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Novo Brinquedo Assassino: Alguém pode por favor resgatar o velho Chucky?

Roberto Sadovski

22/08/2019 08h32

Até hoje eu acho espantoso que Chucky, o brinquedo assassino, tenha se tornado um ícone tão poderoso do terror. Ao menos havia no filme original uma lógica interna intrigante: possuído pelo espírito de um serial killer, o boneco tinha o propósito de, eventualmente, voltar a ser humano. Mesmo quando a série passou a rir de si própria depois de A Noiva de Chucky, o elemento humano ao menos enraizava o terror de forma eficiente. O novo Brinquedo Assassino, porém, joga todo esse conceito pela janela. Não existe neste remake dirigido pelo norueguês Lars Klevberg nenhum elemento sobrenatural. O "espírito maligno" que animava Chucky é substituído por um literal "fantasma na máquina": é sua própria inteligência artificial defeituosa que transforma o boneco em uma máquina de matar. A intenção clara é levantar a bola do medo da tecnologia e da conectividade impessoal que define o mundo hoje. Mas a total falta de lógica, mesmo em um filme sobre uma Lu Patinadora do mal, estraga a experiência.

O gatilho está no prólogo, quando vemos uma linha de montagem no Vietnã com um programados estressado desabilitando todos os protocolos de segurança no boneco que ele está finalizando. Por que cargas d'água um produto infantil teria em seu software itens como "agressividade" e "linguagem vulgar" eu deixo para cada um tirar suas conclusões. O fato é que o brinquedo, da linha Buddi, é enviado aos Estados Unidos e termina nas mãos de Andy (Gabriel Bateman), que mora com sua mãe em um prédio com cara de boca de fumo. Ah, a espetacular Aubrey Plaza convence tanto como uma "mãe" como Denise Richards no papel de cientista nuclear em um James Bond da vida. Buddi é um brinquedo inteligente, capaz de se conectar com todos os produtos de sua fabricante com um wi-fi poderosíssimo – que controla de caixas de som à temperatura local a automóveis inteligentes! Batizado Chucky (Andy o chama de Han Solo mas ele… entende errado), logo o boneco exibe suas tendências homicidas, e o filme mergulha num banho de sangue sempre divertido, mas nunca assustador.

Chucky papeia com Andy, porque trocar uma ideia com seu brinquedo é SUPER normal…

Exigir coerência em filmes como Brinquedo Assassino, que obviamente trafegam no caminho da fantasia, seria bobagem. Mas quando o roteiro trata todos os personagens como uma turba de idiotas, é difícil exercitar qualquer empatia. A comparação com o original é inevitável: ao tirar o elemento sobrenatural, com Chucky determinado a tomar o corpo de Andy em um ritual de magia negra, o novo filme simplesmente perde todo o foco. Aqui, o boneco é mal porque… bom, porque sim. A coisa piora quando Andy e o resto do "núcleo infantil" do filme encaram o fato de um brinquedo praticamente se comportar como uma criatura viva com naturalidade desconcertante: Chucky conversa, caminha, interage e toda decisões como um robô ultra futurista de alguma ficção científica distópica, e a reação dos personagens para isso é zero. Os garotos descobrem que ele é um homicida sádico? Tudo bem, é só jogar no lixo que tá tudo certo (o coletor de lixo do prédio é praticamente um personagem).

Se existe alguém que de fato se diverte com Brinquedo Assassino, é Mark Hamill, que empresta sua voz ao boneco. Luke Skywalker pode ser seu papel mais conhecido, mas foi como o Coringa da série animada do Batman dos anos 90 (e dos games, e em desenhos recentes) que Hamill produziu seu trabalho mais consistente. Existe um eco do Palhaço do Crime aqui, mas o ator salpica a dublagem com um tom infantil que faz de Chucky um personagem mais mais perturbador – e foi uma boa opção não seguir o caminho do "adulto em corpo de brinquedo" imortalizado por Brad Dourif nos filmes originais. Ainda assim, algo se perde no novo Brinquedo Assassino quando a ambientação sobrenatural é substituída por uma ameaça tão palpável quanto a tecnologia. As possibilidades de um Chucky agindo globalmente na Internet são imensas, mas nunca são exploradas. O que resta é um boneco feioso que mata sem motivo. E motivo, em uma narrativa, é tudo! A gente era feliz e não sabia…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.