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Sem surpresas, novo Zumbilândia repete com graça vibe anárquica do original

Roberto Sadovski

24/10/2019 01h55

Zumbilândia: Atire Duas Vezes traz zero surpresas em relação à primeira parte, lançada há uma década. O caso, porém, é de não mexer em time que está ganhando. O diretor Ruben Fleischer optou por não anabolizar as ideias, reprisando aqui a mesma vibe anárquica que injetou graça em uma América distópica povoada por mortos-vivos. Não espere, portando, grandes revelações e reviravoltas complexas. A ordem do dia aqui é acompanhar alguns dias ao lado do quarteto reunido no filme de 2009, perceber que em uma década absolutamente nada foi alterado em sua rotina e aproveitar uma horinha e meia de diálogos espertos, participações especiais festejadas (ficar na sala durante os créditos finais é mandatório!) e escapismo desavergonhado.

Existe, claro, um fiapo de história pra amarrar a coisa. Tallahase (Woody Harrelson), Columbus (Jesse Eisenberg), Whichita (Emma Stone) e Little Rock (Abigail Breslin) firmaram residência no que um dia foi a Casa Branca, tocando a vida como uma família disfuncional e feliz. Mas existem fissuras na felicidade aparente da turma. Columbus e Whichita nunca oficializaram seu relacionamento como um casamento, e Little Rock sente a pressão em ser adolescente, principalmente pela figura paterna onipresente que é Tallahase. O idílio é rompido quando as duas irmãs partem para Graceland, deixando a outra metade traçando um plano de ação e resgate. Para temperar a mistura, dois elementos são jogados na trama. O primeiro é Berkeley (Avan Jogia), hippie de ocasião que assume canções de Bob Dylan como se fossem suas e convence Little Rock a traçar o rumo para Babilônia, supostamente um refúgio pacifista em meio ao caos zumbi. A segunda é Madison (Zoey Deutch), uma barbie de carne e osso que viveu por anos no freezer de um shopping abandonado – seu estilão patricinha de Beverly Hills é a melhor surpresa do filme.

Sim, essa foto é quase igual à lá do alto! E tem mais…

Basicamente, é isso. Atire Duas Vezes é um road movie com pausas ocasionais para colocar nossos heróis pipocando os miolos de zumbis desavisados – a melhor "evolução" entre mortos-vivos são os Homers, tão tapados que não valem o desperdício uma bala. Não espere, portanto, nenhuma profundidade nas entrelinhas do "lar é estar com as pessoas amadas" ou qualquer discussão sobre a conexão que faz de estranhos uma família. Fleischer e sua equipe sabem exatamente em que chão estão pisando e não desviam um milímetro de sua rota sangrenta e desmiolada. E deve ser uma jornada divertida, já que seus protagonistas retornaram sem hesitar, mesmo que alguns tenham visto sua carreira disparar no meio tempo. Se Woody Harrelson já era astro calejado quando decidiu caçar zumbis, Jesse Eisenberg passou de rosto semi-anônimo a indicado ao Oscar por A Rede Social, trabalhou com Woody Allen duas vezes (Para Roma com Amor e Cafe Society), ganhou uma série para chamar de sua (Truque de Mestre) e ainda flertou com o mundo dos super-heróis (foi Lex Luthor em Batman vs. Superman). Já Emma Stone foi ainda mais longe, ganhando de fato um Oscar (por La La Land), além de trabalhar com Woody Allen duas vezes (Magia ao Luar e O Homem Irracional), pincelar sua filmografia com pequenas pérolas (de Amor a Toda Prova a Birdman a A Favorita) e ainda flertou com o mundo dos super-heróis (foi Gwen Stacy em dois O Espetacular Homem-Aranha).

O retorno de tanta gente notável ao mundo de Zumbilândia prova que o conceito de cinema é elástico, e abraça desde filmes nobres e pequenas obras de arte até comédias desmioladas que miram em nada além de diversão. Ruben Fleischer não é exatamente o mais talentoso dos cineastas. Seu Caça ao Gângster foi uma tentativa pífia de se mostrar um autor mais sério ao romantizar o mundo do crime na Los Angeles do final dos anos 40. Venom só escapou do desastre completo graças à dedicação absurda de Tom Hardy no papel do jornalista que hospeda uma forma de vida alienígena. Mas o diretor tem experiência aos montes, graças a seu trabalho na televisão. Zumbilândia é exatamente o material em que ele se sente à vontade para ser anárquico, para criar pequenos sketches amarrados com fragmentos de roteiro e para fazer comédia ligeira. Funciona, é engraçado, de fácil digestão e sempre saboroso. E nunca duvide de alguém que tem Bill Murray na agenda.

Não disse? Se eu colocasse uma foto do primeiro filme seria igual!

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.