desfilar seus músculos (a câmera é generosa com o astro de 51 anos) e o cinema ganha mais uma criatura gigante para compor aquelas listas de "filmes com monstros abissais". Assim como Serpentes à Bordo, porém, ele ficou no meio do caminho entre a produção classuda e o filme B descarado. Vale, claro, perder duas horas num cinema gigante e barulhento para diversão descompromissada. Mas se a ideia é ver tubarões fora do normal atacando humanos incautos, a dica ainda é apostar em Sharknado. Qualquer um dos seis.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.