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Aos 50 anos, o cineasta Alejandro González Iñárritu prepara uma comédia e continua a explorar a condição humana

Roberto Sadovski

15/08/2013 06h43

O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu completa hoje 50 anos. Ao lado dos colegas – de profissão e de pátria – Guillermo Del Toro e Alfolso Cuarón, Iñárritu é um dos cineastas latinos mais interessantes em atividade no cinemão. E também um dos mais densos e, por muitas vezes, pomposos. Enquanto Cuarón e Del Toro abraçaram a fantasia e a ficção científica em sua obra, Alejandro mergulhou fundo no realismo, nas relações humanas e no lado feio que todo mundo tem, mas a maioria prefere manter oculto. Ano que vem, porém, ele parece que vai aliviar. Seu próximo filme é Birdman, que embora mantenha a visão peculiar sobre o ser humano, como ele enxerga a si mesmo e como ele reage quando o mundo insiste em bater, é o mais próximo de uma comédia na carreira do cineasta.

Carreira esta que começou com uma paulada. Em 2000, ele e o roteirista Guillermo Arriaga entrelaçaram três contos sobre a condição humana no excepcional Amores Brutos. O drama, que marcou também a estréia do ator Gael García Bernal, tem como ponto de partida um acidente de carro – evento que se desdobra em três narrativas distintas que revelam uma visão pessimista do mundo, com temas como deslealdade e redenção permeando a narrativa. Foi um estouro, que colocou Iñárritu e Arriaga no mapa do cinemão internacional, arrebatou dezenas de prêmios e uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Sean Penn e Naomi Watts como almas em choque em 21 Gramas

21 Gramas, de 2003, colocou o diretor no coração de Hollywood. Assim como Amores Brutos, o novo filme usa um evento (também um acidente de carro) para interligar a vida de várias pessoas. Apesar do ar de repetição, Iñárritu – mais uma vez em parceria com Arriaga – conseguiu criar um drama emocionante, em que cada personagem se desdobra em várias camadas, reveladas em uma narrativa brilhante de técnica perfeita: a montagem de 21 Gramas, que conecta eventos com linhas temporais dissonantes, funciona como um personagem paralelo, um observador casual que, ao se distanciar, consegue traçar um quadro perturbador de um recorte da América.

Seu projeto seguinte, lançado em 2006, foi o mais ambicioso e também o mais irregular até então em sua carreira. Babel conta, de maneira aparentemente desconexa, três tramas que teimam em se unir. Com o prestígio de seus trabalhos anteriores, o diretor espalhou sua trama pelo mundo, ambientando Babel no Marrocos, Japão e na área da fronteira entre Estados Unidos e México. Mas a trama não deu liga: em algum lugar de Babel existe um filme brilhante esperando para ser contado por inteiro. A insistência no formato de suas produções anteriores, porém, prejudicou a "mensagem" da barreira linguística proposta pelo filme. É um filme-tese: funciona perfeitamente no papel, mas só é completo na trama no Marrocos, que mistura um casal de turistas americano (Brad Pitt e Cate Blanchett), um tiro disparado à distância e o desespero da falta de comunicação que pode resultar em vida ou morte. Nesse segmento, Iñárritu mostra seu talento narrativo, traduzido numa tensão cada vez mais aguda e numa angústia que não encontra paralelo nas outras tramas, deslocadas e acadêmicas.

Brad Pitt reflete o desespero de Babel

Talvez Babel tenha sido prejudicado pela igualmente pesada tensão nos bastidores. O filme marcou o rompimento de Iñárritu e Guillermo Arriaga: uma discussão sobre os créditos autorais de um filme, que o roteirista acredita compartilhar totalmente com o diretor, visão que vai de encontro aos princípios de Iñárritu, terminou com o cineasta barrando a presença de seu parceiro na sessão do filme durante o Festival de Cannes em 2006. O rompimento, ao que parece, é definitivo. Talvez este clima tenha refletido em Biutiful, uma co-produção entre Espanha e México lançada em 2010 com Javier Bardem no papel de um homem guiado pelo espectro de sua doença terminal. O ator entrega uma interpretação magistral em um filme basicamente sobre culpa e morte. Iñárritu, porém, recusa-se em deixar a trama respirar e pesa a mão como um tijolo. O resultado é um filme com zero esperança, uma jornada ao abismo que em nenhum momento traz algum brilho de redenção.

O que fez de sua escolha para dirigir Birdman, no mínimo, inusitada. A trama é metalinguagem pura: Michael Keaton faz um astro do cinema que, em seu auge, ficou famoso ao interpretar um super-herói nas telas. Reduzido à lembrança de seu papel icônico, ele tenta dar a volta por cima em uma peça da Broadway, atropelando não apenas seu próprio ego, como também o de um jovem astro que reflete ele próprio anos antes: arrogante e prepotente, o sujeito ameaça derrubar o projeto. Para refrescar a memória, Keaton praticamente inaugurou a era moderna dos super-heróis no cinema com Batman, que Tim Burton dirigiu em 1989, e sua sequência de 1992. Na época, então a glória dos salários inflados dos astros hollywoodianos, Keaton jogou seu cachê para o alto, mas viu sua estrela diminuir quando, longe da série do Homem-Morcego, suas bilheterias empalideceram.

Michael Keaton no set de Birdman

 

Em Birdman – que traz Edward Norton, Emma Stone, Naomi Watts e Zach Galifianakis no elenco -, Keaton é acompanhado pelo personagem-título, um sujeito com roupa de super-herói que, antes de mais nada, seria a tradução live action perfeita para o Falcão Azul, antigo companheiro do Bionicão na animação da Hanna-Barbera. Sua presença é um mistério que pode ser eco de sua glória passada reverberando em sua mente, alucinação ou um flashback. Vai saber, já que o filme sequer tem um trailer e tudo que o público viu foram fotos do set em Nova York. O clima non sense, entretando, sugere que Alejandro González Iñárritu aprendeu a sorrir. Todo o jogo hollywoodiano é campo fértil para a paródia, mas somado a isso Birdman sugere ter mais profundidade do que aparenta. Aos 50 anos, o diretor parece ainda ter muito a dizer.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.