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"Um monstro pode ser charmoso e sedutor", explica diretor de Ted Bundy

Roberto Sadovski

26/07/2019 02h08

"Tenho duas filhas mais ou menos da idade das vítimas de Ted Bundy." Joe Berlinger não é um estranho quando o assunto são crimes. Ao longo de sua carreira, com ficção ou com documentários, o diretor explorou o lado sombrio da natureza humana e, também, como nós lidamos com delitos violentos e seus responsáveis. O estilo desenvolvido em filmes como Brother´s Keeper e O Paraíso Perdido deu a tônica da nova geração de documentários sobre crimes violentos que recheiam hoje as plataformas de streaming da vida. Ted Bundy, porém, era um nível diferente. Um serial killer que matou dezenas de jovens nos anos 70 e tornou-se celebridade após ser preso e condenado à morte. Para Berlinger, falar sobre ele era pessoal. "O caso de Bundy foi um alerta, mostrou que um monstro podia ser charmoso e sedutor", disse. "E minhas filhas não fazem ideia quem ele foi…. Fiz esse filme para elas."

Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal surgiu, portanto, como um alerta. O filme, que coloca Zac Efron como o assassino, não é um relato sobre seus crimes, tampouco traz cenas explícitas da maneira brutal como ele matou suas vítimas. A opção de Berlinger, ao adaptar o livro de Elizabeth Kloepfer, que por anos manteve um relacionamento com Bundy sem nunca desconfiar de seu lado sombrio, foi quebrar a expectativa sobre o que seria um assassino em série. "Quando pensamos nessas pessoas, pensamos em monstros terríveis nascidos das trevas", continua, em um papo um dia antes da estreia do filme no Brasil. "Bundy era charmoso, educado, bonito. O que mais deixa as pessoas aterrorizadas é o quanto era fácil gostar dele… Ele era confiável, e isso é assustador." Berlinger explica, depois de anos convivendo com criminosos em seu trabalho, é que eles nunca são predadores bidimensionais, mas o exato oposto: são as pessoas que menos esperamos.

Ted Bundy (Zac Efron) e Liz Kendall (Lily James): família unida e feliz

Ao mostrar Ted Bundy como um homem de família, carinhoso e apaixonado, Joe Berlinger enfrentou uma corrente poderosa de críticas, em especial de pessoas que o acusavam de "romantizar" um assassino. "Temos um problema sério com a violência que consumimos em todas as formas ao ponto de nos amortecer a ela", continua. "Eu queria mostrar o que significava ser seduzido por aquele tipo de mal, e por isso não mostro nada violento no filme, diminuiria o impacto da história." Dessa forma, o diretor tentou evitar colocar a violência dos crimes de Bundy como um fator chamativo, mas que não ajudaria em sua narrativa. "Somente uma pessoa testemunhou a violência dos atos de Bundy: sua vítima", ressalta. "Sei que algumas pessoas criticaram essa opção, disseram que era um desrespeito às suas vítimas. Eu acho que não carregar o filme com sangue significa exatamente o contrário!"

A escolha de Zac Efron encaixou-se exatamente com sua proposta, que era mostrar um sujeito charmoso e envolvente, a última pessoa capaz de atos daquela natureza. "Minhas filhas adoram Zac, ele é charmoso e bonitão, qualquer garota o seguiria", continua. "Isso o fez a pessoa perfeita para conduzir a platéia ao longo da trama." O ponto de vista de A Irresistível Face do Mal é dividido com Liz Kendall, pseudônimo de Elizabeth Kloepfer, interpretada por Lily Collins. Mesmo com a prisão de Bundy, ela custou a acreditar que o homem com quem dividira uma vida era um assassino terrível. "Eu e Lily conversamos com Liz, e para ela foi uma experiência fascinante", conta Berlinger. "Foi a primeira vez que ela conheceu alguém que ia interpretar em um filme, e elas tiveram uma conexão verdadeira." O encontro, recorda, ganhou um tom perturbador quando Kloepfer lhes mostrou um álbum de fotos, dos anos 70, que trazia todo o tipo de momentos felizes, cobrindo sete ou oito anos de viagens de férias e celebrações de Natal ou aniversários. "Mas o homem nas fotos era Ted Bundy, o que era assustador", explica. "E ela não percebeu nenhuma das pistas. Nada! O que é exatamente o tema central do filme."

Ted Bundy: cidadão exemplar em mais um dia de trabalho

O julgamento de Bundy, que consome boa parte do filme, profetizou o tipo de frenesi da mídia em torno de casos sensacionalistas. Foi a primeira vez que um processo legal foi transmitido ao vivo pela televisão, o que ajudou a aumentar a simpatia da opinião pública pelo assassino. "Bundy era estudante de direito e decidiu assumir ele mesmo a condução de sua defesa", aponta. "O tribunal estava sempre cheio de jovens que não tinham pudor em admitir que estavam apaixonadas por ele, até o juiz era complacente." Bundy insistiu em sua inocência mesmo depois de condenado, mesmo com as evidências incontestáveis apresentadas contra ele. "Houve um momento na casa de Elizabeth que Lily pediu para ler em voz alta as cartas de amor que Ted lhe escrevera quando estava preso", lembra. "Foi um momento que sublinhou que pessoas terríveis são igualmente complexas." Joe respira por alguns segundos e completa: "Se Bundy fosse um homem negro, ele não estaria de terno e gravata representando sua defesa, e sim acorrentado e usando um macacão laranja. Não deixa de ser também um comentário sobre o privilégio do homem branco".

Assassinos em série, os serial killers, são tão conectados à sociedade americana quanto uma torta de maçã, o que Berlinger encara como um sintoma para o qual ele não tem a resposta. "Setenta por cento de todos os assassinos em série do mundo são americanos, assim como a maioria dos casos de violência causada por armas de fogo", reflete. "Algo está errado, e os americanos precisam entender por que, como sociedade, eles produzem um número tão grande de sociopatas. Talvez a sociedade que tenha mais liberdade também atraia uma escuridão imensa." Retratar essa dicotomia em um filme de duas horas não é sempre fácil. "O maior desafio em transformar casos reais em filme é escolher quais aspectos são mais relevantes, já que um longa representa um fragmento de uma vida, ao mesmo tempo em que precisamos mostrar tudo que foi importante nessa mesma vida", explica. "A vida real não segue as regras da dramaturgia."

Joe Berlinger dirige Zac Efron e… PERALÁ! NÃO É O CARA DO METALLICA??!!!

Construir uma carreira acompanhando histórias reais de crimes pode tornar-se um fardo difícil de carregar. Joe Berlinger orienta sua equipe, em especial a turma mais jovem, a tentar não levar o trabalho para casa – a outra opção seria "deitar em posição fetal como uma bola de depressão". "Eu encaro todos essa exploração de crimes com um elemento de justiça social", revela em um desabafo. "É o elemento que eu gosto de iluminar. A série Paraíso Perdido ajudou a libertar três jovens presos por um crime horrendo que não haviam cometido. Ted Bundy serve como um alerta a toda uma geração que não conhece sua história, lembrando que não podemos confiar plenamente em ninguém. Se eu posso tirar algo positivo de histórias horríveis, contribuir com uma espécie de alerta, ao menos me sinto um pouco melhor."

Mesmo ao encarar os aspectos mais sombrios da natureza humana, Joe Berlinger hesita em definir o que seria o mal. "Não tenho certeza se existe algo como uma força maléfica, mas acho que todo mundo tem capacidade para o bem e para o mal. As pessoas precisam ganhar nossa confiança, e infelizmente é assim que a vida real funciona", conclui. "Mas, veja só. Executivos de grandes empresas de petróleo poder ser pessoas incríveis, ótimos amigos, uma família amorosa. Mas não tem o menor problema com o aquecimento global, a crise climática, e dormem tranquilos. As indústrias farmacêuticas vendem produtos que literalmente matam as pessoas, e seus presidentes jogam golfe sem culpa. Ted Bundy era um pai excelente. Essa é a natureza do mal."

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.