Ben Affleck e os fãs: um caso de amor e ódio que só faz bem para o próximo Batman do cinema
Os fãs não gostaram nem um pouco da escolha do novo Batman. Além da ameaça de boicote ao filme, uma petição foi encaminhada ao estúdio exigindo a troca do ator. Nada como um pouco de drama para adicionar emoção à turbulenta produção neste fim dos anos 80, não?
Peraí, anos 80?
Pois é, se você acha que o bafafá em torno da escolha de Ben Affleck para viver o Cavaleiro das Trevas no cinema é novidade, é bom lembrar que Michael Keaton se viu no centro de uma polêmica até maior quando Tim Burton filmou Batman, lançado em 1989. Não que tenha feito diferença então: a aventura se tornou um fenômeno, liderando as bilheterias mundiais daquele ano e recomeçando a busca dos estúdios pelo próximo herói dos gibis que se tornaria sucesso nos cinemas. Quanto a Keaton, ele hoje é lembrado como um dos grandes intérpretes do Homem-Morcego.
Não que Ben Affleck de cara seja o ator ideal para viver o Batman – e, honestamente, isso não existe. Mas para a série, para o estúdio e para o astro, Affleck foi uma escolha genial! Não lembro da última vez que um filme do gênero tenha polarizado os noticiários, e é provável que isso continue até o dia que Batman Vs. Superman (ou qualquer que seja o nome que o estúdio escolha) chegar aos cinemas. Para um ano que já caminha para entrar na história pela quantidade absurda de megaproduções agendadas, a aventura que continua o universo iniciado em O Homem de Aço ganha destaque imediato. E não apenas para os fãs. Ben Affleck é um ator que vai muito além do círculo de geeks que geralmente se preocupam com um filme com tanta antecedêcia. É roteirista e diretor premiadíssimo, e certamente não vai ficar sentado esperando sua hora de entrar em cena: já pensaram o que um crédito "escrito por David Goyer e Ben Affleck" faria com o filme?
A birra dos fãs com Ben Affleck certamente veio com Demolidor, adaptação do herói da Marvel para o cinema que sofrou interferência aguda do estúdio – a versão do diretor, hoje considerada a oficial, é infinitamente melhor que o filme lançado nos cinemas. Na época, Affleck estava firme no curso de se tornar "astro de cinema", ao contrário de seu parceiro de Gênio Indomável, Matt Damon, este apostando no rótulo de "ator sério". Ambos levaram um Oscar de melhor roteiro para casa com o drama que Gus Van Sant fez em 1997, mas Affleck optou por um caminho mais, digamos, estrelado. Depois de Armageddon, logo ele estava emendando filmão atrás de filmão, mais de olho em popularizar seu nome do que em desenvolver seu talento. E tome Forças da Natureza, Jogo Duro, Mais Que o Acaso, Pearl Harbor, A Soma de Todos os Medos, Demolidor, O Pagamento. Nem todos ruins, todos esquecíveis. Nesse período, Fora de Controle foi o único filme em que o ator se sobressaiu à celebridade. Contato de Risco e Menina dos Olhos, porém, foram a gota d'água, filmes de quinta que rendiam mais manchetes em tablóides (por conta do romance de Affleck com Jennifer Lopez) do que ajudavam sua reputação. Quando a péssima comédia Sobrevivendo ao Natal estreou em 2004, ninguém mais dava a mínima para Ben Affleck. Provavelmente nem o próprio Ben Affleck.
Então, em 2005 ele casou com Jennifer Garner, sua Elektra em Demolidor. E começou a escolher papéis pequenos em filmes pequenos, reavaliando sua carreira como ator. No ano seguinte, a crítica voltou a prestar atenção quando Affleck interpretou George Reeves, o ator que teve uma carreira melancólica e um fim trágico depois de passar a vida estigmatizado como o Superman da série de TV dos anos 50. Hollywoodland – Bastidores da Fama teve uma boa repercussão, e o ator já se sentia mais à vontade como parte de um elenco, e não como o centro das atenções. 2007 marcou a segunda virada quando ele estreou como diretor no drama Medo da Verdade. Seu relacionamento com a Warner, porém, começou em 2010, quando ele dirigiu e protagonizou Atração Perigosa, um filmaço sobre um ladrão tentando recomeçar a vida, obrigado a fazer um último trabalho. O filme custou cerca de 40 milhões de dólares e rendeu mais que o triplo, além de centenas de prêmios e uma indicação ao Oscar para Jeremy Renner. Dois anos depois, Affleck mais uma vez trabalhou dobrado (na frente e atrás das câmeras) com o eletrizante Argo, também para a Warner. 240 milhões de dólares em caixa e um Oscar de melhor filme nas mãos foi o suficiente para provar que Ben Affleck deixara a fase ruim, definitivamente, para trás.
Sua escolha para interpretar Bruce Wayne, então, pode até ser uma surpresa, mas não é nem um pouco inesperada. Não foi uma negociação inconsequente e nem uma decisão leviana. Batman é o produto mais lucrativo da Warner, Ben Affleck, atualmente é seu astro mais confiável. Com ele à bordo de Batman Vs. Superman, o estúdio adiciona peso ao filme (além de toda publicidade grátis), colocando no jogo um ator/diretor com respeito global do público e também dos críticos. Henry Cavill, o Superman, é um astros em ascensão, mas a continuação de O Homem de Aço perdeu Russell Crowe e Kevin Costner, gente que lhe dava mais credibilidade, porque seus personagens (e aqui vai um spoiler bem gordo para quem não viu o filme) estão mortos. O ator mais velho a assumir o manto do morcego, Affleck terá 43 anos quando o filme for lançado – o que é totalmente coerente com o plot do filme, que assume o Batman como um combatente do crime já calejado, uma lenda urbana em Gotham City, que vai reagir ao surgimento de um superhumano na Terra.
As negociações com Ben Affleck, segundo apuração do Hollywood Reporter, começaram ainda no primeiro semestre deste ano, quando Zack Snyder terminou seu trabalho em O Homem de Aço. Embora outros atores tenham sido considerados pelo estúdio, como Josh Brolin e Ryan Gosling, foi com Affleck que o diretor – e o produtor Christopher Nolan – traçaram um plano para a trama e o personagem. Apesar disso, a boataria dava certo que o estúdio estava disposto a colocar mais de 50 milhões de dólares nas mãos de Christian Bale para ele reprisar o papel. Pode até fazer sentido do ponto de vista comercial (a trilogia O Cavaleiro das Trevas rendeu cerca de 2.5 bilhões de dólares), mas seria um desastre narrativo. O último filme da série, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, colocou uma pedra nesta visão particular do personagem quando (e aqui seguem spoilers para quem não viu o filme) ele foi dado como morto e se mndou para a Europa com Selina Kyle, a Mulher-Gato (Anne Hathaway). A sugestão de que o policial interpretado por Joseph Gordon-Levitt herdaria o manto do morcego só serviu para mostrar que o Batman é eterno, um símbolo, como o próprio Nolan textualizou em Batman Begins, de 2005. Mas isso só funciona nessa tese em particular: o Batman é Bruce Wayne, ponto final. E Bruce Wayne é a força motriz da graphic novel Batman – O Cavaleiro das Trevas, que Frank Miller criou em 1986 e que Zack Snyder revelou como maior inspiração para seu filme.
Ben Affleck certamente não precisava voltar ao jogo dos blockbusters. Tendo passado por ele antes, e conseguido se reinventar em uma indústria voraz, ele poderia seguir sua carreira como um dos únicos sujeitos a conseguir fazer dramas para adultos em uma época em que todo filme parece mirar no entretenimento de consumo rápido. Mas ao dizer sim à Warner, ele praticamente comprou sua liberdade artística para toda a vida, podendo tocar o projeto que bem entender, encaixando mais uma aventura do Cavaleiro das Trevas entre eles (é provável que seu acordo preveja mais de um filme). Assim ganha o estúdio, que garante um talento verdadeiro sob suas asas pelo futuro (Clint Eastwood não é eterno, sabe…), e ganha o ator/diretor, que pode fazer entretenimento global – como fã de quadrinhos, certamente interpretar um Batman diferente de todos os outros teve peso em sua decisão – e manter sua integridade artística. Tudo bem que Affleck teve de deixar a direção de A Dança da Morte, adaptação do romance de Stephen King, agora sob o comando de Scott Cooper (Coração Louco). Ele ainda será ator sob a batuta de David Fincher em Gone Girl, e dirige a adaptação de Live by Night, de Dannis Lehane, antes de encarar o mundo cinematográfico da DC.
Ainda assim, os fãs chiaram. Fizeram petições. Mandaram um pedido ao presidente Barak Obama! É surpreendente como um grupo pequeno consegue fazer tanto barulho – à toa, claro. E a reclamação não faz o menor sentido. Vejamos. Fisicamente, por exemplo, Val Kilmer e George Clooney eram perfeitos para o papel do herói, e a gente sabe como Batman Eternamente e Batman & Robin terminaram. O chororô foi o mesmo quando Jon Favreau foi escolhido para dirigir Homem de Ferro (era um "diretor de comédias", afinal), e mais ainda quando ele apontou Robert Downey Jr. como Tony Stark ("Ele está acabado", muitos gritaram). Sem falar na chuva de impropérios que seguiu Heath Ledger ao ser escolhido para viver o Coringa em Batman – O Cavaleiro das Trevas – e Ledger terminou criando o que é a visão definitiva do personagem.
Todo mundo tem sua opinião, mas é bizarro ver tanto ódio em cima de um ator que já provou a que veio, para um filme que ninguém faz idéia como será, qual a trama, o tom, o texto. Julgar Ben Affleck como Batman é algo que só pode ser feito depois de 17 de julho de 2015. Antes disso, ficamos com um universo de especulações e de muita má vontade. Pelos elementos envolvidos, eu fico com o lado que enxerga o copo meio cheio. E será no mínimo fascinante ver como a Warner, a DC, David Goyer, Zack Snyder, Christopher Nolan e Ben Affleck reinventarão, mais uma vez, o Cavaleiro das Trevas no cinema.
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