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Brightburn: E se o Superman fosse uma criança superpoderosa e assassina?

Roberto Sadovski

26/05/2019 22h38

Em um de meus gibis contemporâneos favoritos, Red Son, o roteirista Mark Millar faz com que o Superman chegue à Terra não no Kansas rural americano, mas na União Soviética comunista. Adulto, torna-se símbolo do partido que domina o planeta sob a mão pesada do regime. É uma história em uma realidade alternativa que, sem as amarras do legado do herói, oferece uma história diferente, mais ousada e nada otimista. Brightburn – Filho das Trevas, poderia ser um gibi assim, mas é provável que a DC preferisse guardar a coisa toda em uma gaveta: o que aconteceria se um visitante de outro planeta chegasse em nosso mundo ainda bebê e, mesmo criado por pais atenciosos, não resistisse às suas origens e se tornasse um psicopata assassino, perverso, amoral e superpoderoso?

A direção pode ser de David Yarovesky, mas Brightburn é uma criação da família Gunn. James, diretor de Guardiões da Galáxia, produziu o roteiro de Brian e Mark, respectivamente seu irmão e seu primo. O humor subversivo e a hiper violência são herança muito mais das origens de James na produtora Troma do que sua ascensão ao Olimpo nerd ao traçar as aventuras dos heróis espaciais da Marvel. Brightburn, por sinal, não pisa no freio ao ir fundo em suas ideias. Tori (Elizabeth Banks) e Kyle (David Denman), um casal de fazendeiros no Kansas (claro…), não podem ter filhos. A resposta às suas preces vem do céu, quando uma espécie de casulo espacial despensa em seu quintal, trazendo nele um bebê. Uma década depois, o garoto, Brandon (defendido muitíssimo bem por Jackson A. Dunn), percebe que existe um motivo para ele não ser igual às outras crianças – e que sua herança cósmica pode ser muito mais sinistra.

Elizabeth Banks e o bebê que veio do céu

O texto brinca de leve com o mito do Superman, mas logo mostra sua personalidade. A cápsula que o trouxe à Terra passa a emanar uma energia que desperta seus poderes, e Brandon descobre ser invulnerável, super forte, capaz de voar e de projetar rajadas de calor pelos olhos. O que ele não tem, entretanto, é o freio moral que conduz o Homem de Aço: ao perceber que seu limite são suas próprias vontades, o garoto se contém unicamente pelo sentimento que ainda nutre por sua mãe, mesmo que o gatilho disparado pela revelação de sua herança pareça mais e mais prevalecer em sua consciência. Yarovesky, por sinal, sequer flerta com qualquer qualidade redentora em sua fantasia super poderosa: em um crescendo, ele cria uma história perversa, sangrenta e sem qualquer resquício de esperança. Brightburn só peca ao não ir além com essa premissa, contendo sua narrativa em uma estrutura similar à de qualquer outros terror estilo slasher. Em um mercado dominado por heróis de fibra moral poderosa, porém, é a alternativa que mostra o pior cenário possível.

De certa forma, o filme deve sua existência justamente à avalanche de cruzados de capa que invadiram os cinemas em um tsunami que já dura mais de uma década – e não demonstra nenhuma desaceleração. Afinal, o diretor e seus comparsas no crime contam com uma plateia suficientemente versada na "jornada do herói" para que essa possa ser desconstruída e subvertida sem maiores explicações. Em um mundo onde Thanos e Ronin agora fazem parte do vocabulário, não é difícil criar uma fábula de terror usando super-heróis como pano de fundo sem precisar se ater a minúcias. Assim, as origens de Brandon não ganham sequer uma explicação rasa ("ah, ele veio do espaço, seu destino é dominar o mundo, beleza"), muito menos sua "kryptonita", revelada de forma esperta no comecinho do segundo ato. Por outro lado, é um filme que a Marvel e a DC sequer sonhariam em colocar nos cinemas. É violento ao extremo (o efeito de golpes superpoderosos no corpo humano não é bonito) e assustador na medida (imagine um psicopata assassino que não pode ser detido por portas,paredes, armas ou amor de mãe). Mas podia ir além na promessa de mostrar um super-herói verdadeiramente maligno descobrindo seu potencial como arma de destruição de massa.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.