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Exorcistas do Vaticano tem pouco exorcismo, zero vaticano e nenhum susto

Roberto Sadovski

21/08/2015 03h53

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Corrija-me se eu estiver errado, mas filme de terror supostamente existe para assustar. Certo? Provavelmente o diretor Mark Neveldine (aqui sem seu parceiro Brian Taylor, com quem fez dois Adrenalina e o segundo Motoqueiro Fantasma) não recebeu o memorando. Exorcistas do Vaticano é um fracasso que arrisca ser drama familiar, thriller religioso e terror pós-moderno. Não consegue o básico de sua premissa: deixar a platéia com medo. A premissa tola se perde em uma execução canhestra, com erros de montagem e continuidade grotescos, que culmina em um dos terceiros atos mais absurdos do cinema moderno. Sim, é ruim assim.

A trama acompanha a lenta descida ao inferno de Angela (Olivia Taylor Dudley, olá, adeus), que depois de cortar o dedo ao servir seu bolo de aniversário (!), passa a exibir traços de possessão – mas eu estou chutando aqui, já que os sinais se resumem a sede violenta, atração por corvos e um surto psicótico. É quando a ação transfere-se de um hospital para um manicômio, onde Angela aos poucos enlouquece ainda mais os internos (outro chute, já que a grana para rodar o roteiro deve ter ficado curta, e eles resumem a coisa em uma cena de loucura geral). Neveldine consegue não desenvolver um ponto sequer da trama. O pai de Angela (o quase Wolverine Dougray Scott, que agora tem de pagar as contas com isso) não vai com a cara de seu namorado, Pete (John Patrick Amedori), mas o mal estar resume-se a um grunhido. As "fitas do Vaticano" do título original, os registros da câmera de segurança do hospital e do manicômio, não passam de desculpa para aquele verniz de "imagens encontradas", popularizado por Atividade Paranormal, mas termina como recurso estético e nada mais.

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Seria uma cena perdida de 9 1/2 Semanas de Amor?

Por sinal, vale uma salva de palmas para a habilidade em atrair talento e não fazer nada com ele demonstrada pelo diretor. Além do pobre Scott, também dá as caras (entrando mudo e saindo calado) o grande Djimon Hounsou; o veterano de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres original, Peter Andersson; e Alison Lohman, em uma ponta brevíssima como uma paciente mental, que obviamente só visitou o set e colocou um figurino por ser casada com Neveldine – seu último filme foi justamente Gamer, de 2009, quando conheceu o maridão atrás das câmeras. Renascido das trevas, por sinal, é Michael Paré, o quase-galã do semi-clássico oitentista Ruas de Fogo, em cena feito um raio. Sobra para o incrível Michael Peña a tarefa de ser o… errr… protagonista da coisa, como o padre de Los Angeles que acompanha um cardeal do Vaticano no bendito exorcismo que fecha o filme. Mas Peña, honestamente, faz o que pode com tão pouco – melhor correr para o cinema e vê-lo em ação em Homem-Formiga, ainda dá tempo!

Exorcistas do Vaticano insere-se, para o bem ou para o mal, em uma longa tradição de filmes que apresentam o ritual – de O Exorcista, que em 1973 tornou-se o melhor filme de terror da história, a Livrai-nos do Mal, lançado ano passado com Eric Bana, você pode ler minha lista com os melhores do gênero aqui. Portanto, traz um exorcismo… mas a cerimônia para desencapetar Angela parece fazer parte de um filme completamente diferente. É como se Neveldine pensasse, "Ah, para o inferno com isso tudo", abandonasse o tom semi-sério usado até então e chutasse o balde até a China. A coisa deixa de ser um filme com câmeras na mão e imagens de monitor para abraçar explosões e efeitos especiais bizarros, levando a trama para um lado esquisito e uma conclusão totalmente inesperada – não necessariamente melhor, diga-se. Sam Raimi me disse uma vez que o terror é o melhor gênero para cineastas que querem rodar o mundo: "Mesmo quando é ruim, ainda pode ser apreciado", disse, sem um pingo de ironia. Mas para isso, no mínimo, seu filme de terror deve provocar… medo! O memorando de Mark Neveldine deve ter parado na caixa de spam.

Exorcistas do Vaticano | Trailer legendado

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.