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A Vida Secreta de Walter Mitty é um pastel de vento bonito pra caramba

Roberto Sadovski

25/12/2013 20h43

DF-11070-Edit - Ben Stiller in THE SECRET LIFE OF WALTER MITTY.

É difícil apontar o que significa exatamente ser hipster. É o sujeito que segue as modinhas sem dizer que segue as modinhas. É alguém que abraça um estilo de vida "alternativo" sem perceber que simplesmente segue seus pares. É o termo que abraça música "indie", óculos de aros grossos, filmes que saem de Sundance, moda retrô. É uma coisa esquisita tipo o Los Hermanos. A Vida Secreta de Walter Mitty, dirigido e protagonizado por Ben Stiller, é tudo – menos hipster. Mas faz uma força danada para ser.

A refilmagem do clássico O Homem de 8 Vidas, que Danny Kaye protagonizou em 1947 (este uma adaptação do conto que James Thurber publicou em 1939), passou na mão de vários cineastas antes de aportar no colo de Stiller. Na frente das câmeras, ele eternizou um tipo meio abobado, adorável, o sujeito que está desconfortável por respirar. Entrando Numa Fria, Uma Noite no Museu, Roubo nas Alturas. Até em Starsky & Hutch Stiller é Stiller. Como diretor, por outro lado, garantiu a fortuna de Jim Carrey em O Pentelho, fez o razoável Zoolander e o excepcional Trovão Tropical. Walter Mitty é sua tentativa em se tornar um realizador "sério". Para tal, ele tenta dar peso e relevância a uma trama que nunca chega lá – mas se esforça um bocado.

THE SECRET LIFE OF WALTER MITTY

Sean Penn ajuda Ben Stiller em seu drama edificante

Ah, sim, o filme hipster. Ben Stiller não é Wes Anderson. Mas desde o trailer recheou sua obra com o som de bandas "alternativas" (Of Monsters and Men é onipresente no preview, Hall & Oates dá o tom "retrô porém cool", a música mais óbvia do Arcade Fire reverbera nos ouvidos), pregando a idéia do sujeito de vida comum e levemente patética (Stiller sendo Stiller) que abraça seus sonhos e, de mochila nas costas, vai viver uma grande aventura. Nada pode ser mais hipster, certo? Só que A Vida Secreta de Walter Mitty não tem nada disso. Responsável pela seção de fotografia da revista Life, que está para fechar as portas, Walter perde o negativo que o fotógrafo cult interpretado por Sean Penn sugere para a capa da última edição. Movido por sua imaginação (e por uma conta bancária aparentemente infinita), parte em busca do sujeito numa viagem que o leva da Groenlândia à Islândia, passando pelo Tibete, as montanhas do Himalaia, Los Angeles e de novo em Nova York. O alerta hipster é claro: tecnologia é necessária mas não é cool; a revista em papel é representada por pessoas apaixonadas, a versão online que a substituirá chega por intermédio de executivos detestáveis; a fotografia digital pode até dar o tom ao mundo, mas não tem o charme do negativo arcaico que é o Santo Graal do protagonista.

Stiller, o diretor, briga com o tom do filme do começo ao fim. Ora ele mira na comédia rasgada (uma brincadeira com O Curioso Caso de Benjamin Button é a mais eficiente), passa feito um raio pela fantasia e aporta num drama edificante. Nada faz muito sentido, e fica difícil do lado de cá entender exatamente a história que ele quer contar. Se a idéia era mostrar um sujeito de modos discretos e vida comum fazendo algo extraordinário, um garoto-propaganda da auto-descoberta, o resultado passa longe. Ao deixar seu mundinho e viajar pelo mundo em busca de uma fotografia, Walter é o total oposto de alguém sem iniciativa. É um herói sem falhas, o cara incrível que anda de skate sob a sombra de um vulcão em erupção, que salta de um helicóptero para um navio em meio a uma tempestade. E é, honestamente, um protagonista bem chatinho.

Entre a indefinição narrativa e a vontade de fazer algo "importante", Stiller termina com um filme fofo, até emocionante, visualmente acachapante, com um grande elenco (além de Penn ele ainda coloca Kirsten Wiig, Shirley MacLaine e Patton Oswalt em cena) e ambição de sobra. Mas falta sinceridade, falta paixão. O erro em chamar o clássico "Space Oddity", de David Bowie, de "Major Tom" em meia dúzia de ocasiões mostra que talvez Stiller não saiba muito bem sobre o que está falando. A Vida Secreta de Walter Mitty é muita estampa e zero conteúdo. Por isso, no fim das contas, seja exatamente isso: um filme hipster.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.