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Símbolo de girl power, é Brie Larson quem comanda o show em Capitã Marvel

Roberto Sadovski

05/03/2019 11h00

Marvel Studios' CAPTAIN MARVEL..Captain Marvel (Brie Larson) ..Photo: Film Frame..©Marvel Studios 2019

Capitã Marvel estreia com a responsabilidade de ser a primeira aventura do estúdio ancorada por uma super-heroína – o que, em uma época em que o entretenimento busca, com razão, apresentar mais diversidade, é um bônus que carrega mais peso. A reação dos ignorantes online de sempre, apedrejando o filme semanas antes de sua estreia, mostra a urgência em insistir nesse assunto até o dia em que representatividade for tão natural quanto respirar. Existe, portanto, a pressão dos holofotes, semelhante ao microscópio que seguiu a estreia de Mulher-Maravilha. Não poderiam, claro, ser projetos mais diferentes: se a heroína da DC traduziu-se em um filme de guerra de escopo épico, Capitã Marvel é assumidamente uma ficção científica que abraça não só suas origens nas HQs como também cumpre sua função como peça na tapeçaria do Universo Cinematográfico Marvel. Ainda assim, é um filme de poréns.

O maior deles, de cara, é o quanto o projeto está aninhado na zona de conforto da Marvel. É possível achar espaço para ousar mesmo em um "filme de origem", como vimos no psicodelismo de Doutor Estranho ou do humor desavergonhado de Homem-Formiga. Não existe, no trabalho dos diretores Anna Boden e Ryan Fleck, uma assinatura forte como a de James Gunn ou dos irmãos Russo. Não que seja um pecado: Jon Watts não mostra personalidade no comando de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, e o filme é um arraso. Mas a Capitã Marvel, justamente por ser uma personagem 100 por cento desconhecida do "grande público", poderia se soltar das amarras de sua mídia de origem sem maiores prejuízos. Eu sei, papo de crítico. No fim, o grande diferencial da aventura é mudar o foco "tradicional" dos salvadores da pátria no MCU para uma heroína que surge como a mais poderosa entre seus pares. É um mérito que Brie Larson pode assumir sem nenhum receio.

Marvel Studios' CAPTAIN MARVEL..L to R: Captain Marvel (Brie Larson) and Nick Fury (Samuel L. Jackson) ..Photo: Film Frame..©Marvel Studios 2019

Amigos do peito: Carol e Fury direto do túnel do tempo

É mais um caso de personagem que casa perfeitamente com sua intérprete. Vencedora do Oscar por O Quarto de Jack, e veterana do showbiz desde criança, Brie entendeu o tamanho da oportunidade – e da responsabilidade – atrelados ao projeto e ampliou seu alcance para além de um simples filme. Se já é fácil gostar de personagens que peitam as autoridades – especialmente nos dias de hoje -, a atriz trabalhou pesado para que a Capitã Marvel não fosse apenas uma figura colorida, mas um símbolo de virtude e empoderamento, alguém que pudesse inspirar uma geração de garotas que muitas vezes não encontram no cinema alguém em quem se espelhar. Com o jeitão camarada de Brie, engajada e envolvida em ações para promover um ambiente de trabalho – e de vida – mais igualitário, a tarefa de entender e de abraçar o que a personagem simboliza fora das fronteiras do MCU fica fácil.

Tanto ativismo do lado de cá não valeria muita coisa se Capitã Marvel fosse uma perda de tempo. Não é. Apesar de seguir a cartilha da jornada do herói sem grandes arroubos criativos, a aventura é envolvente e muito divertida, colocando no mesmo balaio uma heroína em busca de sua identidade, invasão alienígena, um macguffin que termina sendo familiar aos fãs da Marvel no cinema e um apelo nostálgico irresistível. Explico: como o filme se passa em 1995, a direção de arte, o figurino e a trilha sonora terminam como uma viagem no tempo divertida e inesperada. Poucos filmes do estúdio – talvez só os dois Guardiões da Galáxia – usam sua trilha sonora como parte da narrativa de forma tão orgânica e envolvente. Se você ficou feliz quando o grunge recuperou, mesmo que brevemente, o protagonista do rock na cultura pop, Capitã Marvel já marca ainda mais brownie points.

Marvel Studios' CAPTAIN MARVEL..Talos (Ben Mendelsohn) ..Photo: Chuck Zlotnick..©Marvel Studios 2019

Ben Mendelsohn está aí embaixo da maquiagem de Skrull

A trama começa com a tropa de elite do planeta Kree, a Starforce, em seu esforço para conter a expansão de um império inimigo, os Skrulls, pela galáxia. A novata na equipe é Vers (Larson), que só tem memória dos últimos seis anos, os quais treinou sob a mão forte do comandante interpretado por Jude Law. A última incursão dos Skrulls se revela uma cilada: eles buscam algo perdido nas memórias apagadas de Vers, e sua captura e subsequente fuga termina por trazer a todos para a Terra. É aqui que a soldado vai descobrir a verdade sobre seu passado, como ela passou da piloto Carol Danvers à usina de energia Capitã Marvel, ao mesmo tempo em que revela a chave para seu futuro. Como filme de origem, Capitã Marvel é redondinho, ligando os pontos e criando uma trama bem amarrada para emoldurar a jornada de sua protagonista. Mas a aventura comandada por Boden e Fleck ainda tem um trunfo, e ele atende por Samuel L. Jackson.

A essa altura, o astro já é a cola que une todo o Universo Cinematográfico Marvel, desde sua ponta ao final de Homem de Ferro, sugerindo que Tony Stark não era "o único super-herói do mundo", até o final de Vingadores: Guerra Infinita, quando ele manda o sinal de socorro justamente para Carol Danvers. Em Capitã Marvel, por outro lado, Jackson encontra um inusitado senso de humor em seu Nick Fury, que termina como parceiro perfeito da mulher que caiu na Terra. Como o filme é ambientado em 1995, é impressionante a tecnologia usada para deixar o ator com a cara que ele tinha, por exemplo, no thriller A Negociação. O truque digital é tão sem emendas que rapidinho esquecemos que aquilo é um efeito full time. O bacana é que o filme usa Fury para levantar e esclarecer nossas próprias dúvidas, já que, ainda subindo no escalão da S.H.I.E.L.D., ele faz as perguntas que nós, do lado de cá, trazemos na ponta da língua. Capitã Marvel, por sinal, responde a quase todas. Ah, o gato, Goose, também é um achado – e quem conhece as versões mais recentes da série da heroína nos quadrinhos não deve se surpreender com sua verdadeira natureza.

Marvel Studios' CAPTAIN MARVEL..L to R: Korath (Djimon Hounsou), Att-Lass (Algenis Perez Soto), Carol Danvers/Captain Marvel (Brie Larson), Bron-Char (Rune Temte) and Minn-Erva (Gemma Chan) ..Photo: Film Frame..©Marvel Studios 2019

Vers à frente da Starforce, prontos para tocar o terror

Mas o show ainda é de Brie Larson. Ela supera um filme de tom inconstante e faz relevar, com puro carisma e talento, algumas soluções fáceis que a aventura traz. Como começo de uma nova fase da Marvel no cinema, Capitã Marvel é um ponto de partida decente, um marco zero que é melhor saboreado com o quiz do MCU na ponta da língua, mas que não deve deixar as novas fãs, atraídas principalmente por seu apelo transformativo, boiando. Filmes de gênero com protagonistas memoráveis não são invenção nova – Ellen Ripley e Sarah Connor estão aí com as marcas de quem desbravou caminhos até então insondáveis. Mas é bacana ver a preocupação recente do cinemão com diversidade se concretizar em um filme tão saboroso como Capitã Marvel. Mesmo que os ogros tão refratários às mudanças insistam em querer barrar mudanças no grito. Não conseguirão. Eles são irrelevantes.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.