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One Direction: This Is Us é um bom documentário com música muito ruim

Roberto Sadovski

04/09/2013 23h41

Não coloque a culpa no mensageiro. One Direction: This Is Us é um belo trabalho do diretor Morgan Spurlock, que ficou famoso em 2004 com o documentário Super Size Me (no Brasil, A Dieta do Palhaço, vai entender), em que ele se entupia de sanduíches do MacDonald's em nome da arte. Em um hora e meia, ele mostra a dominação global da boy band One Direction que, de eliminados da edição de 2010 do programa inglês The X-Factor, tornou-se um case de sucesso. Com a força das redes sociais, o grupo já contava centenas de milhares (milhões?) de fãs em todo o planeta antes mesmo de lançar o primeiro disco. A boa sacada de Spurlock é não tentar "entender" o fenômeno, mas simplesmente abraçá-lo e mostrar seus efeitos nos cinco rapazes do grupo. Niall, Zayn, Liam, Harry e Louis tentam manter a normalidade e algo que se assemelhe a uma rotina entre demonstrações explícitas de tietagem, gritos de fãs enlouquecidas e show lotado atrás de show lotado de sua turnê mundial (!!!).

Pena que a música que acompanha o filme seja uma porcaria.

Desde que o mundo é mundo, boy bands com quatro ou cinco moleques dispara o gatilho hormonal em adolescentes de todo o planeta, que respondem com gritos agudos e abrindo a carteira (dos pais). A pergunta sem resposta em This Is Us, portanto, nem é "como eles chegaram lá?", e sim "por que demorou tanto para surgir outro grupo assim?". De Beatles a Backstreet Boys, passando por Menudo, Dominó e aquele que só rendeu frutos a Justin Timberlake, boy bands são parte da espinha dorsal da indústria fonográfica pop. E no momento de mutação, morte e renascimento que essa mesma indústria experimenta há anos, ainda em busca de um novo modelo econômico que a sustente, o One Direction surge como um mapa da mina: é o grupo que "chegou lá" sem precisar da música. O filme de Spurlock não passa, portanto, de mais um souvenir para as mocinhas afoitas que lotam estádios, fazem vigília em aeroportos e hotéis e forram o quarto com fotos dos moleques. Faz parte da leva de produtos destinado a arrancar uma grana enquanto a febre queima.

E This Is Us nem é sutil ao assumir o fato de que a música é um detalhe. Acompanhamos o quinteto de cabelos cuidadosamente desgrenhados com suas famílias, bonding em um acampamento no meio do nada, dedicando-se, quando há tempo livre, a seus hobbies… mas em nenhum momento a música surge como motor. Ela não passa de mais um elemento do pacote – e é também a pior parte dele, já que a música da banda é pop da pior qualidade, ingênuo, sem personalidade e quase insuportável. Ainda assim, os shows do One Direction são empolgantes e a platéia entra em catarse. Os meninos são simpáticos e arriscam alguma personalidade, inclusive na decisão de quebrar o molde das boy bands e não apresentar as músicas com coreografias ensaiadinhas. Eles não são rebeldes, não são gênios criativos, não cantam especialmente bem. Mas são carismáticos e irradiam uma ingenuidade que pode ser atribuida tanto à pouca idade (a média no One Direction é 20 anos) quanto à ascenção meteórica que, honestamente, deve levar um tempo até ser processada.

One Direction: as calças no chão

É isso que Morgan Spurlock coloca em cena: a parte boa e radiante, o auge de um fenômeno pop. This Is Us é um documentário musical em que a música é o que menos importa. Spurlock faz um retrato de um momento muito breve – e longevidade, claro, passa longe da cabeça dos rapazes. Eles mesmos admitem a certa altura que o presente talvez seja o auge de toda sua vida, e o futuro pode ser uma prisão agarrada à lembrança do agora. Mas é um momento que Niall, Zayn, Liam, Harry e Louis transformam seu sonho (do estrelato, de ser músico, de ter fãs, de dar uma vida melhor às suas famílias, de sair em turnê) em realidade. Um momento que também que marca a vida de cada uma das fãs que cresce com eles, que chora, grita, identifica-se e se apaixona. Mas não passa disso, de um recorte. Em alguns anos, com o quinteto fora da idade de ser uma boy band, outras virão. E com elas, mais fãs ensandecidas, turnês mundiais, CDs à toque de caixa (o One Direction, acredite, já lançou dois), música ruim grudenta e esquecível, blu rays do melhor show e, por que não, com um filme em 3D. Se este é o futuro, o próximo passo é clonar os moleques e levar para casa. Brrrr…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.