Topo

Como BumbleBee reinventou - e melhorou! - os Transformers no cinema

Roberto Sadovski

25/12/2018 04h41

O diretor Travis Knight confessou que, décadas antes de assumir o comando de BumbleBee, já havia contado inúmeras histórias dos Transformers: não com uma câmera, mas com brinquedos e imaginação. Como parte de uma geração exposta com uma dose cavalar de cultura pop nos anos 80, Knight teve os Transformers como companheiros de aventuras desde criança. Para materializar seu filme, portanto, ele não buscou conceitos complexos ou tramas mirabolantes. Foi, sim, encontrar inspiração em tudo que o atraiu na série de brinquedos em primeiro lugar. Não na "mitologia" desdobrada na série animada e nas histórias em quadrinhos, e sim no encanto de descobrir uma raça de robôs inteligentes escondidos embaixo de nosso nariz como carros e aviões. E nada poderia ser mais legal do que isso!

O curioso é que Transformers, a série, levou quase uma década e cinco filmes para entender a simplicidade de seu conceito. Mas vamos ser justos: o primeiro filme, de 2007, é um pedaço quase perfeito de entretenimento, justamente por usar o personagem de Shia LaBeouf como nosso avatar em uma jornada de descobrimento desse novo mundo, em que tudo parecia possível. Claramente o dedo do produtor Steven Spielberg, o homem que praticamente inventou a fantasia dos anos 80 no cinema, ajuda a conduzir a direção de Michael Bay ao equilibrar ação desenfreada e emoção genuína. A partir do segundo filme, entretanto, a coisa foi ladeira abaixo. A Vingança dos Derrotados, O Lado Oculto da Lua, Era da Extinção e O Último Cavaleiro trocaram a fantasia dos robôs defensores da humanidade por roteiros cada vez mais confusos, com origens cósmicas complicadas, personagens com zero carisma e cenas de ação em que era praticamente impossível entender o que acontecia em cena.

Os Decepticons da gloriosa primeira geração!

O público cansou, e o último filme foi recebido com frieza glacial em todo o mundo – honestamente, depois da primeira aventura, eu não consigo lembrar qual linha narrativa pertence a qual. Isso tem explicação, claro. Michael Bay é, sem dúvida, um diretor habilidoso. Ele sabe conduzir um filme, sabe contar uma história e tem personalidade de sobra para deixar sua marca. Mas sua sensibilidade militarista e seus exageros pirotécnicos parecem fora de eixo com a simplicidade do conceito dos Transformers. Sua ideia segue uma linha muito pesada para o que é, no fim das contas, a adaptação de um desenho animado infantil dos anos 80. Salvar o mundo ao lado de veículos que se transformam em robôs tinha de ser, convenhamos, divertido!

BumbleBee tinha, então, a missão quase impossível de convencer não só os fãs, mas também o resto do mundo, que os Transformers podiam recuperar não só a diversão, mas também o deslumbramento de seu conceito original. Para isso, colocar Travis Knight na cadeira de diretor foi uma decisão genial: ele trabalhou como animador em pérolas como Coraline, ParaNorman e Os Boxtrolls, e sua estréia como diretor, Kubo e as Cordas Mágicas, equilibra personagens bem definidos, design ao mesmo tempo belíssimo e funcional e uma mistura de doçura, emoção e adrenalina. São qualidades que ele traz para BumbleBee, e é surpreendente que os produtores tenham concordado com uma guinada tão radical. Enquanto os outros Transformers traziam uma mistura exagerada, inchada, histérica e cansativa, essa reinvenção aposta na leveza, no encantamento e na não-violência.

Nosso herói amarelo entra em modo de combate

Até porque, quando finalmente robôs se enfrentam em BumbleBee, a ação se concentra no terceiro ato, na parte obrigatória do texto para se conectar com os outros filmes. O naco mais significante do roteiro de Christina Hodson (que está trabalhando para a DC em Aves de Rapina e em Batgirl) concentra-se na jornada de Charlie (Hailee Steinfeld), adolescente que acaba de completar seus 18 anos, e que precisa lidar com sua família emocionalmente distante (mãe, padrasto e irmão caçula) e também com a ausência do pai, morto alguns anos antes. Quando BumbleBee, agora metamorfoseado em um fusca, entra em sua vida, Knight conduz o roteiro como o encontro de dois personagens danificados que, à sua maneira, ajudam um ao outro a retomar seu rumo. Não existe aqui a correria esbaforida de Shian LaBeouf no primeiro Transformers, em que a descoberta de um robô capaz de mudar de forma não é recebida com encanto, e sim com terror. Essa conexão aqui faz toda a diferença, e mostra o quanto Hailee é uma atriz de primeira: o laço que ela estabelece com o alien metálico em sua garagem é real porque ele tem o lastro de emoções humanas genuínas.

Não que BumbleBee seja um drama adolescente em que Ansel Elgorth é substituído por um fusca vintage. Cada pedaço do filme de Knight é uma homenagem aos brinquedos que o acompanharam na infância. A sequência de abertura, ambientada no planeta Cybertron, é de tirar o fôlego, em especial porque ele optou por usar o design da primeira geração de transformers. Ou seja, Optimus Prime não parece um colosso de bordas pontiagudas, e sim um robô robusto, quase uma tradução do visual da animação para o mundo hiperrealista digital do cinema moderno. Os outros Autobots e Decepticons trazem o mesmo cuidado – e a mesma carga emocional para os fãs que, por quase 10 anos, pediram para ver no cinema os personagens que eles traziam da infância. Esse conflito de facções é a espinha dorsal da trama: ao fugir de Cybertron, BumbleBee termina na Terra, com a missão de proteger o planeta e impedir sua conquista pelos robôs do mal. Ele enfrenta Blitzwing e, mesmo vitorioso, termina danificado e assume a forma do fusca para se reparar e proteger-se.

Hailee Steinfeld e BumbleBee: emoção é o nome do jogo

Menos personagens também beneficiam a fluidez de BumbleBee, já que Travis Knight e Christina Hodson podem se concentrar em sua dupla de protagonistas para conduzir a história, com os outros elementos inseridos para trazer  conflito e ação. Existe, claro, a história em que o guerreiro solitário precisa da ajuda de sua amiga humana para descobrir e impedir os planos dos decepticons Shatter e Dropkick em enviar um sinal e trazer outros vilões para a Terra. Existe o exército americano, representado pelo militar interpretado por John Cena, aliando-se com os transformers errados. E existe o herói relutante que aos poucos descobre seu verdadeiro propósito – descrição que pode ser aplicada tanto à BumbleBee quanto à Charlie. Quando o filme abraça sua herança de aventura de ficção científica, as cenas de ação são de uma clareza revigorante.

O grande acerto, porém, é mesmo a escolha de Hailee Steinfeld. Seu relacionamento com o que basicamente é uma animação digital, traduzindo precisão técnica em emoção genuína, traz a fagulha de humanidade ausente até então da série. Afinal, Transformers é menos sobre robôs se arrebentando e mais sobre o prazer da descoberta – da protagonista, que encontra a força em sua próprias história e, do lado de cá, das crianças que aprenderam a soltar sua imaginação tecendo aventuras com robôs de brinquedo capazes de se transformar em novos brinquedos. Assim como o novo Jumanji, BumbleBee é um filme para ver em família, uma experiência bacana e apropriada para um mundo que se mostra tão sombrio. Os anos 80 não eram melhores ou piores que o novo milênio. Mas talvez a humanidade fosse menos cínica. E a fantasia, mais descompromissada. Se fosse lançado em 1987, ano em que sua ação se desenrola, BumbleBee estaria em perfeita sintonia com o mundo. Antes tarde do que nunca.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.