Topo

(Re)veja os filmes de Guillermo Del Toro antes de mergulhar no mundo de Círculo de Fogo

Roberto Sadovski

06/08/2013 20h13

Guillermo Del Toro é um dos sujeitos mais bacanas do cinemão. Eu o conheci em 2004, quando ele lançava Hellboy. Dois anos depois, na Comic-Con de 2006, Guillermo me convidou para o jantar mais surreal que já tive na vida – e que terminou altas madrugadas, comigo, ele, Frank Darabont, Mike Mignola, Gale Anne Hurd e James Gandolfini papeando sobre ficção científica, gibis e o brilhantismo de O Planeta dos Macacos (o original, claro). A gente manteve contato esporádico nesse tempo, mas Guillermo é sempre absurdamente entusiasmado para falar de seus projetos – são tantos que ele parece nunca dormir.

Círculo de Fogo, que estréia sexta (e eu coloco a crítica aqui até lá) é mais um exemplo de seu talento absurdo para misturar os elementos que ele tanto curte – monstros, política, o estado das coisas – com personagens identificáveis, falíveis, ora nobres, outros nem tanto. Em resumo: humanos. Círculo de Fogo pode ser o ápice dessa mistureba, e num filme com robôs gigantes e monstros abissais saindo no braço, não teria como ser diferente. Mas observando a carreira de Guillermo, aventura segue a linha que ele elegeu trilhar. Para os fãs do bom cinema, é sempre um prazer assistir a mais uma de suas histórias.

Mas é bom chegar ao cinema preparado. Para isso, eu passei o fim de semana revendo os filmes que ele dirigiu para preparar o dossiê a seguir. Assista, comente e descubra o cinema de Guillermo Del Toro. É uma viagem sempre certa… Qual seu favorito?

 

CRONOS

(1993)

Depois de começar a carreira na TV mexicana, Guillermo escancarou suas paixões logo em seu primeiro filme. Cronos é uma fábula elegante e moderna sobre vampiros, a batala de um homem comum "infectado" com vampirismo que precisa escolher entre a eternidade e o destino de qualquer mortal. É uma estreia forte, com equilíbrio perfeito de palavras e imagens, não raro grotescas e fascinantes. Cronos também começou a relação de Del Toro e Ron Perlman, que se tornou seu talismã cinematográfico. Foi o filme que o colocou no mapa e abriu as portas do cinemão para sua inteligência, sensibilidade e talento.

MUTAÇÃO

(Mimic, 1997)

A estreia de Guillermo Del Toro no cinema americano não foi sem dezenas de percalços. Novato nas armadilhas hollywoodianas, ele não teve direito ao corte final de seu filme, e viu sua visão dos perigos da ciência usada sem responsabilidade reduzida a um slasher com monstros perseguindo a mocinha gritalhona. Ainda assim, Mutação surge acima da média, com Mira Sorvino no papel de uma cientista que modifica insetos geneticamente para combater uma praga em Nova York. Anos depois, os bichos, criados para morrer em poucos meses, evoluíram para uma nova forma de vida que tenta imitar o ser humano e tomar nosso lugar como raça dominante na Terra. Em 2011 Guillermo conseguiu recuperar um pouco de sua visão com o lançamento de uma versão do diretor de Mutação, mas seu final ambicioso, que ele relata em um dos extras do blu ray, sequer foi filmado. Uma pena. Ao menos a cena em que duas crianças abelhudas são estraçalhadas por uma das criaturas permanece no lugar – até na versão original.

A ESPINHA DO DIABO

(El Espinazo del Diablo, 2001)

Decepcionado com Hollywood, Guillermo foi ao Velho Continente para seu projeto seguinte: uma história de terror, de "casa assombrada", com ecos políticos e os horrores da Guerra Civil espanhola. O ano é 1939, o conflito está no fim, e órfãos de combatentes convivem num orfanato no meio do nada. Mas o lugar é assombrado por duas presenças: a primeira, uma bomba que caiu em seu pátio e não detonou; a segunda, o espectro de um menino morto, o crânio aberto em um filete de sangue. É a relação entre os dois fenômenos que um garoto recém chegado no lugar vai explorar – com consequências terríveis. Auxiliado por imagens terríveis e elegantes, Guillermo revelou em A Espinha do Diabo um terror inquieto e tenso, que explode em violência de maneira abrupta e mostra que, para os fantasmas que criamos, não há descanso.

BLADE II

(2002)

De volta a Hollywood, Del Toro achou o veículo perfeito para desfilar suas criações monstruosas e sua câmera sempre com imagens belíssimas: a continuação de Blade, filme que colocou a Marvel nos trilhos no cinema em 1998. Mas tudo nesta segunda aventura do daywalker é superior à primeira tentativa: a trama, que coloca Blade como aliado relutante dos mesmos vampiros que ele jurou exterminar; a ameaça, uma evolução dos vampiros capaz de destruir o planeta em pouco tempo; e o elenco, mais uma vez com Ron Perlman roubando a cena. Em Blade II, Guillermo mostrou ser totalmente capaz de lidar com o espetáculo de uma superprodução em Hollywood, e também aprendeu a lidar com as pessoas que assinam os cheques, mantendo sua integridade artística e sua visão criativa.

HELLBOY

(2004)

Talvez a parceria Mike Mignola/Guillermo Del Toro seja a mais perfeito de uma adaptação de quadrinhos para o cinema. Mignola, envolvido desde o começo com o filme baseado em sua maior criação, confiou plenamente em Del Toro com um "Hellboy nos gibis é meu, mas no cinema você pode fazer o que quiser com ele". Não poderia ter confiado num cineasta melhor. Com total liberdade para escolher o elenco e escrever a história, o diretor escalou Ron Perlman para viver o personagem-título, uma cria do inferno trazida à Terra em um ritual macabro nazista, mas adotado por um cientista e criado nos Estados Unidos. É como John McClane, de Duro de Matar, com chifres serrados, vermelho e com cauda. Trazendo um insuspeito bom humor à sua salada cinematográfica, Del Toro fez de Hellboy um favorito dos fãs e criou, por tabela, um dos filmes baseados em quadrinhos mais completos que o cinema já viu.

O LABIRINTO DO FAUNO

(El Laberinto del Fauno, 2006)

A vontade de contar suas próprias histórias fez Guillermo voltar para a Espanha e rodar o que talvez seja seu melhor trabalho. Esta fábula, que nasceu em meio à violência do fim da Guerra Civil espanhola e o começo do governo de Francisco Franco, coloca uma menina vivendo com a mãe e o padrasto, um militar violento e autoritário, em meio a uma base no meio da floresta. Talvez para fugir da realidade – ou quem sabe visitando de fato um mundo paralelo – a menina, Ofelia, descobre por meio de um fauno que habita o labirinto em meio às árvores que ela é a princesa de um reino subterrâneo. Tudo que ela quer é escapar dali, voltar para "casa", e a jornada é tanto física quanto metafísica, ocorrendo na fissura de mundos entre a realidade e o sonho. O Labirinto do Fauno não é menos que uma obra-prima, um filme de beleza delicada e violência avassaladora, de sonhos e pesadelos, em que a realidade pode ser mais convidativa quando estamos com os olhos fechados. Talvez para sempre.

HELLBOY II: O EXÉRCITO DOURADO

(Hellboy II: The Golden Army, 2008)

O retorno de Guillermo Del Toro ao mundo de Hellboy resultou em uma aventura em que os delírios lovecraftianos do filme anterior cedem espaço a um mundo de contos de fadas. E, como em todo bom conto de fadas, o perigo é real, a morte é presente e o futuro está amarrado nas ações do passado. Hellboy se vê em meio à rebelião do príncipe de um mundo escondido. Disposto a quebrar a trégua estabelecida milênios atrás por seu pai e a raça humana, ele quer deixar as sombrar e emergir triunfante sobre as ruínas da civilização humana – devastada pelo "exército dourado" do título. Nunca uma aventura com Bem e Mal definidos como preto e branco, Hellboy II é ambíguo e espetacular em suas opções narrativas, nunca escolhendo o óbvio, criando um clímax brilhante (que, sério, precisa de mais e mais filmes) e criaturas tão letais quanto belas. Uma característica que Guillermo Del Toro levou, em grande escala, para o mundo de Círculo de Fogo.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.