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Sem diretor, sem data de estreia: quem pode salvar o próximo James Bond?

Roberto Sadovski

24/08/2018 05h59

Bond 25 seria um filme lindão. O número bonitão marcaria também a despedida de Daniel Craig do agente 007, depois de ajudar a conduzi-lo para o século 21 e torná-lo mais uma vez relevante. Melhor ainda, a direção estava nas mãos de Danny Boyle, autor responsável por filmes excepcionais como Trainspotting, Extermínio, Sunshine e Steve Jobs. Depois de dois filmes nas mãos de um vencedor do Oscar (Sam Mendes fez o irrepreensível Skyfall e o meh Spectre), Boyle era o sujeito perfeito para, finalmente, dar mais personalidade a uma aventura de Bond, seguindo as linhas gerais traçadas por seus produtores (a dupla Barbara Broccoli e Michael G. Wilson), ao mesmo tempo em que jogava seu tempero particular. Ora, ele dirigiu Craig como Bond na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres! Bond 25 seria mesmo lindão. Mas o motivo de tanto verbo conjugado no passado é que o barco está, veja só, sem capitão ao leme.

Sempre a treta cai na mãos das "diferenças criativas". No último dia 21, a conta oficial no twitter de James Bond (veja só…) revelou que Boyle, depois de desenvolver o filme por meses, estava fora do projeto. Dois dias depois o zumzum nos bastidores deu conta que sua saída foi motivada por um desentendimento com o próprio Craig, que está no córner dos produtores. A história não oficial é que o roteiro de Boyle, escrito com seu parceiro John Hodge (Trainspotting), era uma versão moderna de um thriller da Guerra Fria, com um russo como vilão. Ninguém, além deles, achou a ideia, digamos, sexy o bastante. Como o texto anterior, escrito pelos veteranos da série Neil Purvis e Robert Wade, já havia sido descartado, Bond 25 volta à estaca zero. A consequência imediata é que o filme dificilmente vai bater sua data de estreia, marcada para 25 de outubro de 2019 na Inglaterra. Uma produção dessa escala precisa de meses de planejamento e pré-produção. Se ninguém assumir a ponta logo, é viável arriscar um atraso de ao menos um ano.

Danny Boyle não vai mais dirigir Bond 25…. uma pena!

Ok, estes são mais ou menos os fatos. Wilson e Broccoli (e Craig) estão com um dilema em mãos. Seria mais fácil resgatar o texto de Purvis e Wade e colocar nas mãos de um operário? Historicamente, James Bond sempre funcionou assim, desde que a série começou mais de cinco décadas atrás. O diretor era o sujeito que gritava ação, mas o planejamento criativo sempre ficou nas mãos dos produtores. Os roteiristas são responsáveis por excelentes aventuras do espião seguindo essa fórmula (como Cassino Royale e Skyfall), mas também já entregaram alguns dos piores filmes da série (O Mundo Não É o Bastante, Um Novo Dia Para Morrer). Era fácil, também, ligar um botão e deixar Guy Hamilton ou John Glen assumir o leme…. ou Martin Campbell, que tocou não um, mas dois renascimentos da série com Goldeneye e, depois, com Cassino Royale. Mas o cinema mudou – oras, o mundo mudou! -, e nada seria pior do que engolir um retrocesso nas aventuras de James Bond. 007 precisa de personalidade, precisa de sangue nos olhos!

O que é exatamente o que Michael G. Wilson e Barbara Broccoli também precisam. Quando eles recrutaram Daniel Craig, a ideia era fazer um reboot, mexer com as tradições, apresentar Bond para o novo milênio. Um ator bruto, abraçando um agente mais robusto, era a ideia perfeita. Cassino Royale foi um estouro. Quantum of Solace, comandado por Marc Forster, foi um escorregão – mas até perdoável quando lembramos que foi rodado no meio da greve dos roteiristas de Hollywood, com o texto reescrito em longas noites insones no hotel pelo próprio Craig. Skyfall, por outro lado, foi um estouro, uma das melhores aventuras de Bond de todos os tempos, um filme culturalmente relevante, brilhantemente filmado, com texto e atuações primorosas (Javier Barden, um vilão de Bond não fica melhor do que isso) e uma jornada pessoal para 007 que revelou facetas inesperadas do personagem. Foi o primeiro da série a ultrapassar o número mágico nas bilheterias – 1 bilhãos de dólares e mais uns trocados – e o primeiro, em muito tempo, a deixar sua marca no zeitgeist pop.

Daniel Craig e Javier Bardem em Skyfall, o melhor Bond do século 21

Por isso que Spectre foi tão decepcionante. A teoria era perfeita. Depois de Skyfall recuperar elementos icônicos da série com tamanha inteligência, Spectre seria um Bond "clássico", com um nêmesis que é parte de seu legado (Blofeld, criado com esforço por Christoph Waltz), cenários grandiosos (com direito a "base do vilão" extravagante), traquitanas tecnológicas e um insuspeito senso de humor. Mesmo assim, o filme, mais uma vez com Mendes na direção, não colou. O roteiro de Purvis e Wade, com um polimento de John Logan, falhou em criar uma narrativa ou conflitos interessantes. Não bateu 1 bilhão (mas ainda faturou respeitáveis 880 milhões), não incendiou as plateias e saiu dos cinemas como um filme cansado, com todos os envolvidos dizendo que estavam meio que cansados de James Bond – inclusive Daniel Craig. Trazer o astro de volta, assinando também como produtor e com um salário de graúdos 25 milhões de dólares, foi uma vitória pessoal de Wilson e Broccoli. Bond 25 precisa, mais do que qualquer Bond, ser um triunfo avassalador.

Até porque a concorrência não é modesta. E nem falo de Jason Bourne, que protagonizou uma trilogia perfeita e voltou num quarto filme flácido. Mas quando temos algo do calibre de Missão: Impossível – Efeito Fallout nas ruas, entregar uma aventura uma fração menor seria um desserviço para 007. Não foi ao acaso que o nome de Christopher McQuarrie entrou na roda de discussões como um provável substituto para Danny Boyle – a boa notícia é que, mesmo com sua saída, os produtores não parecem estar atrás de um operário, e sim de um autor. Os primeiros nomes ventilados para a aventura, antes ainda do envolvimento de Boyle, eram Denis Villeneuve (que está levemente ocupado recriando o universo de Duna) e David Mackenzie (o genial responsável por A Qualquer Custo, atualmente desenvolvendo a série de TV Gemstone). Yann Demange, que fez o drama ainda inédito White Boy Rick, com Matthew McConaughey, parece ser a opção mais viável. Mas será que seu nome tem a tração que James Bond precisa?

Danny Boyle dirigiu Craig (e essa coadjuvante) na abertura da Olimpíada de Londres

 

Enquanto a EON, dona dos direitos do agente 007, lida com o problema mais imediato, a internet faz o que faz melhor: especular. Muitos adorariam ver um autor como Christopher Nolan mostrando como seria Bond em suas mãos – mas será que não tivemos algo bem parecido em A Origem? Kathryn Bigelow, vencedora do Oscar por Guerra ao Terror, entende de ação e entende mais ainda dos demônios interiores que conduzem homens expostos a situações extremas. Seria uma boa colocar uma mulher no comando, e seria melhor ainda alguém com o peso de Kathryn. Joe Wright (Desejo e Reparação) seria uma escolha bastante… britânica. Mas boa parte de seus filmes, apesar dos momentos brilhantes, carecem de um certo toque autoral, o que nos deixaria com um operário com pedigree. Quentin Tarantino? Paul Greengrass? Takashi Miike???

Embora o momento peça cautela, eu iria com uma opção radical, totalmente fora da caixinha. Como James Wan, que sabe como tratar um blockbuster e não lhe deixa ser personalidade. Ou Alfonso Cuarón, dando ao mexicano total liberdade para interpretar Bond como achar melhor. Ou ainda os irmãos Anthony e Joe Russo – ou será que comandar uma operação militar do tamanho de Vingadores: Guerra Infinita não é credencial o bastante? No momento em que fãs já discutem quem vai assumir o papel de Bond num mundo pós-Craig, é importante tratar sua despedida com o respeito que merece. Afinal, 007, um "dinossauro misógino" num mundo cada vez mais diverso, precisa encontrar sua nova voz, seja com um ator negro (o incrível Idris Elba infelizmente já se retirou da corrida), seja com uma mulher (honestamente, não existe ideia mais cretina do que escalar uma mulher para o papel de Bond), seja com alguém com peso e talento para não deixar cair a bola colocada tão no alto por Craig. Quando conversei com o astro em Londres, pouco antes do lançamento de Spectre, ele sugeriu um interesse em trabalhar atrás das câmeras como forma de equilibrar seu trabalho como ator. Daniel Craig estreando como diretor em Bond 25? Essa eu jogo e saio correndo….

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.