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De Monty Python a Don Quixote, um ranking com os filmes de Terry Gilliam

Roberto Sadovski

13/06/2019 07h10

Terry Gilliam é um guerreiro. Décadas depois de começar seu O Homem Que Matou Don Quixote, que talvez tenha experimentado a gestação mais longa e complexa da história do cinema, o cineasta finalmente colocou seu filme nos cinemas. Um processo complicado, mas talvez algo a que o diretor estivesse acostumado desde que começou sua carreira, o único americano entre os britânicos da trupe Monty Python. Ao longo dos anos, Gilliam lapidou um estilo único, criou mundos fantásticos e extravagantes, trabalhou com grandes astros para os maiores estúdios, e suou orçamentos apertados para executar sua visão nem sempre aguçada, mas quase sempre brilhante. Em treze longas, ele deu ao mundo um legado de sonhos, uma explosão criativa que poucas vezes o cinema teve o prazer de arquitetar. É uma viagem, nem sempre satisfatória, mas constantemente surpreendente. E é para isso que servem os filmes, certo?

13. CONTRAPONTO
(Tideland, 2005)

Em seu momento criativo mais confuso, Terry Gilliam usa a jornada de uma jovem para lidar com a morte da mãe após uma overdose como desculpa para uma viagem surreal, em que os cenários inspirados mal cobrem a trama frouxa habitada por personagens desinteressantes. Aos poucos, fica claro que a tentativa do cineasta em recuperar sua verve criativa trabalhando com um orçamento apertado só funcionaria em teoria, e logo todo o filme desmorona ante sua própria arrogância.

12. OS IRMÃOS GRIMM
(The Brothers Grimm, 2005)

THE BROTHERS GRIMM, Matt Damon, Heath Ledger, 2005, (c) Dimension Films

Uma das melhores ideias já desperdiçadas em sua execução, Os Irmãos Grimm coloca Matt Damon e Heath Ledger como os personagens-título, farsantes que criam fantasmas para enganar aldeões ao receber pagamento por afugentar os espectros, que se veem ante a materialização das fábulas mais aterrorizantes. O caos dos bastidores, em que Gilliam teve brigas apocalípticas com os produtores, reflete-se em cena, com a trama perdida em imagens belíssimas sem absolutamente nenhuma conexão emocional. Embora tenha momentos de gênio, é pouco para sustentar este desastre tão elegante.

11. JABBERWOCKY
(1977)

Em seu primeiro filme sozinho na posição de diretor, Gilliam criou uma farsa ambientada na Inglaterra medieval, em que um camponês boboca (Michael Palin) derrota cavaleiros de um monarca decadente e ganha o direito de caçar a criatura do título, um dragão que tem devastado o reino. Falta pulso mais firme para o diretor entregar um produto redondo, mas Jabberwocky traz ecos de sua genialidade, com o uso esperto do orçamento enxuto a soluções visuais quase teatrais em uma combinação absurda de comédia, romance e fantasia.

10. O TEOREMA ZERO
(The Zero Theorem, 2013)

Christoph Waltz é um gênio dos computadores que vive recluso em seus dilemas existenciais. Sua busca para descobrir o sentido da vida esbarra na interferência constante de visitantes indesejados. Alardeado como uma volta à forma de Gilliam, O Teorema Zero é o melhor exemplo de como suas ideias podem se perder em meio a um roteiro confuso, mais preocupado com "grandes sacadas" do que com uma história coesa. Fãs mais radicais do diretor podem encontrar aqui fagulhas da criatividade que marcou seus trabalhos mais festejados, mas por fim é uma bagunça que nunca encontra o equilíbrio entre farsa distópica e reflexão intimista.

9. O HOMEM QUE MATOU DON QUIXOTE
(The Man Who Killed Don Quixote, 2018)

É um milagre que Terry Gilliam tenha finalmente rodado este O Homem Que Matou Don Quixote, e uma revelação ainda maior que o resultado seja um filme redondo, estranhamente melancólico, absolutamente original. O texto de Cervantes abre espaço para uma reflexão sobre o papel da arte e dos artistas, e a linha tênue entre sanidade e loucura necessária para construir mundos de mentira. Imagino o pesadelo que tenha sido reescrever constantemente o roteiro, adequando-se ao orçamento que pingava em suas mãos e à constante troca de elenco – por fim, Adam Driver e Jonathan Pryce encantam como um diretor de publicidade em crise e um sujeito que acredita ser o mítico Don Quixote. O filme exibe o melhor de Gilliam e, infelizmente, também o seu pior, com a trama prestes a desmoronar depois de uma primeira hora sólida. Mas qual foi a última vez em que você foi ao cinema e mergulhou nos delírios de um gênio?

8. O MUNDO IMAGINÁRIO DO DR. PARNASSUS
(The Imaginarium of Doctor Parnassus, 2009)

Se existe um tom trágico constante na obra de Gilliam, Dr. Parnassus foi o momento em que ele se tornou real. Foi durante as filmagens que seu protagonista, Heath Ledger, morreu tragicamente, deixando o mundo menos interessante – e o diretor com um filme pela metade. A criatividade de Gilliam salvou o trabalho de Ledger, já que as sequências oníricas da aventura, uma história que mescla realidade com as consequências de se fazer um pacto com o demônio, foram reescritas para abraçar outros atores encarnando o personagem – Colin Farrell, Jude Law e Johnny Depp foram generosos o bastante para soprar vida ao amigo. O esforço teve um preço, e o filme sofre de uma certa inconstância narrativa. Compensada, pode acreditar, com o ímpeto criativo do diretor em criar um legado para o amigo que se fora.

7. MEDO E DELÍRIO
(Fear and Loathing in Las Vegas, 1998)

Talvez a parceria criativa mais óbvia da carreira de Gilliam, incumbido aqui em levar ao cinema a obra psicodélica e delirante de Hunter S. Thompson. O resultado é uma faca de dois gumes. Embora visualmente represente o diretor em seu melhor, o filme termina como uma sequência surrealista de quadros, situações em que o protagonista encarnado por Johnny Depp encara o mundo sob uma névoa de drogas que turva sua percepção da realidade. O resultado é um comentário sobre o "sonho americano" embebido em ácido, que funciona perfeitamente na teoria, mas como cinema termina por vezes confuso demais, histérico demais, auto-referente demais. Talvez uma abordagem mais equilibrada ajudasse a traçar uma história mais coesa, talvez seja um ardil 22 que permanecerá, para sempre, sem solução.

6. AS AVENTURAS DO BARÃO MUNCHAUSEN
(The Adventures of Baron Munchausen, 1988)

Em um de seus filmes mais ambiciosos, Terry Gilliam imaginou uma adaptação épica para a história de um dos maiores mentirosos da história, uma saga que mistura o horror da guerra com a fuga lúdica para um mundo habitado por deuses ciumentos, velocistas audazes e uma representação do próprio tempo. Tudo misturado no registro hiper realista que só o cineasta seria capaz de executar. John Neville brilha como Munchausen, ancorando o mundo onírico a seu redor com insuspeita humanidade. Se As Aventuras do Barão Munchausen por vezes ameaça ruir ante a própria ambição, é sinal de que Terry Gilliam conseguiu seu intento. E quem mais, numa época em que efeitos digitais eram a mais pura ficção, seria capaz de criar mundos inteiros usando o poder de sua imaginação e as ferramentas lúdicas do cinema?

5. OS BANDIDOS DO TEMPO
(The Time Bandits, 1981)

O começo dos anos 80 trouxe um Terry Gilliam confortável em tirar os mundos mais fantásticos do papel usando apenas sua imaginação desenfreada e efeitos visuais quase caseiros. Mais confortável em dirigir essa fábula em episódios, ainda verde para encarar uma narrativa completa, o diretor traveste essa comédia sombria e perturbadora em um filme para toda a família, colocando como protagonista um garoto que acompanha um grupo de anões rebeldes em uma jornada pelo tempo. Figuras históricas e também folclóricas (interpretadas por um elenco que abraça Sean Connery, Ian Holm e John Cleese) surgem ao longo do caminho, construindo uma narrativa épica, exuberante e divertida, ainda que por vezes incompleta.

4. O PESCADOR DE ILUSÕES
(The Fisher King, 1991)

Os anos 90 começaram com Gilliam mais contido, menos preocupado com cenários e mais interessado nas interações humanas. No caso, o estranho relacionamento de Jeff Bridges e Robin Williams. O primeiro, um DJ perseguido pela culpa, quando suas palavras no ar causam uma tragédia; o segundo, uma alma desgarrada que vive, desabrigado, no Central Park em Nova York. Ele impede o suicídio do DJ ao dividir com ele uma missão sagrada: recuperar o Cálice Sagrado, que aparentemente está escondido em algum lugar ao sul de Manhattan. Gilliam faz uma reflexão sobre culpa e redenção, sobre sanidade e loucura, usando sua assinatura visual única para sublinhar os momentos mais delirantes da aventura. Uma história brilhante, interpretada por dois atores no auge de sua forma, e conduzidas por um diretor que aprendeu a conter seus instintos, mas que aqui deixa transparecer um artista completo.

3. OS 12 MACACOS
(12 Monkeys, 1995)

Existe algo muito perturbador nessa ficção científica que calha de ser o maior sucesso comercial de Terry Gilliam. Talvez seja a indefinição proposital entre realidade e fantasia, que deixa a narrativa em estado constante de tensão. Talvez seja sua visão do futuro, um lugar decadente, mergulhado em um pesadelo burocrático, em que impera o cinza e o pessimismo. Talvez seja o olhar torto de Brad Pitt. Não importa. Com Os 12 Macacos, ele criou um dos pesadelos distópicos mais sensacionais do cinema moderno, colocando Bruce Willis como um viajante do tempo arremessado ao passado para impedir que um vírus condene a humanidade à extinção. Seguro em suas ideias e preciso em sua narrativa, Gilliam nos deixa o tempo todo perguntando se o perigo é real ou é a paranoia de um lunático. Um filmaço, que parece mais atual a cada geração. E, olha, Brad Pitt….

2. BRAZIL, O FILME
(Brazil, 1985)

Obra-prima irretocável, inspiração para toda uma geração de entusiastas da ficção científica, Brazil é um pesadelo orwelliano que nos transporta a um futuro totalitário em que o pensamento livre é crime passível de morte. Jonatham Pryce é um burocrata de quinto escalão que bate de frente com o sistema ao insistir em procurar uma mulher que aparece em seus sonhos. O retrato sufocante de um futuro gerido por políticos ancorados em uma força militar implacável é emoldurado pelas imagens sempre surpreendentes e plasticamente irretocáveis criadas por Gilliam, que nunca cede a soluções fáceis, mergulhando Brazil – e seu protagonista – em reviravoltas absolutamente insolúveis. Retalhado pelos produtores, apavorados com a visão de futuro sombria e pessimista do diretor, o filme chegou a ganhar uma versão de 90 minutos, apelidada "o amor conquista tudo". Mas, acredite, é o colosso de duas horas e meia que você vai querer se perder para nunca mais voltar.

1. MONTHY PYTHON EM BUSCA DO CÁLICE SAGRADO
(Monthy Python and the Holy Grail, 1975)

Seria quase impossível tirar o topo do pódio de Brazil, mas Em Busca do Cálice Sagrado é bobo demais, absurdo demais e sensacional demais para ser ignorado. É também um trabalho em progresso, já que nem Gilliam e nem seu co-diretor, Terry Jones, haviam arriscado comandar um longa antes. Até então, a dupla engrossava o sexteto Monty Python, que criara a bíblia do humor britânico em seu programa na TV. Mas um filme não é uma coleção de sketches, e os dois Terrys enxugaram o roteiro (que dividia-se em duas linhas temporais) para se concentrar na jornada do Rei Arthur e seus companheiros em busca do cálice usado por Cristo na última ceia. É desculpa, claro, para uma sátira de costumes feroz, deliciosamente ridícula, coalhada de momentos que se tornaram parte da história do cinema – e da cultura pop moderna. É quase impossível medir a influência de Em Busca do Cálice Sagrado, uma metralhadora de gags que, de alguma forma, amarram-se em uma história épica. Gilliam terminou dirigindo um pedaço de O Sentido da Vida, que escolhi deixar de fora dessa lista. Mas aqui ele encontrou seu primeiro e melhor momento. Sem sombra de dúvida, um dos filmes mais engraçados da história… E também educativos, já que aqui descobrimos a velocidade de uma andorinha em voo. Ou não…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.