Topo

Martin Scorsese injeta humor nervoso na obra prima O Lobo de Wall Street

Roberto Sadovski

10/01/2014 15h37

THE WOLF OF WALL STREET

Eu conversei com Martin Scorsese uma só vez. Foi durante o lançamento de Os Infiltrados em Nova York. Depois de explicar que Jack Nicholson não estaria conosco por estar gripado em Los Angeles, o diretor me abordou com um "eu adoro os filmes do Cinema Novo, Glauber Rocha era genial". E daí passou alguns minutos citando filmes e frases de filmes brasileiros que eu cocei a cabeça para lembrar. Isso que, pouco antes, discorreu com entusiasmo sobre o cinema chinês, de onde veio Infernal Affairs, a matéria prima para seu filme que terminaria ganhando o Oscar no ano seguinte. Scorsese não é apenas um gênio: ele é um sujeito profundamente apaixonado pelo cinema.

O Lobo de Wall Street é mais um exemplo dessa paixão. Em quase três horas de filme, Scorsese conta a história (bem real) de Jordan Belfort, corretor de Wall Street que, nos anos 90, dobrou e quebrou a lei, ganhou centenas de milhões de dólares da forma mais ilegal possível e mergulhou num estilo de vida dionísico, de festas, mulheres, sexo, drogas e muita gastança. O que parece exagero na vida real ganha contornos surreais na palheta do diretor. Com Leonardo DiCaprio (em sua quinta parceria com Martin) à frente do elenco, O Lobo de Wall Street é uma ode ao exagero, é o tipo de filme com adultos e para adultos, sem o menor sinal de amarras por quem paga a conta, que o cinemão pode (e deve) cultivar mais.

O que não poupou Scorsese de acusações de glorificar as situações que ele coloca em cena. O diretor dá de ombros, certo de que tudo não passa de bobagem da patrulha politicamente correta. Afinal, não há um final feliz romantizado, e empregar algum tipo de moral na "saga" de Belfort seria um desrespeito à inteligência do público que acompanha a carreira do diretor – protestos dos membros mais tradicionais da Academia à quantidade de palavrões proferida ao longo do filme, um recorde no cinema americano, já mostra que Scorsese tomou todas as decisões certas. Principalmente em relação a seu elenco. Há tempos Leonardo DiCaprio não surge em cena tão relaxado e em um papel tão delicioso. Como Jordan Belfort, o ator dá a dimensão exata do sujeito charmoso que arranca dinheiro dos trouxas na lábia. Mas não é só ele. Jonah Hill surge em grande forma como seu braço direito à beira da neurose. Margot Robbie, que faz a mulher-troféu-gostosa de Belfort, é um achado. Kyle Chandler, Jon Favreau, Jon Bernthal, Rob Reiner, Jean Dujardin e a grande Joanna Lumley equilibram histeria e humor em doses perfeitas. E palavras são poucas para descrever Matthew McConaughey, que surge canalha e sedutor como o mentor do personagem DiCaprio que lhe mostra o que é necessário para viver bem em Wall Street.

Como diretor, Scorsese continua no auge de suas habilidades. A parceria com o roteirista Terence Winter (que adapta o livro do próprio Jordan Belfort) já se mostrava promissora na série de TV Boardwalk Empire, e aqui se solidifica à perfeição. Coube à montadora Thelma Schoonmaker, unha e carne com Scorsese desde seu primeiro filme, Who's Knocking at my Door, dar coerência e ritmo ao material absurdo coletado por Martin – a sequência da overdose de Jordan e sua tentativa desesperada de voltar para casa é para aplaudir de pé. O Lobo de Wall Street, pelo tema que aborda e pela consequência a todos os envolvidos, podia resultar em um drama sem nenhuma luz nas mãos pesadas de outro diretor. O que Martin Scorsese fez nesta obra-prima foi enxergar o absurdo de toda a situação e injetar um humor nervoso, quase desesperado, à narrativa.

É com o mesmo humor que o diretor, agora com 71 anos, enxerga o futuro. Apesar dos prognósticos mais pessimistas de seus colegas Steven Spielberg, George Lucas e Steven Soderbergh sobre o rumo que o cinemão anda tomando, com blockbusters cada vez mais caros e exigências por resultados cada vez mais surreais, Martin se mostra otimista. Numa carta aberta para sua filha, ele louva não só uma forma de arte que entrega continuamente pérolas de diretores como Wes Anderson, David Fincher, Richard Linklater e Paul Thomas Anderson, como também ressalta que fazer cinema não é mais uma brincadeira elitizada: nunca foi tão barato ter tantos recursos para produzir, filmar e distribuir um filme. E ainda dispara: "As ferramentas não fazem um filme, você faz o filme!".

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.