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Roger Deakins, diretor de fotografia de 1917: “Podia ter dado muito errado”

Roberto Sadovski

29/01/2020 03h02

É difícil assistir a um filme que tenha Roger Deakins como diretor de fotografia e ficar indiferente. Depois de começar sua carreira no fim dos anos 70 com uma série de curta metragens e documentários, ele passou a deixar sua assinatura visual em trabalhos tão distintos como 1984, Sid & Nancy e o belíssimo As Montanhas da Lua. O mundo passou a prestar mais atenção em 1995, quando ele filmou Um Sonho de Liberdade para o diretor Frank Darabont, que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, seguindo uma parceria com os irmãos Joel e Ethan Coen, com Sam Mendes e, mais recentemente, com Denis Villeneuve. A estatueta dourada lhe fugiu outras doze vezes antes de finalmente a Academia reconhecer seu imenso talento com Blade Runner 2049. No papo a seguir Deakins fala sobre os desafios para filmar o drama de guerra 1917, a abordagem com diferentes diretores e a forma como ele enxerga grandes produções, como 007 – Operação Skyfall e o próprio Blade Runner como apenas mais um trabalho. Sobre a mais recente indicação ao Oscar, para o qual ele é favorito com 1917, Deakins desconversa: "As coisas são o que são". E serão!

Antes de mais nada, parabéns pela indicação ao Oscar!
Ah, obrigado.

1917 é um filme de visual impressionante, e seu trabalho é a base em que a narrativa foi construida. Por que a decisão de filmar como se fosse uma única tomada?
A decisão foi do Sam (Mendes). Ele já escreveu o roteiro com isso em mente. Ele nem mencionou quando conversamos sobre o roteiro, ele só me mandou o texto e estava escrito já na primeira página. (risos)

Quando Sam Mendes falou para você sobre sua visão para o filme, qual aspecto das filmagens você imaginou que fosse o mais desafiador?
Olha, imediatamente eu imaginei que as condições climáticas fossem dar trabalho. Para fazer o filme em tempo real o clima teria de combinar em dias diferentes de filmagem. E eu queria que a ação acontecesse no fim da tarde, entrando noite adentro até o amanhecer. Então minha maior preocupação sempre foi o clima.

E a previsão do tempo colaborou com vocês?
(risos) A verdade é que a gente deu muita sorte! O céu estava super claro e muito azul no primeiro dia de filmagem, então não dava para filmar nada. Mas pudemos ensaiar, e logo as nuvens estavam de volta e a gente voltou ao cronograma. Mas podia ter dado muito errado.

"Emoldurar" os atores com luz é parte do repertório de Roger Deakins

Assistindo a imagens dos bastidores, 1917 parecia uma verdadeira operação de guerra. Quanto tempo cada cena levava para ser planejada? Vocês filmaram muita coisa em ordem cronológica?
Sim, muita coisa foi rodada na ordem que aparece no filme, muito disso por conta do uso das locações, em especial as cenas de batalha. E o planejamente foi bem isso: tudo tinha de estar mapeado muito antes de os sets serem construídos, antes de as trincheiras serem cavadas, tivemos de planejar e ensaiar com os atores antes de muitas decisões serem tomadas. Até por que não havia espaço para cortar muita coisa, como geralmente acontece em outras filmagens. Tudo teve de ser muito preciso porque dependíamos de muitos fatores externos, então não havia escolha a não ser estarmos muito preparados.

Mesmo com esse planejamento, alguma cena deu errado e vocês tiveram de voltar ao começo para refazer?
Aconteceu, claro. Às vezes estávamos rodando há 4, 5 minutos, algo acontecia e tínhamos de parar tudo. Voltar ao começo. Mas é a natureza do trabalho, mesmo que a pressão tenha sido incomum. Não tinha como dizer "bom, gostamos do começo dessa tomada, vamos rodar o meio para preencher a lacuna". Quando trabalhamos com cenas longas, isso se torna uma impossibilidade.

Quanto tempo foi necessário para rodar o filme inteiro?
Na verdade, nem foi tanto tempo assim! Acho que encerramos os trabalhos em 65 dias, o que para um filme dessa escala não é muito. Mas tivemos muito tempo de preparação, ensaiamos exaustivamente, e quando chegou a hora de filmar foi relativamente fácil. Eu disse que o aspecto mais comlicado era mesmo o clima, e tivemos sorte. Acho que perdemos não mais que uns quatro dias por causa do tempo. A gente terminou dentro do prazo!

Luz é o grande desafio ao fotografar um filme, e em muitas cenas a câmera circula os atores por completo, contando apenas com iluminação natural? Em algum momento você teve de esperar além do previsto para capturar uma única tomada?
Se não me engano isso ocorreu em um segmento que filmamos dentro da trincheira. Talvez a última cena antes de eles partirem para a terra de ninguém. Acho que tivemos de repetir pelo menos umas quarenta vezes, o que é muito, mas muito mesmo! Esse foi o mais…. acho que o que exigiu mais de todos nós fisicamente… (risos)

A vida na trincheira é sempre dureza

Você já trabalhou antes com Sam Mendes, além de ter fotografado vários filmes dos irmãos Coen e, mais recentemente, de Denis Villeneuve. Qual sua abordagem à cinematografia ao trabalhar com diretores tão distintos?
Olha, eu não posso dizer que faço nada diferente. Depende muito do filme e da história. Mas eu não mudo o que eu faço, mesmo que cada diretor trabalhe de maneira diferente. Os irmãos Coen fazer storyboard do filme inteiro com precisão, já Denis nem sempre desenha antes de filmar, mas as coisas podem mudar no set. O primeiro filme que eu fiz com Sam foi Soldado Anônimo, e não fizemos um storyboard sequer. Não ensaiamos até estar com a câmera ligada, porque quase todo o filme foi rodado com uma câmera de mão e a gente começou a trabalhar assim que os atores chegaram. Então filmamos os ensaios para ter ideia de onde posicionar a câmera. Então é o filme que vai determinar a abordagem. Soldado Anônimo foi totalmente diferente de Operação Skyfall, que foi completamente diferente de 1917. Tudo depende do projeto.

Existe algum gênero em que você prefira trabalhar?
Não… acho que não. Na verdade, não. (risos) Cada gênero traz desafios completamente diferentes.

Você mencionou Skyfall, que eu considero o filme mais bonito de toda a série James Bond. Como foi trabalhar com uma marca tão poderosa? Teve mais liberdade, menos liberdade, haviam regras…
Sabe, a gente pode fazer um filme pequeno e ter mais liberdade, ou trabalhar em um filme grande e não poder correr os mesmos riscos. O curioso sobre Skyfall foi que eu tinha muitas reservas em relação a trabalhar em um James Bond, e eu fui muito honesto com os produtores. Então eu tirei da frente o peso de ser uma aventura de 007 e encarei como se fosse qualquer outro filme. Eu e Sam encaramos da mesma forma que fizemos em Soldado Anônimo ou Foi Apenas Um Sonho. Um pedaço enorme de Skyfall foi rodado com uma única câmera, mesmo que em filmes assim geralmente tenham cobertura por diversas câmeras. Eu estava operando a câmera como faço sempre. Claro, não trabalhei em muitas produções que tinham uma segunda unidade de filmagem tão grande, e haviam alguns desafios técnicos bem específicos que resolvemos rapidamente. Não foi então tão diferente do resto. Um cronograma maior, mais viagens e mais locações.

Em Blade Runner 2049 você teve o mesmo pensamento? Houve alguma preocupação em ter alguma conectividade com o visual do filme original?
Foi basicamente o mesmo pensamento que tive com Bond. Para mim era só um filme, e eu precisava resolver como filmar aquele filme em especial. Não era o original, tinha uma outra história, ambientada décadas depois! (risos) A ideia foi trazer a nossa sensibilidade a ele. Quero dizer, é tudo que podemos fazer, certo? Para ser honesto, Denis não dirige como Ridley Scott, são pessoas diferentes, então precisamos fazer da nossa maneira, e não remeter ao trabalho de outra pessoa. Filmar assim seria muito enfadonho!

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.