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Incoerente e entediante, O Quebra-Nozes traz apuro visual... e só

Roberto Sadovski

02/11/2018 02h49

Em teoria, O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos seria uma adição emocionante e de grande longevidade para os filmes que celebram o Natal. É a soma de um conto de fadas clássico com o acompanhamento musical das composições centenárias de Tchaikovsky, tudo embalado com o selo Disney. A prática, porém, é uma decepção. O filme de Lasse Hallström, que tem Joe Johnston creditado como co-diretor, é uma aventura sem ritmo, de roteiro incoerente e execução irregular: um verdadeiro Alice no País das Maravilhas preguiçoso, que tenta mimetizar a inventividade de Tim Burton, mas termina como a versão barata de uma história que não tinha fôlego para ser tão esticada.

E o problema já começa com a premissa, que joga para o alto não só o conto publicado por E.T.A. Hoffman em 1816, mas também o balé por ele inspirado, que popularizou a história em todo o mundo. Alguns elementos (o Rei Rato, os brinquedos que tomam vida, o quebra-nozes heroico) são misturados numa nova trama, que tenta ampliar o escopo da história em uma guerra entre reinos mágicos, incluindo criaturas fantásticas, rainhas em lados opostos e uma jovem de nosso mundo, arrastada para essa fantasia como única esperança para encerrar o conflito. Ou seja: é basicamente a Alice de Tim Burton, regurgitada com nova roupagem e menos imaginação. No lugar de Mia Wasikowska, é Mackenzie Foy (Invocação do Mal, Interestelar) quem assume o papel de "escolhida" para derrubar uma tirana.

Clara (Mackenzie Foy) cavalga ao lado do Quebra-Nozes (Jayden Fowora-Knight)

Na Londres vitoriana, ela vive com o pai viúvo e os dois irmãos. Na festa de Natal na mansão de seu padrinho (Morgan Freeman), ela encontra a passagem para um mundo mágico que descobre ser criação de sua mãe, uma inventora brilhante que passou o dom para a filha. Ela é recebida como princesa e toma para si a missão de invadir os domínios da Mãe Ginger (Helen Mirren), banida pelos regentes dos outros três reinos (Eugenio Derbez, Richard E. Grant e Keira Knightley), e recuperar uma chave dourada que pode garantir a paz nesse mundo. O problema é que Mackenzie, apesar de segurar o filme com dignidade, não tem o peso de uma protagonista, e o filme sofre por falta de foco dramático. O roteiro ainda injeta em sua Clara uma personalidade moderna (apesar da pouca idade, ela é independente, tem personalidade e uma mente criativa), mas é pouco para convencer o público de sua vocação para heroína de contos de fadas.

A direção é outro problema. Depois de o filme ser completado por Hallström, a Disney encomendou uma revisão no roteiro e cenas adicionais, que terminaram dirigidas posteriormente por Joe Johnston. A ausência de uma liga criativa impede que O Quebra-Nozes evolua num crescendo, e as cenas terminam um amontoado de momentos com pouca conexão. O maior exemplo é quando é revelada a Clara a origem dos quatro reinos, contada em um balé que serviria para homenagear a história clássica. Mas toda a sequência é enfadonha e conduzida sem nenhuma emoção, o que se repete nas cenas de batalha e no clímax frouxo. O próprio Quebra-Nozes, o novato Jayden Fowora-Knight, é deixado de lado em boa parte do filme, surgindo como coadjuvante e sem contar com um único grande momento para justificar seu papel na trama.

Keira Knightley pirada na batatinha é, de longe, o melhor do filme

O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos pode, sim, funcionar para crianças muito pequenas, que devem se encantar com o visual belíssimo (a produção caprichou no esmero e nos detalhes) e com os brinquedos que, em certo momento, tomam vida e formam um exército. Mas é um desperdício ver uma história tão bonita, embalada por temas musicais reconhecíveis que pousam suavemente nos ouvidos, ser tratada com uma fórmula que já era velha quando (mais uma vez) Tim Burton reimaginou Alice no País das Maravilhas – que nem era tão incrível em primeiro lugar. Se existe um único motivo para dar uma chance ao filme é Keira Knightley. No papel da Fada Plum (ou Fada do Açúcar na história clássica), ela entende que não está no papel de uma pessoa complexa e profunda, e sim de um conceito, e abraça a personagem com uma energia maníaca que não seria estranha em Nicolas Cage ou Johnny Depp. O Quebra-Nozes só sugere a fábula atemporal que poderia ser quando ela está em cena.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.