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O Grande Gatsby é um festival de equívocos bonito de se ver

Roberto Sadovski

10/06/2013 03h12

 

O Grande Gatsby, que F. Scott Fitzgerald publicou em 1925, é um conto sobre excessos. Sobre a grandiosidade de nossos sonhos, o gigantismo de nossa ambição, o tamanho de nossa queda. Baz Luhrmann entendeu tudo errado. Sua versão de O Grande Gatsby, quarta adaptação do livro para o cinema (a primeira, de 1926, teve suas cópias perdidas; a de 1974 teve Robert Redford e Mia Farrow), é histérica, exagerada e, embora visualmente linda, é vazia. Não traz nada que Fitzgerald tenha expressado em suas palavras. Mais preocupado em decorar seus cenários e exibir seus figurinos extravagantes, Baz deixou seu elenco à deriva. E este foi seu maior pecado.

Leonardo DiCaprio demora, por sinal, a surgir em cena como Gatsby. Novo rico numa Nova York anterior à queda da bolsa de valores, corrompida pelo comércio ilegal de bebida que imperava durante a Lei Seca, ele surge na vida de Nick Carraway, seu vizinho pobre, que tenta galgar as escadas de Wall Street. Nick (que neste filme foi travestido de escritor) é atraído ao mundo de Gatsby, mas este tem objetivo claro: se reaproximar de Daisy, prima de Nick, casada com o herdeiro milionário Tom Buchanan. Neste mundo de intriga, desejo, traição e assassinato, Fitzgerald teceu um conto sobre o preço cobrado pelo "sonho americano" e como a obsessão em traçar um futuro perfeito – e pagar o que for preciso por ele – pode ter consequencias trágicas. A apatia de Tobey Maguire como Carraway só encontra paralelo na preguiça expressa em Carey Mulligan, que surge como a riquinha indecisa Daisy. O único ator que dá fôlego ao filme é Joel Edgerton: no papel de Tom Buchanan, ele parece entender exatamente seu lugar no tabuleiro do mundo dos anos 20, quando as tradições estremecidas pela Primeira Guerra entram em choque com o mundo do jazz, da emancipação feminina e do amanhã brilhante nos Estados Unidos. Tudo, claro, interrompido em 1929 quando o país quebrou.

Será que Leo está desconfortável ao ver essa versão de O Grande Gatsby?

A culpa aqui recai unicamente nos ombros de Baz Luhrmann, que em nenhum momento retira de seu elenco emoção genuína. DiCaprio, um dos melhores atores de sua geração, surge estático, confundindo mistério com falta de expressão. A Nova York dos anos 20, por sinal, se torna um pesadelo de CGI, experimentando uma reconstrução digital tão inadequada e artificial quanto o carrão amarelo que desafia as leis da física pelas ruas da Grande Maçã. As festas na mansão de Gatsby merecem consideração à parte. Com a vontade de retratar a loucura dos anos 20, Luhrmann se preocupou em coreografar espetáculos grotescos tão gritantes que é fácil se distrair e esquecer que uma história está sendo contada. É difícil também entender de onde veio a idéia de colocar uma trilha sonora "moderna" – um dos produtores do filme é o rapper Jay Z, então vender música devia estar nos planos.

Com tanta evidência, é difícil  imaginar um diretor mais inadequado para levar a obra de Fitzgerald para o cinema. Romeu + Julieta (outra ópera de exageros) e Moulin Rouge (uma declaração de amor que talvez seja o filme que melhor usa sua sensibilidade) atrairam o olhar de Hollywood para o diretor australiano. O romance piegas Australia torceu narizes. O Grande Gatsby acertou na trave. Mesmo artisticamente deficiente, foi um sucesso nas bilheterias. Chegando aos cinemas entre pesos pesados como Homem de Ferro 3 e Além da Escuridão: Star Trek, até o momento soma 280 milhões de dólares em todo o mundo. Assim como Nick Carraway, todos querem saber quem é Gatsby. Ao contrário de Nick, fiel ao amigo até o fim, será difícil achar quem se importe quando as luzes se acendem.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.