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Roland Emmerich destroi a Casa Branca (mais uma vez...) em O Ataque

Roberto Sadovski

23/08/2013 08h54

Alguém já disse isso antes, então vamos lá: Roland Emmerich detesta a Casa Branca. Ele a explodiu em Independence Day, congelou em O Dia Depois de Amanhã e, exagero total, jogou um porta-aviões em cima em meio a um tsunami em 2012. Refinando a arte de deixar a residência do presidente americano em pedaços, o diretor alemão a redu a pó mais uma vez em O Ataque. O título original do filme, "A Queda da Casa Branca", não deixa muita margem para dúvidas.

Sejamos justos, o endereço 1600 Pennsylvania Avenue, em Washington, não é o único alvo da fúria demolidora de Emmerich. Em sua carreira, iniciada ainda como estudante de cinema com a ficção científica O Princípio da Arca de Noé, lançado em 1984, ele se especializou em destruir muitas coisas: marcos históricos, ideologias, lógica, história, física… a lista é longa. Mas uma coisa é certa. Ele se diverte um monte fazendo exatamente isso. E, não raro, o público embarca junto na coisa. Sua carreira foi galgada aos poucos, um sucesso por vez, um orçamento maior por vez, passando de um cinema artesanal e tosco até ter grana e tecnologia de ponta em sua missão de detonar o mundo.

Channing Tatum salva a pátria em O Ataque

O Ataque é, por sinal, um filme divertidíssimo. Não faz o menos sentido, claro, mas em pouco mais de duas horas Emmerich envolve com uma trama absurda sobre terroristas domésticos dominando a Casa Branca, deixando um candidato reprovado ao serviço secreto (Channing Tatum) com a missão de salvar não só o presidente (Jamie Foxx) como também sua filhinha, que está entre a dezena de reféns nas mãos dos malvadões. Com esse fiapo de história, o diretor faz seu "Duro de Matar na Casa Branca" com apetite voraz, apelando para clichês batidíssimos e emoções baratas, num sentimentalismo que só não estraga a coisa porque, claro, é um filme de Roland Emmerich.

Por sinal, que tal lembrar o que ele já fez? Apelando para a memória, vamos fazer uma viagem no tempo com a carreira do alemão que adora explodir os Estados Unidos – e nem por isso é chamado de terrorista…

O PRINCÍPIO DA ARCA DE NOÉ (1984)

JOEY – FAZENDO CONTATO (1985)

A CAÇA AOS FANTASMAS (1987)

O Princípio da Arca de Noé e a carreira que começou no espaço

Eu joguei seus três primeiros filmes no mesmo balaio porque eles são a) difíceis de encontrar e b) uniformemente ruins. Arca de Noé, uma ficção científica mequetrefe (que, por sinal, está disponível na íntegra no You Tube) traz a arrogância de um moleque que acha que sabe do que está falando. Emmerich tinha 26 anos e estava cursando cinema quando cometeu o filme em 1981 – uma das produções mais caras realizadas em circuito universitário, que chegou a ser exibida no Festival de Berlim em 1984. Mas é uma tremenda bobagem, mesmo que a escala épica de seus filmes já espie pelo corredor. Joey – Fazendo Contato eu lembro de ter assistido na época do VHS e das locadoras de bairro. É qualquer nota, mas a história do boneco possuído que assombra um moleque tem potencial. Aparições voltam em A Caça dos Fantasmas, e as semelhanças com Os Caça-Fantasmas não são mera coincidência. Grotesco, mas cumpriu seu papo. O que nos leva a…

ESTAÇÃO 44 – O REFÚGIO DOS EXTERMINADORES (1990)

Um dia, há muito tempo, Michael Paré foi quase um astro…

A última década do milênio estava começando, e a ambição de Roland Emmerich ficava mais e mais evidente. Com o "astro" Michael Paré liderando o elenco 100 por cento B, o diretor escancarava sua paixão pelo gênero em uma colcha de retalhos de referências sci-fi. O plot é uma mistureba com a Terra com seus recursos naturais exauridos, grandes comporações malvadas e um herói relutante tentando desvendar uma conspiração na estação 44 do título. O filme é bem ruim, mas Emmerich mostrou habilidade em construir um mundo convincente: mesmo com o orçamento apertado, existe cuidado com o design do filme, uma preocupação em fazer tudo parecer maior do que é. Estação 44 também o apresentou a Dean Devlin – aqui apenas ator, mas que se tornou seu parceiro, produtor e roteirista pela década seguinte. O filme também foi o último que ele fez em sua Alemanha natal. De olho no mercado e no futuro, seus filmes eram todos falados em inglês e passavam longe de regionalismos. Fica a dica para realizadores brasileiros. E era a hora de sair da casinha para encarar a indústria ianque com…

SOLDADO UNIVERSAL (1992)

Jean-Claude Van Damme e Dolph Lundgren em fila indiana

Contratado para rodar um filme nos Estados Unidos para o produtor Mario Kassar, Emmerich levou Devlin a tiracolo – mas o projeto, Isobar, não saiu do lugar. Em vez disso, ele foi comandar Jean-Claude Van Damme e Dolph Lundgren em Soldado Universal. A grana era curta, mas o filme ganhou mais e mais fãs com a história de soldados mortos, trazidos de volta à vida como ciborgues sem vontade, máquinas de matar. Era Van Damme tentando conquistar Hollywood (não conseguiu), e Emmerich fazendo o mesmo. Mas ele conseguiu. Mesmo com os limites do orçamento o diretor construiu não só uma aventura movimentada, que mais uma vez parecia maior do que realmente era (muitas cenas à noite e muita chuva disfarçaram a precariedade do clímax da coisa), mas também deu origem a uma ficção científica cult. E longeva: Soldado Universal rendeu duas continuações direto para vídeo (ambas de 1998, com Matt Bataglia no lugar de Van Damme), uma sequencia para o cinema em 1999 (mais uma vez com Van Damme, seu último filme lançado nos cinemas americanos até Os Mercenários 2 ano passado) e, uma década depois, mais dois filmes, em 2009 e 2012. Nenhuma continuação teve o dedo de Roland Emmerich, que estava preocupado criando outra mitologia com…

STARGATE (1994)

Kurt Russell e James Spader invadem um mundo alienígena

Ninguém esperava que Stargate fosse tomar a dimensão que tomou. Lançado em outubro de 1994, com Kurt Russell e James Spader como protagonistas – ou seja, gente mais classuda que Van Damme ou Lundgren -, o filme fez uma carreira sólida nos cinemas americanos mas se tornou fenômeno no resto do mundo, faturando quase 200 milhões de dólares. Stargate transformou Emmerich numa marca, e o próprio filme teve vida longa. Três anos depois de sua estréia, a trama migrou para a TV como Stargate SG-1, e a mitologia foi expandida em livros, histórias em quadrinhos e jogos de video game. O diretor, que criou a história com Dean Devlin, cedeu os direitos da marca logo depois do sucesso nos cinemas. Ele devia imaginar que estava para criar um verdadeiro fenômeno com…

INDEPENDENCE DAY (1996)

errr… White House Down?

O sucesso de Stargate, financiado de forma independente, colocou Roland Emmerich em meio ao jogo dos grandes estúdios. E foi na Fox que ele bolou uma aventura de ficção científica que encapsulou todas as idéias que ele nutriu desde 1977, quando assistiu a Star Wars no cinema. Independence Day é uma versão anabolizada dos filmes B que o diretor absorveu durante toda a vida, e é também a tentativa de criar todo um universo, assim como George Lucas fizera duas décadas antes, inspirando uma geração inteira de realizadores. Combinando trabalho com minuaturas e efeitos digitais novíssimos, a batalha pela Terra abusou dos clichês de maneira certeira, resultando em um filme empolgante, perfeito para a temporada de férias. Mas ninguém esperava que ID4 também se tornasse um verdadeiro fenômeno. Graças a uma campanha de marketing brilhante, não existia outro filme lançado durante o verão americano de 1996 que o público estivesse mais ansioso para desvendar. E foi um arraso: a aventura fechou o ano como seu filme mais lucrativo (mais de 800 milhões de dólares em caixa) e fez de um de seus protagonistas um astro global. Um tal de Will Smith… Roland Emmerich podia, enfim, escolher o projeto que quisesse. E ele decidiu dar o passo seguinte com…

GODZILLA (1998)

O lagartossauro invade a Grande Maçã

A idéia de ressuscitar o monstrão icônico do cinema japonês em um novo filme não era só tentadora: era inevitável para qualquer cineasta que cresceu cercado de fantasia e ficção científica. As novas tecnologias do cinema também deixaram a idéia de fazer um novo Godzilla irresistível. E Emmerich agarrou a oportunidade com tenacidade. No meio do caminho, porém, algo deu errado. Embora as filmagens seguissem sem maiores incidentes – com Matthew Broderick como o sujeito à frente do grupo que encara a destruição de Nova York ante a criatura -, a campanha de marketing apostava no mistério e na escala do ataque do monstro. Tudo era superlativo, inclusive o segredo do visual "americano" de Godzilla. Não deu outra: quando o bicho foi revelado, a decepção foi total. No lugar de uma atualização do visual clássico imortalizado no filme de 1954, o Godzilla ianque parecia um iguana anabolizado, um réptil esquisito que tentava, de forma tosca, repetir a grandiosidade dos dinossauros de Jurassic Park – a certa altura, o monstro surge "grávido" e da luz a dezenas de criaturinhas que lembram os velociraptores da aventura de Steven Spielberg. O tal escopo épico ficou no campo das idéias, já que Nova York ainda parece gigante ante o monstro correndo por entre suas avenidas. Godzilla faturou menos da metade que ID4 e terminou o ano estacionado atrás de desastres mais bem elaborados, como Armageddon, Quem Vai Ficar com Mary? (!) e O Rei da Água (!!). Emmerich, talvez cansado de mundos estranhos e criaturas fantásticas, foi então voltar no tempo com…

O PATRIOTA (2000)

Mel Gibson cavalga para a liberdade…

Um épico sobre a Guerra da Independência Americana foi o tema escolhido por Emmerich para se recuperar de Godzilla. E o resultado foi surpreendentemente satisfatório. Não que O Patriota seja um documento histórico. Com Mel Gibson no papel principal, o filme é a jornada de um pai para salvar sua família (seu filho mais velho é interpretado por Heath Ledger) ante a revolução que se avizinha. O personagem de Gibson tem todas as tintas clássicas do herói relutante: alguém com um passado bélico que, agora, é relutante para entrar no conflito, mas se vê forçado pelas circunstâncias e por seus princípios. Apesar do exagero e da falta de nuance ao retratar o "bem" e o "mal" – representado pelo militar britânico encarnado por Jason Isaacs -, e da dezena de incongruências históricas, O Patriota é um filme digno, trazendo Mel Gibson em seu papel mais casca-grossa desde Mad Max. O drama épico deu a Emmerich suas melhores críticas e se tornou um sucesso comercial moderado. Mas ele deve ter sentido falta de destruir coisas (e lugares, e marcos históricos) e deu sequência à sua carreira com…

O DIA DEPOIS DE AMANHÃ (2004)

A meteorologia é sempre falha em Nova York…

Roland Emmerich rompeu com Dean Devlin depois de O Patriota. Para celebrar (!), nada como um bom e velho filme-catástrofe à moda antiga. Nada de vilões bem definidos, nada de alienígenas invasores. A ficção científica O Dia Depois de Amanhã coloca a Mãe Natureza como principal adversário da humanidade, trazendo uma nova era glacial, criada com as melhores ferramentas que o cinema oferece. Como Emmerich adora colocar o "homem comum" à frente de seus filmes, desta vez o cientista interpretado por Dennis Quaid sai à frente, transformando o desastre de proporções globais na história de um pai em busca de salvar seu filho (Jake Gyllenhaal). Para isso, Nova York é atingida por um tsunami (e depois por uma nevasca), o México é invadido por refugiados americanos (olha a piscadela política bacana…) e o mundo desperta para uma nova era. Confesso: tenho um fraco por filmes-catástrofe, e revejo O Dia Depois de Amanhã sempre que pesco zapeando pelos canais. Pena que, para seu filme seguinte, Emmerich trocou a destruição em massa por uma lição de história para lá de equivocada com…

10.000 A.C. (2008)

Se o tigre ataca, somos poupados deste filme horrendo…

Esta é, sem a menor dúvida, uma das maiores comédias involuntárias da história do cinema. Um dos filmes mais bocós já cometidos sob as asas de um grande estúdio. E, de longe, o maior escorregão da carreira de Emmerich. A bobagem gira e torno de uma tribo pré-histórica de caçadores de mamutes que, de alguma forma, vão parar no Egito, no meio da jornada de construção das pirâmides, com sacrifícios humanos, escravos e luta de classes para dar apimentada à mistura. O momento sublime? Quando um escravo albino é retirado de um buraco para explicar, afinal, o plot do filme, o cinema desabou em gargalhadas na sessão que eu acompanhei. Mas fica difícil levar a sério personagens com nomes tão garbosos como D'Leh, Evolet, Tic'Tic e Nakudu. Quer saber? Até deu vontade de rever 10.000 A.C. para desopilar o fígado. Emmerich, claro, riu por último quando coletou centenas de milhões de dólares com…

2012 (2009)

O fim do mundo (de verdade, pra valer, tô falando sério…)

A profecia Maia sobre o fim do mundo (que, no final, não deu em nada, já que ainda estamos aqui…) foi combustível para Roland Emmerich elevar o nível de destruição em um filme ao máximo com a aventura 2012. E o filme é isso: a confirmação de uma grande mudança no planeta naquele ano específico, o esforço dos governos do mundo para proteger os abastados (olha a piscadela político-social de novo) e o plot centrado em John Cusack, escritor e motorista de limusine, que tenta salvar a família em meio a terremotos, maremotos, explosões de gás, continentes em chamas e até o deslocamento de todo o eixo da Terra. Visualmente, 2012 é um deslumbre, e a trama bobinha (mas super bem amarrada) ajuda a manter o interesse quando todo o resto está seguindo o caminho do dodo. E nada como ter gente do calibre de Woody Harrelson, Danny Glover e Chiwetel Ejiofor para dar credibilidade a um texto tão over. Contabilidade final: 770 milhões de dólares em caixa, segunda maior bilheteria da carreira do diretor. O que lhe deu moral para fazer um filme mais, digamos, pessoal, com…

ANÔNIMO (2011)

Ser ou não ser… hmmm, "não ser"?

Quem diria que, entre desastres e aventuras fantásticas, Emmerich queria mesmo fazer… Shakespeare. Ou quase. A trama de Anônimo, lançado discretamente em 2011, foi vista por pouquíssima gente (no Brasil foi direto em DVD), rendendo mirrados 15 milhões de dólares. De produção esmeradíssima, o drama levanta uma questão defendida em alguns círculos intelectuais: e se William Shakespeare nunca tivesse existido, não passasse de um pseudônimo assumido por alguém que, à época, não poderia se envolver com algo vulgar como o teatro? Segundo a teoria, as peças do bardo seriam de autoria de um conde da corte da Rainha Elizabeth, usadas posteriormente para incitar uma rebelião contra a monarquia. Anônimo é belíssimo, mas sua trama nunca encontra fôlego. É como se Emmerich se sentisse desconfortável ao lidar com um roteiro que exige sutileza, não histeria. E histeria é a palavra-chave com…

O ATAQUE (2013)

Casa Branc… opa, pegadinha! É o Congresso que está explodindo!

E aqui chegamos ao fim de nossa jornada, com Roland Emmerich destruindo a Casa Branca de dentro para fora. Channing Tatum está charmoso como nunca, Jamie Foxx se diverte ao não precisar ser o herói da brincadeira, e o resto do elenco devora a teoria conspiratória apresentada por Emmerich e pelo roteirista James Vanderbilt como se não houvesse amanhã. Tudo é exagerado, e justamente por isso O Ataque é tão saboroso. Como os melhores filmes do alemão, lógica é o que menos importa na busca pelo entretenimento. Bruce Willis deve estar morrendo de inveja, já que a aventura é tudo que seu Duro de Matar: Um Bom Dia Para Morrer teria sido se não se levasse tão a sério. E por falar em levar a sério, Roland Emmerich quer ter o mundo a seus pés mais uma vez, e escolheu 2015 para celebrar: é quando estréia a primeira das duas sequências de Independence Day, quase duas décadas depois do original. O que sobrou para ele destruir? Hmmm… será que a Lua faria falta?

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.