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Uma Linda Mulher ensinou há 25 anos como gourmetizar uma polêmica!

Roberto Sadovski

23/03/2015 08h03

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Cinquenta Tons de Cinza mostrou que a gourmetização de um assunto espinhoso – no caso, um relacionamento BDSM, transformado em romance barato para senhoras pudicas –pode render um belo troco nas bilheterias. Mas o filme com Jamie Dornan e Dakota Johnson não só faz tudo errado, como também chegou atrasado. Pelo menos um quarto de século atrasado. Uma Linda Mulher estreou nos Estados Unidos há exatos 25 anos (no Brasil, só chegaria em 27 de junho do mesmo ano), transformando a história de uma prostituta das ruas de Los Angeles que se envolve com um bilionário no conto de fadas definitivo dos anos 90. Os tapinhas na derrière de Dakota Johnson? Bobagem perto de uma história que começou com drogas, sexo pago e um final depressivo, metamorfoseada no filme responsável por ressuscitar a comédia romântica, gênero então morto há quase duas décadas. De quebra, lançou de fato uma estrela.

Julia Roberts tinha 22 anos na época das filmagens e não era um rosto conhecido. Os seja: nem de longe era a primeira escolha para interpretar Vivian, a prostituta levada a um hotel de luxo pelo bilionário Edward Lewis. Karen Allen (de Caçadores da Arca Perdida) era a primeira escolha do diretor Garry Marshall, mas ela recusou. Meg Ryan também disse não, assim como Mary Steenburgen, Michelle Pfeiffer e Daryl Hannah – a estrela de Blade Runner chegou a dizer que o roteiro era "degradante para as mulheres". A verdade é que Uma Linda Mulher começou com o título $3.000, uma alusão ao valor cobrado por Vivian para passar uma semana com Edward. Em sua concepção, era um drama sombrio sobre prostituição em Los Angeles nos anos 80. A protagonista era uma garota de programa trabalhando nas esquinas por qualquer trocado que pudesse alimentar seu vício em drogas. Seu grande sonho era ir para a Disneylândia, e parte do acordo com o bilionário consistia em deixar a cocaína de lado por uma semana. Não havia final feliz para o casal, simplesmente uma relação comercial que retratava o caminho muitas vezes sem redenção de quem vende o próprio corpo.

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Julia Roberts e Richard Gere reunidos para os 25 anos do filme com o diretor Garry Marshall e seu elenco no Today Show

Mas o chefão da Disney à época, Jeffrey Katzenberg, enxergou na trama uma história romântica em potencial e exigiu um extreme makeover de ponta a ponta. O roteirista J.F. Lawton transferiu boa parte das características negativas de Vivian para sua colega de quarto, Kit (interpretada por Laura San Giacomo), e fez de Edward um sujeito menos canalha e calculista, abrandando sua forma de lidar com negócios. Ele fez sua fortuna comprando empresas à beira da falência a preço de banana, deixando os donos à míngua e revendendo o espólio por um valor maior. Na versão revisada, o empresário desenvolve uma consciência e se pergunta se essa linha de negócios é moralmente correta. Richard Gere, astro da virada da década anterior em filmes como Cinzas no Paraíso, Gigolô Americano e A Força do Destino, experimentava um ressurgimento de sua carreira com Justiça Cega e não teve problemas em assumir um papel menos dominante: estava claro que, com aquele sorriso de 1 milhão de dólares, Julia Roberts, que seria indicada ao Oscar de melhor atriz pelo papel, seria o fio condutor da trama.

Garry Marshal conseguiu, então, um verdadeiro milagre: um filme sobre um tema espinhoso, retrabalhado como o conto de fadas mais improvável do cinema, extraindo uma química espetacular de um astro apagado e uma estrela desconhecida. O resultado foi puro ouro. Rebatizado Uma Linda Mulher (Pretty Woman no original, emprestando o título da canção defendida por Roy Orbison), o filme entrou em circuito e o público nem prestou atenção no fato de Vivian ser uma prostituta e Edward ser um bilionário carniceiro. A leveza obtida durante as filmagens – em locações por Los Angeles com algum trabalho em estúdio –, foi traduzida em glamour e sofisticação, com Julia agarrando o papel com fúria, prevendo que seria sua grande chance. O elenco merece um capítulo à parte, em especial Hector Elizondo, como o gerente do hotel Beverly Wilshire que serve como "fada-madrinha" de Vivian. Marshall abraçou um gênero moribundo e enxergou o momento certo para seu renascimento, com o feeling de que o tema espinhoso original chamaria a atenção do público o suficiente para conceder peso a uma trama leve e bonitinha.

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Que fofos!

Uma Linda Mulher fechou 1990 com 463 milhões de dólares nas bilheterias mundiais (com um orçamento de 14 milhões), estacionando em terceiro lugar naquele ano, atrás de dois outros fenômenos: Esqueceram de Mim (que arrecadou 476 milhões) e Ghost (com inacreditáveis 505 milhões em caixa). Ainda é o maior público de uma comédia romântica de todos os tempos, mesmo que ocupe a quarta posição quando consideradas as bilheterias – Hitch, Do Que as Mulheres Gostam e Casamento Grego levam uma pequena vantagem. Sua influência foi sentida de imediato no cinemão, com estúdios tratando de encomendar uma sucessão de filmes do gênero que praticamente dominaram os anos 90, como Sintonia de Amor (1993), Enquanto Você Dormia (1995), O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), Melhor É Impossível (1997), Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e Noiva em Fuga, que fechou a década reunindo Garry Marshall, Richard Gere e Julia Roberts, até hoje a rainha intocável do gênero (sorry, Meg Ryan).

Corta para um quarto de século depois. Cinquenta Tons de Cinza não é comédia, muito menos romântico  mas é o que temos. Apesar das tentativas de Jennifer Lopez, Kate Hudson e Sandra Bullock, o cinema continua sem uma atriz capaz de polarizar o público em torno de um gênero tão feminino e tão feminista como o revigorado por Uma Linda Mulher. As risadas viveram uma época escatológica (capitaneada em 1998 por Quem Vai Ficar com Mary?), humor adolescente (Seth Rogen, essa é contigo…) e vez por outra sobrevivem de paródias de filmes famosos em filmes tão nada que não ficam na memória. Achar uma comédia romântica entre as maiores bilheterias do ano passado é tarefa inglória, com o gênero representado pelo pastiche Mulheres ao Ataque, com Cameron Diaz, Leslie Mann e uma distante 42 posição entre os filmes de maior renda de 2014. Mas Hollywood vive em ciclos. E logo as estrelas estarão alinhadas para mais uma mistura de polêmica, glamour e talento. O que Uma Linda Mulher, 25 anos depois, ainda tem de sobra.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.