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Com Netflix, Cavaleiros do Zodíaco finalmente pode ser uma série boa

Roberto Sadovski

01/12/2018 04h26

A Netflix tem investido pesado em produtos da Terra do Sol Nascente. A obra-prima Evangelion fará parte do cardápio da plataforma de streaming ano que vem. Cowboy Bebop, um dos maiores animes de todos os tempos, esquenta as turbinas para ser relançado como uma série live action de dez episódios. Ultraman, mesmo com a repaginada que o deixou com cara de Homem de Ferro, ainda é, bom, Ultraman! Apesar da qualidade nem sempre em sintonia com os animes originais, Fullmetal Alchemist e Death Note fizeram barulho. O que faz da notícia de um revival de Os Cavaleiros do Zodíaco ainda mais impressionante. Porque, tirando fãs brasileiros, ninguém dá a mínima para Os Cavaleiros do Zodíaco. Uma busca rapidinha nas interwebs por listas de "melhores animes de todos os tempos" mostra o quanto a saga de Pégasus e sua trupe não fez marola. Eu mesmo resumi a coisa quando falei do longa em animação digital lançado em 2014: "É uma série histérica, mal amarrada, com péssimos personagens e animação de quinta".

Mas existe o outro lado, que é o único que me anima nessa história toda. Apostar na nostalgia e recriar um conceito medíocre já funcionou para outras séries animadas da Netflix, como foi o caso de She-Ra, que usou o desenho boboca dos anos 80 como base para uma animação moderna, divertida e em sintonia com o mundo. No caso de Os Cavaleiros do Zodíaco, é mesmo a oportunidade perfeita para pegar a ideia, jogar fora todo o conteúdo e recomeçar do zero com o conceito básico: moleques ganham poderes baseados em constelações e usam suas habilidades para defender uma nova encarnação da deusa grega Atena contra outros deuses do Olimpo dispostos a dominar a Terra. Bacana, não? Bom, só em teoria. Na prática, a ideia foi serializada entre 1986 e 1990 como mangá por seu criador Masami Kurumada, posteriormente se tornando um dos animes mais preguiçosos de todos os tempos, com um plot arrastado e narrativa absolutamente confusa. Fez sucesso, claro, já que Kurumada foi esperto e licenciou a marca para uma avalanche de produtos. Nos anos 80 vendeu dezenas de milhões de mangás, com seu design inspirando uma legião de artistas que, anos depois, reciclaram algumas ideias para séries como Mobile Suit Gundan Wing e Bleach. Mas não passou de um suspiro na cultura pop mundial. Mesmo no Japão, uma votação conduzida pela rede NHK colocou Os Cavaleiros do Zodíaco como a 123ª série mais popular do país.

Os Cavaleiros, cafonas ao cubo

No Brasil, a história foi outra. Lançado como parte da programação da defunta TV Manchete, Os Cavaleiros do Zodíaco aproveitou um vácuo entre lançamentos de animes no Brasil e virou um fenômeno gigantesco. Na segunda metade dos anos 90, sua popularidade alavancou uma legião de seguidores e fez a festa no mercado editorial brasileiro. Quanto mais publicações lotavam as bancas, mais os entusiastas pelas aventuras de Seiya, Shiryu e cia. abriam a carteira para consumir cada pedacinho da marca. Mesmo quando Pokémon e Dragon Ball dominaram o mundo já na virada do século, os brasileiros perpetuaram sua paixão por Cavaleiros, onipresentes em eventos de cultura pop. Mas só mesmo um devoto muito fervoroso aplaude a maçaroca narrativa da coisa toda, que basicamente existe como desculpa para vilões adultos sentarem o braço em heróis adolescentes. Consegui me manter bem longe de Os Cavaleiros do Zodíaco por anos a fio, e só relembrei o quanto o conceito é vazio ao ver a animação em CGI de 2014. Curiosamente, esse revival, ao lado das outras novidades na Netflix, deixa a plataforma como uma mistura de tardes da TV Manchete, Xou da Xuxa e Cartoon Network do começo do século.

Esse reboot anunciado pela Netflix, que por sinal deve ser lançado no miolo do ano que vem, condensa a história original de Kurumada em doze episódios animados. Pode ser uma boa. Com economia de texto, o roteirista Eugene Son, veterano de shows como Ultimate Spider-Man, Avengers Assemble e Ben 10: Omniverse, tem espaço para enxugar o excesso de referências inúteis e se concentrar na caracterização dos protagonistas e em sua interação. Num mundo perfeito, Os Cavaleiros do Zodíaco versão 2019 teria semelhança meramente passageira com o material original, escolhendo mais profundidade na mitologia grega e em seu ciclo de deuses e heróis, equilibrando a jornada do herói com cenas de ação que, espera-se, não sejam repetitivas e derivativas. She-Ra e as Princesas do Poder é, mais uma vez, o melhor exemplo de como uma reimaginação pode superar o material original a passos largos: é a história que vem em primeiro lugar, sempre. Uma coisa o gigante do streaming pode ter certeza: o sucesso em nosso país tropical é praticamente garantido, já que o visual da animação, alardeado como uma evolução em sua divulgação, é o mesmíssimo de sempre, sem um traço fora do lugar. Ou seja, parece velho, datado, cafona e desinteressante. Sucesso…. garantido?

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.