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Revendo Star Wars: Nova Trilogia com origem de Vader só engrenou no final

Roberto Sadovski

13/12/2019 23h42

"É gente da fila." Eu estava na Forbidden Planet, loja especializada em quadrinhos em Nova York, quando um dos funcionários justificou a seu gerente o sujeito seguindo para os fundos da loja, presumidamente seguindo para o banheiro. Ver o pessoal acampado do outro lado da rua, em frente ao United Theater da Union Square, havia se tornado rotina não só para o pessoal da loja, mas também para quem vivia ou trabalhava perto de meia dúzia de cinemas espalhados nas maiores cidades americanas e viu um pessoal estranho armando tendas e passando um mês enfileirado para ser os primeiros a acompanhar a estreia de Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma. Foi um fenômeno previsível, mas nem por isso menos impressionante. Em 1999 era impossível virar a esquina sem se deparar com alguma peça promocional do retorno da maior saga que o cinema já criara. Mal sabia a turma da fila – e centenas de milhões de fãs em todo o mundo – que a festa não seria tão animada assim.

Poucos dias antes de o filme estrear, em 19 de maio (por aqui o público teve de esperar por mais um mês), a ansiedade era quase incontrolável. Afinal, Star Wars não fazia parte do zeitgeist há dezesseis anos, desde que O Retorno de Jedi encerrara a trilogia original. O lançamento das edições especiais dos filmes agora clássicos dois anos antes serviu para reaquecer o mercado, mas A Ameaça Fantasma era pra valer, era George Lucas retomando com gás o universo que mudou a cara do cinema moderno. E agora, ao contrário do que aconteceu em 1977, ele estava preparado: o mundo foi bombardeado com um oceano de produtos licenciados para fazer com que o público abraçasse os novos heróis da saga antes mesmo de o filme estrear, e tinha pra todo mundo. Tinha a criançada consumindo Anakin Skywalker (Jake Lloyd, então com 10 anos) e Jar Jar Binks. Tinha os cavaleiros Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) para empolgar os meninos. Tinha Barbie especial com os trajes da Rainha Amidala (Natalie Portman). Tinha Darth Maul, o personagem de visual mais incrível do novo filme. Era Star Wars, pronto para fazer história novamente!

E então, o filme estreou.

Jar Jar Binks manda um joinha pra você!

Eu lembro do clima de decepção quando minha sessão de A Ameaça Fantasma terminou naquele mesmo cinema na Union Square. A multidão na sala, a esmagadora maioria devidamente paramentada como seus personagens favoritos, emudecia sem saber ao certo como reagir. Após dezesseis anos os fãs esperavam uma aventura acelerada, com novos personagens ao lado de figuras icônicas, com cenas de ação entrecortadas com o caminho sombrio que fez de um garoto destinado a "trazer o equilíbrio à Força" tornar-se o vilão mais espetacular da história. Em vez disso, Lucas teceu uma trama política, sobre barreiras comerciais e disputas palacianas, sobre debates no senado galáctico e criaturas que vivem em nossas células em simbiose, os tais midiclorians, responsáveis pelos poderes Jedi. Foi um "aahn?!!" coletivo, um balde de água fria na expectativa do sujeito na primeira fileira vestido de Bib Fortuna.

George Lucas, claro, estava certíssimo ao criar uma trama consistente para tecer sua saga. Era necessário inserir a jornada trágica de Anakin Skywalker em meio à queda da República, resultando na criação de Darth Vader e do Império. O problema aqui é a execução: A Ameaça Fantasma atira em todas as direções sem acertar um alvo sequer. É um filme sem protagonista, dividido em recortes que nunca completam um único arco dramático. Traz um elenco incrível e não lhes dá um texto consistente – sem falar que Lucas, como diretor de atores, é um excelente empresário. Mas o mundo simplesmente seguiu o fluxo, e o filme encostou em 1 bilhão de dólares nas bilheterias. Para a percepção do público, porém, 1999 terminou marcado por outros filmes, como Matrix, O Sexto Sentido e A Bruxa de Blair. Claro que A Ameaça Fantasma não é de todo ruim – os efeitos práticos ainda encantam, o duelo de sabres de luz de Qui-Gon e Obi-Wan contra Darth Maul está entre os melhores da saga -, mas ainda assim deixou os fãs com um gosto amargo, como se sua grande paixão tivesse se transmutado em algo… tedioso!

Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não…

Apesar de a ideia inicial fosse dirigir o primeiro filme e, como na trilogia original, deixar as aventuras seguintes nas mãos de outros cineastas, George Lucas decidiu fazer o bolo e comer sozinho. Três anos depois de A Ameaça Fantasma, ele continuou a história da queda de Vader com Ataque dos Clones e…. bom, e melhorou um bocado. Sua melhor decisão foi dar a Obi-Wan um papel mais consistente, fazendo com que Ewan McGregor tomasse seu lugar como protagonista. Ainda assim, Lucas não queria contar a história de Kenobi, e sim a de Anakin. Com Jake Lloyd fora do cenário, ele escalou Hayden Christensen para o papel do agora aprendiz de Jedi. Esbarrou, assim, em um problema do tamanho da Estrela da Morte: Christensen é um ator muito, mas muito ruim. Problema número dois: Lucas não faz a menor ideia de como escrever um romance adolescente. Como resultado, Ataque dos Clones mostra sangue nas veias sempre que a ação volta-se para Obi-Wan (que roda o universo para desvendar o mistério dos clones, que pode revelar o grande vilão dentro da República), mas afunda na lama como Artax, o cavalo de Atreyu em A História Sem Fim, quando o foco é Anakin e sua paixão absolutamente sem sentido por Amidala. É vergonhoso, traz zero conexão emocional e só existe porque Lucas precisava dar algo para o jovem Jedi se apegar antes de concluir sua tragédia pessoal e sua transformação final em Darth Vader.

A Nova Trilogia finalmente mostrou a que veio em 2005, quando George Lucas concluiu os trabalhos com Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith. É o único filme em que finalmente sentimos que existe algum ser humano em cena. Alguns problemas continuam gritantes, em especial a interpretação de Christensen (pobre Natalie Portman, ela faz o melhor possível) e o artificialismo absurdo de toda a produção. Explico. Com cenários digitais tomando quase que totalmente o lugar de locações reais desde o filme anterior, Star Wars perdeu a aparência de "futuro usado" que Lucas estabelecera desde o Guerra nas Estrelas original. Aqui tudo é limpo demais, polido demais, certinho demais. Mas a tragédia de sua história compensou a atmosfera de videogame. A queda de Anakin, que cede ao Lado Sombrio da Força graças às maquinações do senador-quase-imperador Palpatine (Ian McDiarmid, devorando o cenário com ketchup), é mostrada de forma intensa, violenta até o limite para a aventura infanto-juvenil que é a saga. O clímax, um combate épico entre o jovem Vader e um estupefato e incrédulo Obi-Wan, é dirigida com fibra, com Lucas usando a topografia de um planeta feito de lava para intensificar a sensação de desolação e perigo. O filme é uma desgraceira sem fim em sua conclusão, com os gêmeos Luke e Leia separados, Amidala morta no parto, Anakin desfigurado e preso à armadura imponente de Darth Vader, Yoda e Obi-Wan partindo em exílio, e a democracia esfarelada ante a ascensão do Império. Ainda assim, termina com um fiapo de esperança, com os dois sóis de Tatooine pintando a tela com a trilha de John Williams em crescendo. Não havia um olho seco no cinema.

Obi-Wan e Anakin na batalha épico que conclui A Vingança dos Sith

Eram outros tempos, quando uma série como Star Wars podia se dar o luxo de colocar três anos entre cada filme sem que os fãs entrassem em colapso pela espera. George Lucas conseguiu, aos trancos e barrancos, criar uma história completa em seis episódios, retratando o surgimento, queda e redenção de Anakin Skywalker, história emoldurada por uma guerra civil galáctica que trouxe alguns dos personagens mais sensacionais do cinema moderno. A saga, a essa altura, não reinava sozinha no tecido da cultura pop, dividindo a atenção com os novos garotos da vizinhança, como Harry Potter e O Senhor dos Anéis (ambos iniciados em 2001), e os super-heróis dos quadrinhos (foi Homem-Aranha, e não Ataque dos Clones, que terminou no pódio das bilheterias americanas em 2002). Seria o fim de Star Wars, ao menos na tela grande, com o mundo reenergizado com a paixão pela saga, que continuaria em games, livros, histórias em quadrinhos e centenas de colecionáveis para todo o sempre. Terminou, entretanto, marcando apenas o fim da associação de Lucas com sua maior criação, a qual ele finalmente abriu mão em 2012, depois de mudar sozinho o rumo do cinema, das artes e da cultura pop mundial.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.