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Emily Blunt brilha, mas falta magia ao novo O Retorno de Mary Poppins

Roberto Sadovski

20/12/2018 05h05

Emily Blunt is Mary Poppins in Disney's MARY POPPINS RETURNS, a sequel to the 1964 MARY POPPINS, which takes audiences on an entirely new adventures with the practically perfect nanny and the Banks family.

O Retorno de Mary Poppins é uma máquina. Continuação extremamente tardia, que chega aos cinemas pouco mais de cinco décadas depois do filme original, a nova fábula tem pretensões quase inatingíveis. Afinal, quando Julie Andrews materializou a criação literária de P.L. Travers em 1964, ela também protagonizou o protótipo perfeito do "filme da Disney". Com supervisão do próprio Walt, Mary Poppins solidificou a mistura de aventura lúdica, escapismo familiar, musical grudento e animação clássica sobre a qual o selo do estúdio do Mickey dominou a cultura pop moderna. Bolar uma sequência, tantos e tantos anos depois, seria arriscar uma caminhada entre a homenagem sincera e o produto "seguro", desenhado para lembrar por que o mundo se apaixonou pela história em primeiro lugar.

O diretor Rob Marshall (Chicago, Caminhos da Floresta) termina vítima não de sua ambição, mas de sua reverência pelo original. Ao adaptar um punhado de outros textos de P.L. Travers (que nunca gostou da versão original em primeiro lugar) em um novo filme, ele arrumou as engrenagens com precisão cirúrgica, equilibrando números musicais e animação vintage com um roteiro que exalta valores familiares, executado por um elenco imerso em sua responsabilidade de dar sequência a um clássico absoluto. Funciona, mas existe um custo. Sim, O Retorno de Mary Poppins é lindo, as canções são doces e alegres, é quase impossível não gostar do conjunto. Mas é aí que Marshall peca: por mais que o novo filme queira reproduzir a magia capturada pelo diretor Robert Stevenson há cinquenta anos, ele nunca será aquele Mary Poppins. A vontade de acertar nas mesmas notas que elevaram o original à condição de clássico impede que este Retorno encontre sua própria voz. O resultado é um filme sempre correto, mas sem imaginação. Faltou aquela colher cheia de açúcar.

Jane (Emily Mortimer), Michael (Ben Whishaw), John (Nathanael Saleh) and Georgie (Joel Dawson) greet Mary Poppins (Emily Blunt) upon her return to the Banks' home in Disney's original musical MARY POPPINS RETURNS, a sequel to the 1964 MARY POPPINS which takes audiences on an entirely new adventure with the practically perfect nanny and the Banks family..

Jane (Emily Mortimer) e Michael (Ben Wishaw) Banks reencontram, adultos, Mary Poppins

Uma coisa, entretanto, O Retorno de Mary Poppins acerta em cheio e com louvor: a escolha de sua protagonista. Assumir um papel tão icônico exige fibra, e defendê-lo sob a sombra de Julie Andrews torna a tarefa quase impossível. Ainda assim, Emily Blunt surge simplesmente perfeita, mantendo intacta a vaidade e a língua veloz da babá imortal, adicionando também sua personalidade à mistura. O resultado é uma interpretação charmosa e leve como uma pluma, com um olhar e um sorriso que imediatamente fazem com que cada ação de Mary, por mais absurda, seja completamente verossímil. É nas costas de Blunt que o filme encontra seus melhores momentos, logo na primeira cena com o elenco infantil, um banho que se torna uma aventura, até a sequência sublime quando Poppins, o acendedor de lâmpadas Jack e os pequenos irmãos Banks entram num delírio musical povoado por animais falantes e cenários resplandecentes, tudo executado em uma mistura de atores reais e animação 2D ao estilo vibrante do melhor da Disney dos anos 60.

Os irmãos Banks, claro, são mais uma vez o centro da trama. Duas décadas depois dos acontecimentos do primeiro filme, Michael (Ben Wishaw) é agora um viúvo recente que precisa cuidar de seus três filhos pequenos. Sua irmã Jane (Emily Mortimer) é uma sindicalista que, em meio à Grande Depressão experimentada na Londres dos anos 30, mantém o otimismo no sorriso. Mas o banco ameaça tomar a casa da família caso Michael não honre um empréstimo cabeludo, e é nessa turbulência que Mary Poppins volta para tentar recolocar a família no prumo. Ela logo estabelece uma conexão com Jack (o dramaturgo e músico Lin-Manuel Miranda) e aproxima-se das crianças: os gêmeos John (Nathanael Saleh) e Annabel (Pixie Davies), e o caçula Georgie (Joel Dawson), nome que eu eternamente vou associar com o palhaço diabólico de It

Mary Poppins e Jack (Lin-Manuel Miranda) na sequencia mais sublime do filme

A trama, embora redonda, não traz o impacto da história do filme original: em 1964, a missão de Mary era reconectar Michael e Jane Banks com seu pai, um banqueiro que havia se tornado distante da família; agora, a história ficou desnecessariamente complicada, envolvendo a busca por títulos de ações perdidos e um banqueiro malvado (Colin Firth) que, além de ter zero motivação para agir com a ganância desmedida empurrada pelo roteiro, termina tão unidimensional que o ator só falta torcer a ponta do bigode. A estrutura construída em atos separados por números musicais aproxima o novo filme do espírito de seu antecessor, mas a natureza pouco atraente das novas canções faz com que, não raro, O Retorno de Mary Poppins cometa o pior dos pecados para uma aventura com o selo Disney: à exceção do recorte animado, ele se torna enfadonho com sequências longas demais e confusas demais, embaladas por músicas nada memoráveis.

Sempre que o filme ameaça descambar para a paródia, porém, Emily Blunt consegue corrigir o rumo. A atriz teve um grande ano, em especial na parceria com o marido, John Krasinski, no terror Um Lugar Silencioso. Escolhida a dedo por Rob Marshall, com quem havia trabalhado em Caminhos da Floresta, ela evitou espelhar o trabalho de Julie Andrews e fez de sua Mary Poppins uma personagem ligeiramente mais ácida, com uma dose equilibrada de ironia, mantendo com sucesso todo o ar de mistério sobre sua verdadeira natureza. Em uma época em que a cultura pop teima em desconstruir seus ícones, é louvável encontrar em O Retorno de Mary Poppins o respeito pelo espírito de sua protagonista, e o caráter lúdico de suas histórias. É em Emily Blunt, e unicamente nela, que o novo filme consegue encontrar uma fagulha da boa e velha magia capaz de criar um clássico.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.