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5 acertos de Guerra Civil – e como a DC no cinema pode aprender com eles

Roberto Sadovski

01/05/2016 19h45

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Capitão América: Guerra Civil acaba de cravar a maior estreia de um filme no Brasil, deixando Batman vs Superman, que havia batido a marca mês passado, comendo poeira. Mas não é a única maneira que a aventura da Marvel tem atropelado o filme da DC – uma briga que começou faz tempo. Embora esteja longe de ser um fracasso financeiro, já que acumula quase 900 milhões de dólares nas bilheterias mundiais, o filme que reúne o Homem de Aço e o Cavaleiro das Trevas foi um passo capenga na criação do universo expandido que o estúdio esperava, numa tentativa de rivalizar com a Marvel, que já caminha para seu sucesso número treze. Os sinais de problemas no horizonte são claros.

A começar pela total falta de liderança no front Warner/DC para ver quem vai conduzir seus heróis do papel para o cinema. O diretor de O Homem de Aço e Batman vs Superman, Zack Snyder, parecia a escolha mais óbvia. Mas seu filme, que ficou abaixo do resultado financeiro e artístico que os engravatados esperavam, o que chacoalhou as estruturas de poder nos bastidores. Snyder está filmando Liga da Justiça Parte 1 com os executivos controlando cada um de seus passos, o que pode significar um tremor criativo.

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Superman, símbolo de luz e esperança… não, espera!

Para ter uma ideia da falta de liderança, Ben Affleck já pediu (e ganhou) controle total de seu Batman, que ele deve dirigir além de vestir mais uma vez o capuz do morcego. Flash, com data de estreia para março de 2018, perdeu seu diretor, Seth Grahame-Smith, com as "diferenças criativas" como justificativa. James Wan, responsável por Invocação do Mal e Velozes & Furiosos 7, está a um fio de deixar o comando de Aquaman, justamente para não enfrentar problemas com a chefia do estúdio – a essa altura, Aquaman precisa muito mais de Wan do que o contrário. A essa altura, só Esquadrão Suicida e Mulher-Maravilha, ambos já encaminhados, podem apontar um respiro para o futuro dos personagens da DC no cinema.

Não faria mal os donos da bola no campo de Batman, Superman e cia. espiarem o quintal do vizinho com mais atenção. Capitão América: Guerra Civil, é um triunfo artístico que funciona tanto como bom cinema quanto como parte da tapeçaria costurada pela Marvel em seu universo cinematográfico. Os responsáveis pela DC, criativamente e também os sujeitos contando as moedinhas, podem aprender ao observar alguns elementos básicos no caldeirão comandado pelos irmãos Anthony e Joe Russo em Guerra Civil e pelo produtor Kevin Feige. Para facilitar, aqui vão cinco passos básicos que, na falta de um título melhor, a gente pode chamar de "um bom começo".

1- Entenda quem são e como funcionam seus personagens

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O Gavião Arqueiro tem um arco completo… o Gavião Arqueiro!!!

Balancear um filme com múltiplos personagens não é tarefa fácil. Fica ainda mais complicado quando eles tem origem em outra mídia e, em maior ou menor grau, são familiares ao público. Guerra Civil consegue resolver o problema de maneira inteligente e sutil. Os irmãos Russo entendem seus personagens e lhe entregam um arco completo, dos protagonistas (Capitão América e Homem de Ferro) a coadjuvantes com pouco tempo em cena (Homem-Aranha e Gavião Arqueiro, por exemplo). Todos agem obedecendo o que já foi apresentado não só em filmes anteriores, mas em toda sua história nos quadrinhos e em outras mídias.

A batalha no aeroporto, cena de Guerra Civil que já nasce clássica, é o melhor exemplo. São doze (!) super-heróis no maior quebra-pau, mas toda a ação é compreensível, todos usam suas habilidades de maneira inteligente (e em conjunto), e o desenrolar da cena tem consequências narrativas reais. Agora, se alguém puder explicar o que o Batman (que mata geral), o Superman (que não gosta de ser super) e a Mulher-Maravilha (que… bom, ela salva a coisa, não?) estão fazendo no clímax do filme de Zack Snyder, lutando com aquele genérico de troll da caverna de O Senhor dos Anéis, fico agradecido…

2- Respeito é fundamental

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Esse é Jimmy Olsen. Ele morreu no cinema…

Existe um papo mais velho que o mundo quando o assunto é adaptar personagens de outras mídias para o cinema – histórias em quadrinhos em particular: não importa as mudanças para a narrativa, sua "essência" precisa estar ali. São traços fundamentais que identificam cada personagem, como o Batman que jamais tira uma vida, a raiva deixando o Hulk mais forte ou o Superman sendo sempre um símbolo de esperança. Quando o Homem-Aranha é apresentado em Guerra Civil, ele chega como o moleque inseguro que não para de fazer piadas para compensar a adrenalina: basta isso e já sabem quem está ali! As HQs tem a vantagem de trazer uma narativa construída ao longo de décadas. Um filme não tem esse luxo, então respeitar quem são e de onde vem os personagens é fundamental para que o público os reconheça de imediato.

Respeito também se estende para quem não está em cena. Caso em questão: Jimmy Olsen em Batman vs Superman. Para quem acompanha as aventuras do Homem de Aço, o fotógrafo do Planeta Diário é parte fundamental da construção de sua personalidade. É o moleque que traz a identificação com o leitor mais jovem e também é uma lembrança constante por quem o Superman está lutando. O que Zack Snyder fez em seu filme? Deu um tiro no rosto de Olsen (agora também agente da CIA), eliminando a possibilidade de ele ser usado dentro desse universo da DC por outra equipe criativa. "Ele não tinha espaço em nossos planos", diz Snyder. "Mas não significa que não pudéssemos nos divertir com ele." Grande diversão, uma bala no crânio…

A Marvel, por outro lado, tem dezenas de personagens que ainda não ganharam sua vez no cinema, como Rick Jones (responsável pela transformação do Hulk, ex-parceiro do Capitão América), o asgardiano Balder, Donald Blake. Todos com maior ou menor importância nos gibis, mas que não tiveram espaço nos filmes. Isso não significa que um diretor tenha o direito de eliminá-lo por achar "divertido". Não tem espaço? Ora, não o coloque no filme. A morte de Jimmy Olsen (e eu só fui descobrir que era mesmo ele quando vi os créditos) é um dos sintomas mais emblemáticos da falta de respeito com os personagens em Batman vs Superman.

3- A chave é não ter pressa e saber qual o destino

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Oi, Thanos! A gente se vê em 2018…

Desde o primeiro Homem de Ferro, quando Sam Jackson deu as caras numa cena pós-créditos, ficou claro o plano da Marvel não só em expandir seu tabuleiro, como também interligar todos os jogadores. Isso exigiu paciência, planejamento, talento e uma dose cavalar de risco. Mas valeu a pena. Eu comparo a jornada dos heróis da Marvel no cinema com a série Arquivo X: cada episódio funciona individualmente, mas todos obedecem a uma trama maior. Desde o primeiro Thor existe a sugestão de forças cósmicas ameaçando a galáxia. Tivemos um primeiro vislumbre de seu arquiteto, Thanos, em Vingadores, de 2012. As Jóias do Infinito, objeto de poder buscado por Thanos, tiveram sua história debulhada aos poucos, trama que será concluída em dois Vingadores: Guerra do Infinito, em 2018 e 2019. Uma jornada narrativa de uma década.

O Homem de Aço, por sua vez, foi lançado em 2013 sem a menor pista de que seria um primeiro passo para algo maior. Já Batman vs Superman chegou com os canhões disparando para todas as direções, sendo menos um filme e mais um trailer gigante das "atrações que estão por vir". Se Zack Snyder (e os executivos do estúdio) fossem mais espertos, poderiam enxugar uns 40 minutos de filme, jogar algumas pistas sem implicar a história e continuar construindo esse universo aos poucos, com Esquadrão Suicida, Mulher-Maravilha e, por que não, continuar a jornada de outros heróis antes de Liga da Justiça. Do jeito que está, a impressão é que não existe um plano a não ser o financeiro: "Precisamos ganhar o dinheiro que a Marvel ganha".

4- Aguçar o apetite com pistas do que está por vir

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Por falar em aguçar o apetite….

 

Sim, pode ficar até o final de Guerra Civil: são duas cenas pós-créditos, ou stings, como chamam na gringa. A primeira depois dos créditos formais, a segunda quando terminam todas as letrinhas bacanas (onde você vê quem fez parte da equipe brasileira que trabalhou no longa). É aí que a Marvel faz seu comercial, mostrando pistas de filmes que estão no horizonte, usando um "fulano vai voltar" ao melhor estilo James Bond. Isso se tornou regra em todos os filmes do estúdio, seja para dar uma gostinho do filme a seguir, seja para colocar mais uma peça no quebra-cabeças de uma trama mais abrangente. É assim que se faz!

Sabe como não se faz? Basicamente dando pause em seu filme para que um personagem abra um laptop, um arquivo em mp4, e mostre três outros heróis, que tem zero relação com a trama se desenrolando. De maneira gratuita, pobre e constrangedora. Batman vs Superman podia, como já disse, cortar as "sequências de sonho", criar um sting dando uma pista do que pode vir. Podia, por exemplo, fazer com que o Flash apareça para o Batman falando de uma ameaça do futuro depois de concluir a trama. Aguçar o apetite. Além da maneira nada criativa que a DC planta pistas em BvS, ficamos com a justificativa mais pobre do mundo para o Batman e a Mulher-Maravilha reunir outros meta humanos: "Sinto que precisamos", diz o Morcegão. Ah, vá!

5- São super-heróis, faça com que o filme seja divertido!

Marvel's Captain America: Civil War L to R: Director Anthony Russo, Chadwick Boseman (Black Panther), Sebastian Stan (Winter Soldier) and Director Joe Russo filming a scene on set. Photo Credit: Zade Rosenthal © Marvel 2016

É assim que se faz…. literalmente!

Muitos fãs confundem "diversão" com "comédia". Longe disso. Nem todo filme precisa ser Deadpool para deixar a plateia eufórica. A série X-Men, em especial os filmes dirigidos por Bryan Singer, abordam temas sóbrios, paralelos com questão relevantes no mundo real. Ainda assim, todos os filmes são divertidos, com momentos de leveza que humanizam a ação e os personagens. O próprio Guerra Civil trata de temas sérios e atuais, como responsabilidade, violência e controle do estado. Mas nunca esquece que é um filme de super-heróis com roupas coloridas.

Batman vs Superman, por sua vez, é um tijolo. Seus realizadores confundem seriedade com violência, realismo com escuridão, e sugam de cada fotograma todo senso de diversão que o filme pode ter. Não existe prazer, não existe crescendo, só bombardeio sensorial. Isso não é cinema, muito menos uma aventura de super-heróis. Por isso a DC está reavaliando seus passos, mexendo no tabuleiro, trocando diretores, tentando encontrar um capitão para um navio à deriva. A fórmula não é assim tão complicada. Basta olhar para o lado e copiar, na cara de pau, as lições ensinadas pela concorrência. Às vezes funciona.

Ah, leia o que eu achei de Capitão América: Guerra Civil aqui.

Aproveite e leia também meus dois centavos sobre Batman vs Superman: A Origem da Justiça aqui.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.