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Com 10 indicações para Roma, Academia encara Netflix como cinema de verdade

Roberto Sadovski

22/01/2019 13h24

A Netflix já teve indicações ao Oscar antes. Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi concorreu a quatro estatuetas ano passado. O documentário Icarus foi o vencedor na mesma cerimônia. Mas foi com Roma, que entra na disputa em dez categorias, que a Academia apagou de vez a linha imaginária que separa as produções de streaming dos filmes para o cinema. Em nenhum momento o filme de Alfonso Cuarón foi encarado como ponto fora da curva, ou como uma anomalia. Para o Oscar, é cinema. Ponto final. Com isso, a Academia corroborou a maior mudança que o entretenimento experimentou nos últimos anos: lugar de filme, veja só, pode ser também em casa.

É um salto gigante para a Netflix, e mais combustível para a disputa do gigante de streaming com exibidores em todo o mundo. Alguns países, como Itália e França, continuam virando as costas para os filmes com o selo da plataforma, numa tentativa de manter a "pureza" do cinema – na prática, de manter o cinema como negócio funcionando. A Netflix também patina em sua relação com alguns dos maiores festivais de cinema do mundo, enfrentando acusações de se beneficiar da publicidade dos eventos, dando de ombros para os exibidores que poderiam ver sua receita esvaziar. As indicações do Oscar para Roma mudam o cenário, já que apontam que a indústria escolheu seu lado – e esse é o lado da excelência, não importa quem paga a conta.

Alfonso Cuarón dirige Yalitza Aparicio em Roma

Até porque tudo não passa de uma não-polêmica. O próprio Cuarón, ao receber o seu Globo de Ouro como melhor diretor, disse que o lançamento pela Netflix ajudou a todo mundo. Seu filme foi lançado nos cinemas em circuito reduzidíssimo para cumprir as regras da Academia, claro. Mesmo depois de sua estréia em streaming, porém, continua forte em cartaz no circuito independente americano – e em todo o mundo. No Brasil, Roma foi exibido em uma janela especial em duas salas Kinoplex, em São Paulo e no Rio, e já teve sessões em Fortaleza, Porto Alegre, Recife e Teresina. "É um filme falado em língua estrangeiro, em preto e branco e sem atores conhecidos", disse Cuarón, Globo de Ouro em mãos. "Com o apoio da Netflix ele está sendo visto por um público muito maior do que se eu optasse por uma distribuição convencional."

No Oscar, Roma chega disparado como o favorito, com indicações para melhor filme, direção, roteiro original e fotografia, além do reconhecimento para suas atrizes (Yalitza Aparicio e Marina de Tavira) e também como filme estrangeiro – primeira vez que isso acontece desde Amor. Claro que a festa da Academia deste ano é uma incógnita, com os holofotes igualmente voltados para Green Book – O Guia, que venceu o Producers Guild, grande termômetro para o Oscar, mas que não teve o diretor Peter Farrelly indicado. Entre os diretores ignorados também está Bradley Cooper, reconhecido com uma indicação como ator com seu Nasce Uma Estrela, que concorre a oito estatuetas (e deve levar uma só, a de melhor canção). Já Vice tem Christian Bale como favorito para melhor ator, mas não deve fazer barulho em outras categorias.

Emma Stone e Olivia Colman em A Favorita

O grande concorrente de Roma é, afinal, A Favorita, uma farsa histórica disfarçada de drama de época conduzida com perfeição por Yorgos Lanthimos que também chega à festa com dez indicações – mas que só pode, na prática, levar nove, já que tem duas indicadas na mesma categoria: Emma Stone e Rachel Weisz, ambas concorrendo como melhor atriz coadjuvante (prêmio que deve ir para Regina King, por Se a Rua Beale Falasse). Em um mundo perfeito, o Oscar de melhor atriz já seria de Olivia Colman, que despiu-se por completo de ego para interpretar a rainha Anne da Inglaterra no começo do século 18 – sua única concorrente real, por mais que fãs iludidos de Lady Gaga esperneiem, é Glenn Close por A Esposa.

Entre as surpresas do Oscar 2019, mais louros para a Netflix, que viu A Balada de Buster Scruggs ser indicado em três categorias (melhor canção, melhor figurino e melhor roteiro adaptado para os irmãos Joel e Ethan Coen); as indicações para melhor direção e fotografia para o drama Guerra Fria, que concorre como melhor filme estrangeiro; e Bohemian Rhapsody, que descolou uma indicação a melhor filme (entre outras quatro) pela força de seus 800 milhões de dólares nas bilheterias. Spike Lee ganhou sua primeira indicação como melhor diretor – o que a Academia lhe devia desde Faça a Coisa Certa, de 1990. E Pantera Negra fez história como a primeira aventura de super-heróis indicada a melhor filme (e outras seis estatuetas) – neste século, Homem-Aranha 2, Batman – O Cavaleiro das Trevas e Esquadrão Suicida foram os únicos filmes de super-heróis a receber prêmios da Academia. Vingadores: Guerra Infinita garantiu uma única indicação por seus efeitos visuais. Ao menos uma vitória é certa para a Marvel: Homem-Aranha no Aranhaverso deve ser consagrado como melhor animação. Do contrário, é marmelada!

Trailer de "Roma"

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.