Roland Emmerich destroi a Casa Branca (mais uma vez...) em O Ataque
Alguém já disse isso antes, então vamos lá: Roland Emmerich detesta a Casa Branca. Ele a explodiu em Independence Day, congelou em O Dia Depois de Amanhã e, exagero total, jogou um porta-aviões em cima em meio a um tsunami em 2012. Refinando a arte de deixar a residência do presidente americano em pedaços, o diretor alemão a redu a pó mais uma vez em O Ataque. O título original do filme, "A Queda da Casa Branca", não deixa muita margem para dúvidas.
Sejamos justos, o endereço 1600 Pennsylvania Avenue, em Washington, não é o único alvo da fúria demolidora de Emmerich. Em sua carreira, iniciada ainda como estudante de cinema com a ficção científica O Princípio da Arca de Noé, lançado em 1984, ele se especializou em destruir muitas coisas: marcos históricos, ideologias, lógica, história, física… a lista é longa. Mas uma coisa é certa. Ele se diverte um monte fazendo exatamente isso. E, não raro, o público embarca junto na coisa. Sua carreira foi galgada aos poucos, um sucesso por vez, um orçamento maior por vez, passando de um cinema artesanal e tosco até ter grana e tecnologia de ponta em sua missão de detonar o mundo.
O Ataque é, por sinal, um filme divertidíssimo. Não faz o menos sentido, claro, mas em pouco mais de duas horas Emmerich envolve com uma trama absurda sobre terroristas domésticos dominando a Casa Branca, deixando um candidato reprovado ao serviço secreto (Channing Tatum) com a missão de salvar não só o presidente (Jamie Foxx) como também sua filhinha, que está entre a dezena de reféns nas mãos dos malvadões. Com esse fiapo de história, o diretor faz seu "Duro de Matar na Casa Branca" com apetite voraz, apelando para clichês batidíssimos e emoções baratas, num sentimentalismo que só não estraga a coisa porque, claro, é um filme de Roland Emmerich.
Por sinal, que tal lembrar o que ele já fez? Apelando para a memória, vamos fazer uma viagem no tempo com a carreira do alemão que adora explodir os Estados Unidos – e nem por isso é chamado de terrorista…
O PRINCÍPIO DA ARCA DE NOÉ (1984)
JOEY – FAZENDO CONTATO (1985)
A CAÇA AOS FANTASMAS (1987)
Eu joguei seus três primeiros filmes no mesmo balaio porque eles são a) difíceis de encontrar e b) uniformemente ruins. Arca de Noé, uma ficção científica mequetrefe (que, por sinal, está disponível na íntegra no You Tube) traz a arrogância de um moleque que acha que sabe do que está falando. Emmerich tinha 26 anos e estava cursando cinema quando cometeu o filme em 1981 – uma das produções mais caras realizadas em circuito universitário, que chegou a ser exibida no Festival de Berlim em 1984. Mas é uma tremenda bobagem, mesmo que a escala épica de seus filmes já espie pelo corredor. Joey – Fazendo Contato eu lembro de ter assistido na época do VHS e das locadoras de bairro. É qualquer nota, mas a história do boneco possuído que assombra um moleque tem potencial. Aparições voltam em A Caça dos Fantasmas, e as semelhanças com Os Caça-Fantasmas não são mera coincidência. Grotesco, mas cumpriu seu papo. O que nos leva a…
ESTAÇÃO 44 – O REFÚGIO DOS EXTERMINADORES (1990)
A última década do milênio estava começando, e a ambição de Roland Emmerich ficava mais e mais evidente. Com o "astro" Michael Paré liderando o elenco 100 por cento B, o diretor escancarava sua paixão pelo gênero em uma colcha de retalhos de referências sci-fi. O plot é uma mistureba com a Terra com seus recursos naturais exauridos, grandes comporações malvadas e um herói relutante tentando desvendar uma conspiração na estação 44 do título. O filme é bem ruim, mas Emmerich mostrou habilidade em construir um mundo convincente: mesmo com o orçamento apertado, existe cuidado com o design do filme, uma preocupação em fazer tudo parecer maior do que é. Estação 44 também o apresentou a Dean Devlin – aqui apenas ator, mas que se tornou seu parceiro, produtor e roteirista pela década seguinte. O filme também foi o último que ele fez em sua Alemanha natal. De olho no mercado e no futuro, seus filmes eram todos falados em inglês e passavam longe de regionalismos. Fica a dica para realizadores brasileiros. E era a hora de sair da casinha para encarar a indústria ianque com…
SOLDADO UNIVERSAL (1992)
Contratado para rodar um filme nos Estados Unidos para o produtor Mario Kassar, Emmerich levou Devlin a tiracolo – mas o projeto, Isobar, não saiu do lugar. Em vez disso, ele foi comandar Jean-Claude Van Damme e Dolph Lundgren em Soldado Universal. A grana era curta, mas o filme ganhou mais e mais fãs com a história de soldados mortos, trazidos de volta à vida como ciborgues sem vontade, máquinas de matar. Era Van Damme tentando conquistar Hollywood (não conseguiu), e Emmerich fazendo o mesmo. Mas ele conseguiu. Mesmo com os limites do orçamento o diretor construiu não só uma aventura movimentada, que mais uma vez parecia maior do que realmente era (muitas cenas à noite e muita chuva disfarçaram a precariedade do clímax da coisa), mas também deu origem a uma ficção científica cult. E longeva: Soldado Universal rendeu duas continuações direto para vídeo (ambas de 1998, com Matt Bataglia no lugar de Van Damme), uma sequencia para o cinema em 1999 (mais uma vez com Van Damme, seu último filme lançado nos cinemas americanos até Os Mercenários 2 ano passado) e, uma década depois, mais dois filmes, em 2009 e 2012. Nenhuma continuação teve o dedo de Roland Emmerich, que estava preocupado criando outra mitologia com…
STARGATE (1994)
Ninguém esperava que Stargate fosse tomar a dimensão que tomou. Lançado em outubro de 1994, com Kurt Russell e James Spader como protagonistas – ou seja, gente mais classuda que Van Damme ou Lundgren -, o filme fez uma carreira sólida nos cinemas americanos mas se tornou fenômeno no resto do mundo, faturando quase 200 milhões de dólares. Stargate transformou Emmerich numa marca, e o próprio filme teve vida longa. Três anos depois de sua estréia, a trama migrou para a TV como Stargate SG-1, e a mitologia foi expandida em livros, histórias em quadrinhos e jogos de video game. O diretor, que criou a história com Dean Devlin, cedeu os direitos da marca logo depois do sucesso nos cinemas. Ele devia imaginar que estava para criar um verdadeiro fenômeno com…
INDEPENDENCE DAY (1996)
O sucesso de Stargate, financiado de forma independente, colocou Roland Emmerich em meio ao jogo dos grandes estúdios. E foi na Fox que ele bolou uma aventura de ficção científica que encapsulou todas as idéias que ele nutriu desde 1977, quando assistiu a Star Wars no cinema. Independence Day é uma versão anabolizada dos filmes B que o diretor absorveu durante toda a vida, e é também a tentativa de criar todo um universo, assim como George Lucas fizera duas décadas antes, inspirando uma geração inteira de realizadores. Combinando trabalho com minuaturas e efeitos digitais novíssimos, a batalha pela Terra abusou dos clichês de maneira certeira, resultando em um filme empolgante, perfeito para a temporada de férias. Mas ninguém esperava que ID4 também se tornasse um verdadeiro fenômeno. Graças a uma campanha de marketing brilhante, não existia outro filme lançado durante o verão americano de 1996 que o público estivesse mais ansioso para desvendar. E foi um arraso: a aventura fechou o ano como seu filme mais lucrativo (mais de 800 milhões de dólares em caixa) e fez de um de seus protagonistas um astro global. Um tal de Will Smith… Roland Emmerich podia, enfim, escolher o projeto que quisesse. E ele decidiu dar o passo seguinte com…
GODZILLA (1998)
A idéia de ressuscitar o monstrão icônico do cinema japonês em um novo filme não era só tentadora: era inevitável para qualquer cineasta que cresceu cercado de fantasia e ficção científica. As novas tecnologias do cinema também deixaram a idéia de fazer um novo Godzilla irresistível. E Emmerich agarrou a oportunidade com tenacidade. No meio do caminho, porém, algo deu errado. Embora as filmagens seguissem sem maiores incidentes – com Matthew Broderick como o sujeito à frente do grupo que encara a destruição de Nova York ante a criatura -, a campanha de marketing apostava no mistério e na escala do ataque do monstro. Tudo era superlativo, inclusive o segredo do visual "americano" de Godzilla. Não deu outra: quando o bicho foi revelado, a decepção foi total. No lugar de uma atualização do visual clássico imortalizado no filme de 1954, o Godzilla ianque parecia um iguana anabolizado, um réptil esquisito que tentava, de forma tosca, repetir a grandiosidade dos dinossauros de Jurassic Park – a certa altura, o monstro surge "grávido" e da luz a dezenas de criaturinhas que lembram os velociraptores da aventura de Steven Spielberg. O tal escopo épico ficou no campo das idéias, já que Nova York ainda parece gigante ante o monstro correndo por entre suas avenidas. Godzilla faturou menos da metade que ID4 e terminou o ano estacionado atrás de desastres mais bem elaborados, como Armageddon, Quem Vai Ficar com Mary? (!) e O Rei da Água (!!). Emmerich, talvez cansado de mundos estranhos e criaturas fantásticas, foi então voltar no tempo com…
O PATRIOTA (2000)
Um épico sobre a Guerra da Independência Americana foi o tema escolhido por Emmerich para se recuperar de Godzilla. E o resultado foi surpreendentemente satisfatório. Não que O Patriota seja um documento histórico. Com Mel Gibson no papel principal, o filme é a jornada de um pai para salvar sua família (seu filho mais velho é interpretado por Heath Ledger) ante a revolução que se avizinha. O personagem de Gibson tem todas as tintas clássicas do herói relutante: alguém com um passado bélico que, agora, é relutante para entrar no conflito, mas se vê forçado pelas circunstâncias e por seus princípios. Apesar do exagero e da falta de nuance ao retratar o "bem" e o "mal" – representado pelo militar britânico encarnado por Jason Isaacs -, e da dezena de incongruências históricas, O Patriota é um filme digno, trazendo Mel Gibson em seu papel mais casca-grossa desde Mad Max. O drama épico deu a Emmerich suas melhores críticas e se tornou um sucesso comercial moderado. Mas ele deve ter sentido falta de destruir coisas (e lugares, e marcos históricos) e deu sequência à sua carreira com…
O DIA DEPOIS DE AMANHÃ (2004)
Roland Emmerich rompeu com Dean Devlin depois de O Patriota. Para celebrar (!), nada como um bom e velho filme-catástrofe à moda antiga. Nada de vilões bem definidos, nada de alienígenas invasores. A ficção científica O Dia Depois de Amanhã coloca a Mãe Natureza como principal adversário da humanidade, trazendo uma nova era glacial, criada com as melhores ferramentas que o cinema oferece. Como Emmerich adora colocar o "homem comum" à frente de seus filmes, desta vez o cientista interpretado por Dennis Quaid sai à frente, transformando o desastre de proporções globais na história de um pai em busca de salvar seu filho (Jake Gyllenhaal). Para isso, Nova York é atingida por um tsunami (e depois por uma nevasca), o México é invadido por refugiados americanos (olha a piscadela política bacana…) e o mundo desperta para uma nova era. Confesso: tenho um fraco por filmes-catástrofe, e revejo O Dia Depois de Amanhã sempre que pesco zapeando pelos canais. Pena que, para seu filme seguinte, Emmerich trocou a destruição em massa por uma lição de história para lá de equivocada com…
10.000 A.C. (2008)
Esta é, sem a menor dúvida, uma das maiores comédias involuntárias da história do cinema. Um dos filmes mais bocós já cometidos sob as asas de um grande estúdio. E, de longe, o maior escorregão da carreira de Emmerich. A bobagem gira e torno de uma tribo pré-histórica de caçadores de mamutes que, de alguma forma, vão parar no Egito, no meio da jornada de construção das pirâmides, com sacrifícios humanos, escravos e luta de classes para dar apimentada à mistura. O momento sublime? Quando um escravo albino é retirado de um buraco para explicar, afinal, o plot do filme, o cinema desabou em gargalhadas na sessão que eu acompanhei. Mas fica difícil levar a sério personagens com nomes tão garbosos como D'Leh, Evolet, Tic'Tic e Nakudu. Quer saber? Até deu vontade de rever 10.000 A.C. para desopilar o fígado. Emmerich, claro, riu por último quando coletou centenas de milhões de dólares com…
2012 (2009)
A profecia Maia sobre o fim do mundo (que, no final, não deu em nada, já que ainda estamos aqui…) foi combustível para Roland Emmerich elevar o nível de destruição em um filme ao máximo com a aventura 2012. E o filme é isso: a confirmação de uma grande mudança no planeta naquele ano específico, o esforço dos governos do mundo para proteger os abastados (olha a piscadela político-social de novo) e o plot centrado em John Cusack, escritor e motorista de limusine, que tenta salvar a família em meio a terremotos, maremotos, explosões de gás, continentes em chamas e até o deslocamento de todo o eixo da Terra. Visualmente, 2012 é um deslumbre, e a trama bobinha (mas super bem amarrada) ajuda a manter o interesse quando todo o resto está seguindo o caminho do dodo. E nada como ter gente do calibre de Woody Harrelson, Danny Glover e Chiwetel Ejiofor para dar credibilidade a um texto tão over. Contabilidade final: 770 milhões de dólares em caixa, segunda maior bilheteria da carreira do diretor. O que lhe deu moral para fazer um filme mais, digamos, pessoal, com…
ANÔNIMO (2011)
Quem diria que, entre desastres e aventuras fantásticas, Emmerich queria mesmo fazer… Shakespeare. Ou quase. A trama de Anônimo, lançado discretamente em 2011, foi vista por pouquíssima gente (no Brasil foi direto em DVD), rendendo mirrados 15 milhões de dólares. De produção esmeradíssima, o drama levanta uma questão defendida em alguns círculos intelectuais: e se William Shakespeare nunca tivesse existido, não passasse de um pseudônimo assumido por alguém que, à época, não poderia se envolver com algo vulgar como o teatro? Segundo a teoria, as peças do bardo seriam de autoria de um conde da corte da Rainha Elizabeth, usadas posteriormente para incitar uma rebelião contra a monarquia. Anônimo é belíssimo, mas sua trama nunca encontra fôlego. É como se Emmerich se sentisse desconfortável ao lidar com um roteiro que exige sutileza, não histeria. E histeria é a palavra-chave com…
O ATAQUE (2013)
E aqui chegamos ao fim de nossa jornada, com Roland Emmerich destruindo a Casa Branca de dentro para fora. Channing Tatum está charmoso como nunca, Jamie Foxx se diverte ao não precisar ser o herói da brincadeira, e o resto do elenco devora a teoria conspiratória apresentada por Emmerich e pelo roteirista James Vanderbilt como se não houvesse amanhã. Tudo é exagerado, e justamente por isso O Ataque é tão saboroso. Como os melhores filmes do alemão, lógica é o que menos importa na busca pelo entretenimento. Bruce Willis deve estar morrendo de inveja, já que a aventura é tudo que seu Duro de Matar: Um Bom Dia Para Morrer teria sido se não se levasse tão a sério. E por falar em levar a sério, Roland Emmerich quer ter o mundo a seus pés mais uma vez, e escolheu 2015 para celebrar: é quando estréia a primeira das duas sequências de Independence Day, quase duas décadas depois do original. O que sobrou para ele destruir? Hmmm… será que a Lua faria falta?
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.