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O cinema pop nunca mais será o mesmo depois de Vingadores: Ultimato

Roberto Sadovski

23/04/2019 19h00

Nada será o mesmo depois de Vingadores: Ultimato. Calma, deixa eu refazer a frase: não só o universo que a Marvel criou no cinema jamais será o mesmo, como o cinema pop como conhecemos, o entretenimento em grande escala, terá de ser revisto e reescrito. A conclusão do primeiro grande épico do estúdio, executado em mais de uma década e ao longo de 22 filmes, consegue ir além das expectativas mais otimistas. E é uma conclusão, não um fim, já que os irmãos Joe e Anthony Russo expandem o universo, de ontem e de hoje, apontando caminhos novos e surpreendentes – isso sem nunca perder o foco da narrativa que conduz a aventura. Quando precisa emocionar, Ultimato é superlativo; quando se assume como espetáculo, é imbatível. Não só é o melhor filme que a Marvel já produziu como é também um produto perfeito, a tecnologia do cinema a serviço de uma boa história.

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É isso, por sinal, o que faz da Marvel tão bem sucedida. A história é sempre o foco, o resto é perfumaria para criar no cinema os mundos fantásticos retirados das páginas dos quadrinhos. Em teoria, uma engrenagem com tantas peças fatalmente cederia ante o próprio peso. Não aqui. Um dos segredos de Vingadores: Ultimato é concentrar a trama em três personagens. Em meio ao conflito central – nada menos que salvar o mundo -, os irmãos Russo amarram a história em torno dos três vingadores que começaram tudo: Homem de Ferro, Thor e Capitão América. Foram eles os mais afetados pelos eventos de Guerra Infinita, e também foi com eles que começamos essa jornada nos filmes originais do estúdio. Cada um entra no novo filme com um arco dramático distinto, honrando uma década de desenvolvimento, de altos e baixos. Se a jornada de heróis ao longo da história é um caminho de sangue e sacrifício, Vingadores: Ultimato honra essa tradição com respeito e admiração. É um testamento ao talentos dos cineastas que o filme também abra espaço para todo o resto de seu elenco brilhar da mesma forma. Porque, como em toda boa engrenagem, cada peça é fundamental.

Thor ainda carrega a culpa por não impedir as ações de Thanos

O xadrez cósmico é colocado na mesa logo nos primeiros minutos, quando os heróis que sobreviveram ao genocídio imposto pelo titã Thanos lidam com as consequências imediatas da tragédia. Luto logo se transforma em retaliação, e o que parece um triunfo dá lugar à certeza da derrota: as Joias do Infinito, artefatos que possibilitaram as ações do vilão, não existem mais; é impossível reverter suas ações. A trama de Ultimato, portanto, dispara a partir de um lugar ainda mais desolado que o gancho final de Guerra Infinita. O mundo é um lugar sem esperança, que sobrevive à sombra de centenas de milhões de pessoas que viraram poeira. Os Vingadores, uma configuração que agora conta com o poder da Capitã Marvel, patrulham o espaço em busca de pistas que possam apontar alguma esperança. Na Terra, heróis como o Gavião Arqueiro lidam com a perda desligando as emoções e obedecendo a um senso de justiça traduzido em violência. A vida seguiu para Tony Stark. Para Bruce Banner. E, de certa forma, para Steve Rogers. A volta de Scott Lang, o Homem-Formiga, transforma Ultimato em uma aventura de ficção científica formidável, um road movie cósmico que inclusive expande a narrativa de outros filmes do universo Marvel no cinema.

Elaborar em cima do que acontece depois seria estragar o prazer em descobrir os caminhos escolhidos pelos cineastas. Basta dizer que Vingadores: Ultimato reapresenta personagens e situações sob uma nova ótica, uma jornada que aposta em memória afetiva e cenários familiares. O resultado traz uma carga emocional poderosa, o que se mostra a principal matéria prima com a qual os Russo constroem seu filme. Porque a aventura traz uma variedade de emoções dosada desde a primeira cena. Experimentamos perda, pesar e júbilo em um crescendo, tamanho o investimento em personagens desenvolvidos ao longo de uma década. O talentos dos diretores é enxergar, mesmo em meio à pirotecnia e em situações fantásticas, espaço para um pedaço de diálogo, uma troca de olhares, uma ponta de algum personagem nada aleatório que alavanca a narrativa. É bobagem, portanto, observar quem teve mais espaço: do Hulk a Rocket, de Nebulosa ao Máquina de Combate, todos encontram espaço para deixar sua marca. Assim como os outros filmes da Marvel, o texto é o que importa, e tudo obedece a ele. O resto é espetáculo.

Ronin (Jeremy Renner) entra no jogo cósmico ao lado de Tony Stark (Robert Downey Jr.)

E espetáculo é algo que Vingadores: Ultimato tem de sobra! Desde a trilogia O Senhor dos Anéis o cinema pop tenta recapturar uma certa grandiosidade, uma sensação de escala e volume que seja cinética e emocionante na mesma medida. Batalhas épicas, por exemplo, são quase regra no cinemão, e a própria Marvel já criou momentos assim, dos mundos alienígenas na abertura de Thor: O Mundo Sombrio à guerra civil em Pantera Negra, culminando com a inacreditável Batalha de Wakanda em Vingadores: Guerra InfinitaUltimato, por sua vez, extrapola as regras com um capricho técnico cirúrgico, aliado a um senso de espaço que substitui caos visual por coesão narrativa: mesmo em meio aos momentos mais grandiosos, é a interação dos personagens que comanda a ação. A tecnologia é apenas mais uma ferramenta para contar uma história, premissa que Joe e Anthony Russo seguem à risca. Mesmo que seja uma superprodução milionária, visualmente estonteante, eles sabem que nada substitui a empatia pelos personagens.

Essa conexão foi construída ao longo de uma década e pode ser resumida no trio Robert Downey Jr., Chris Hemsworth e Chris Evans. Não é exagero cravar que o crescimento da Marvel está ligado à maturidade destes atores e o desenvolvimento de sua persona dos dois lados da câmera. Isso é especialmente evidente em Downey, que em 2008 passou de ator-problema a maior astro do planeta quando enxergou muito de si em um personagem virtualmente desconhecido, conferindo-lhe parte de sua própria personalidade. Com o apoio do produtor Kevin Feige e do diretor Jon Favreau, ele transformou Tony Stark não só em um dos personagens icônicos do cinema do novo século, como também no pilar sobre o qual o universo da Marvel no cinema seria construído. Sem ele, ator e personagem, o estúdio não teria quebrado as "regras" do cinema de super-heróis, criando uma nova dinâmica ao revelar a identidade secreta de seu protagonista. De certa forma, Vingadores: Ultimato é também sua história de redenção, que chega a um círculo completo ao apontar, também, o futuro de seus companheiros. A conclusão de uma saga, afinal, não significa o fim de um universo. Só lamento por todos os candidatos a blockbuster que despontam no horizonte: a partir de agora, a tarefa de transformar uma sala de cinema em um universo compacto de emoção e entretenimento ficou muito, mas muito mais difícil.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.