Jack Ryan: um espião em cinco atos
Não é de hoje que o cinemão tenta viabilizar a "marca" Jack Ryan. O escritor Tom Clancy deu vida ao analista da CIA em A Caçada ao Outubro Vermelho, publicado em 1984, e no ano seguinte o produtor Mace Neufeld adquiriu os direitos do livro. Nos anos seguintes, ele tentou fazer com que o personagem desse um salto para o cinema, mas esbarrava na miopia de executivos que achavam que a aventura era "muito complexa" para ser traduzida em um filme. Meia década depois, a Paramount abraçou Ryan – e se tornou a casa do espião por quase 25 anos. A trajetória de Jack Ryan, apesar de atribulada nos bastidores, sempre resultou em filmes de sucesso. Ainda assim, o personagem não ganhou a visibilidade de seus pares como Ethan Hunt (Tom Cruise em quatro Missão Impossível) ou Jason Bourne (Matt Damon em três filmes). Talvez a inconstância de seus intérpretes dificulte uma identificação com o público. Talvez as aventuras de um analista da CIA – mais cerebrais e menos físicas – não se encaixem no estereótipo do "herói de ação". Ainda assim, Jack Ryan rendeu cinco filmes bacanas (com quatro atores diferentes), que vale a pena lembrar.
A CAÇADA AO OUTUBRO VERMELHO
(The Hunt for Red October, 1990)
O primeiro livro com Jack Ryan como protagonista terminou também sendo seu primeiro filme. E é também o melhor. Ambientado em 1984, em pela Guerra Fria, a trama segue Marko Ramius (Sean Connery), comandante do submarino russo Outubro Vermelho, uma das mais poderosas armas de guerra do planeta. Com ordens de realizar exercícios navais, Ramius mata o outro militar que sabia da missão e ordena que a tripulação guie o submarino para a costa americana. O governo dos Estados Unidos não sabe que o real objetivo de Ramius é desertar e ordena a destruição do Outubro Vermelho. Só o analista da CIA Jack Ryan (Alec Baldwin) deduz a real intenção do comandante russo, ficando em suas mãos a tarefa de frear o ataque americano, salvar Ramius e sua tripulação e impedir que a tensão entre os dois países escale para uma guerra.
John McTiernan, que acabara de reinventar para sempre o cinema de ação com Duro de Matar dois anos antes, assumiu o comando da aventura – e mostrou porque é um dos grandes diretores do gênero. McTiernan entende as engrenagens da narrativa, guia seu elenco como ninguém e maneja as ferramentas à disposição para criar um filme tenso e eletrizante. E Alec Baldwin surge como o Jack Ryan perfeito, equilibrando seu papel de espião cerebral com o de homem de ação de maneira brilhante. Era a aposta do estúdio para criar uma série com a assinatura de Tom Clancy, capaz de rivalizar, com o tempo, com um certo espião britânico que, não por acaso, ganhou vida no cinema com Sean Connery. Mas Baldwin tinha outros planos e, para não enterrar a série, a Paramount bateu à porta de um dos grandes astros da história…
JOGOS PATRIÓTICOS
(Patriot Games, 1992)
Com Alec Baldwin em cartaz na Broadway, a Paramount teve de trocar o intérprete de Jack Ryan para sua segunda aventura no cinema. Entra em cena Harrison Ford, mais adequado ao perfil do "homem de família" que o filme pedia. De cara a produção enfrentou um problema: no livro de Tom Clancy, a ação de Jogos Patrióticos antecede Outubro Vermelho. O roteiro, entretanto, jogava tudo para o futuro, quando Ryan não trabalhava mais com a CIA. As mudanças desagradaram tanto ao autor quanto aos puristas de sua obra. E foi neste clima que o australiano Philip Noyce assumiu a direção do projeto. A trama é mais "reta": de férias em Londres, Ryan impede um atentado a um nobre britânico, responsável pela política externa relacionada com a Irlanda do Norte. No ataque um terrorista é morto, e seu irmão, interpretado por Sean Bean, jura vingança.
Jogos Patrióticos não traz a tensão da Guerra Fria de seu antecessor, mas também não alivia na política, colocando Ryan em meio ao conflito do governo inglês com os terroristas do IRA. Ainda assim, a trama é centrada no conflito entre famílias: a tentativa de matar a mulher e filha de Ryan o coloca de volta na CIA; o plano de assassinar uma figura pública britânica pelo IRA fica em segundo plano por causa da trama de vingança. Ainda assim, Noyce entrega um filme elegante, com um protagonista mais sólido e a perspectiva de expandir a série – apesar de Tom Clancy ter virado as costas. Curiosidade para mesa de bar: o clímax, uma perseguição de lanchas em alto mar à noite, foi filmada no estacionamento da Paramount em Los Angeles…
PERIGO REAL E IMEDIATO
(Clear and Present Danger, 1994)
Mais à vontade com o mundo tecido por Tom Clancy, Harrison Ford, Phillip Noyce e a equipe de Jogos Patrióticos entregaram um filme mais bem amarrado, igualmente complexo e que, apesar das tintas patrióticas, desenha linhas divisórias claras separando o país de seu governo. Seguindo mais de perto o livro de Clancy, o roteiro coloca Jack Ryan como diretor da CIA – ainda assim, ele desconhece uma operação ilegal contra um cartel colombiano, aparentemente aprovada pelo próprio presidente americano. Perigo Real e Imediato também apresenta outro personagem de Clancy, John Clark (aqui defendido por Willem Dafoe), que coordena os soldados infiltrados secretamente na Colômbia e termina aliando-se à Ryan.
Como no filme anterior, Noyce revela habilidade em equilibrar a história com diversas tramas paralelas, ao mesmo tempo em que arma cenas de ação eletrizantes, como um atentado contra o diretor do FBI, do qual só Ryan escapa com vida. Lançado no verão de 1994, Perigo Real e Imediato terminou sendo o episódio mais bem sucedido de Jack Ryan no cinema, com 215 milhões de dólares em caixa. Parecia que Harrison Ford havia encontrado sua terceira série bem sucedida, seguindo Star Wars e Indiana Jones. Mas o filme se tornou a última vez em que ele entrou na pele do espião que queria saber demais.
A SOMA DE TODOS OS MEDOS
(The Sum of All Fears, 2002)
Depois de Perigo Real e Imediato, o livro The Cardinal of the Kremlin seria a aventura seguinte de Jack Ryan a ser traduzida para o cinema. Depois de mais de um ano em desenvolvimento, o roteiro foi deixado de lado por ser considerado muito difícil para ser adaptado em um único filme. Com Harrison Ford ainda ligado à série, o foco passou a ser A Soma de Todos os Medos, mas em 2000 a dificuldade em bater o martelo em um roteiro que agradasse à todos fez com que Ford e o diretor Phillip Noyce se afastassem do projeto. Foi a deixa para o estúdio rejuvenescer o personagem, colocando Ben Affleck como um Jack Ryan mais jovem, em seus primeiros anos de trabalho com a CIA. Financeiramente foi uma decisão esperta, já que o filme, sob a direção de Phil Alden Robinson (Campo dos Sonhos), foi um sucesso. Ainda assim, a versão de Ben Affleck para Jack Ryan não caminhou.
O fato é que Affleck sempre pareceu tímido ao assumir um personagem interpretado por dois de seus ídolos, Alec Baldwin e Harrison Ford. Ele nunca abraça de verdade a persona de Jack Ryan. Mesmo que A Soma de Todos os Medos retome o tema da Guerra Fria – ou pelo menos da tensão nuclear entre Estados Unidos e Rússia (e não União Soviética) –, e mesmo com a coragem em mostrar uma bomba nuclear destruindo uma grande cidade americana, o filme nunca engrena. É uma aventura bacana, traz Liev Schreiber como o espião John Clark, é bem produzido, tem Morgan Freeman fazendo o que faz melhor… mas A Soma de Todos os Medos é um filme menor. Não por sua execução competente, mais por seus bastidores atribulados. Seria um filme melhor com Harrison Ford e Phillip Noyce? Não importa. E, na década seguinte, a Paramount coçou a cabeça para descobrir como rentabilizar, mais uma vez, a série Jack Ryan.
OPERAÇÃO SOMBRA: JACK RYAN
(Jack Ryan: Shadow Recruit, 2014)
A decisão de fazer mais um reboot da série com o espião Jack Ryan foi tomada pelo estúdio com um adendo: em vez de buscar uma trama nos livros de Tom Clancy, o caminho escolhido foi escrever uma história original com o personagem. Uma espécie de Batman Begins, mostrando como Ryan passou de soldado ferido em combate a analista da CIA e, finalmente, a agente em operações de campo. O cenário social e político mundial permitiu que a Rússia fosse, mais uma vez, palco da aventura. Mas não como pano de fundo da Guerra Fria, e sim com maquinações feitas por novos milionários russos, herdeiros da frieza dos tempos do comunismo, em busca de uma glória passada que o país, de diversas maneiras, tenta alcançar. A personificação deste novo (e muito mais perigoso) inimigo ficou à cargo de Kenneth Branagh – que, por sinal, também dirigiu a aventura.
Para assumir o papel de Jack Ryan, o estúdio apontou um de seus próprios talentos: Chris Pine, que deu cara nova com muito sucesso ao capitão James Kirk da nova encarnação de Star Trek, foi colocado no papel. Em Operação Sombra (título genérico e sem uma gota da elegância dos livros de Clancy) ele treina como analista da CIA, ganhando um emprego de fachada em Wall Street: seu trabalho, claro, é analisar dados de grandes operações internacionais, buscando anomalias e, entre elas, ameaças em potencial aos Estados Unidos. Traçando um paralelo com True Lies, de James Cameron, Ryan é casado com a médica Cathy Muller (Keira Knightley), mas ela não faz idéia da real ocupação do marido. A investigação o leva a Moscou (e a mulher, convenientemente, o segue), e o casal termina envolvido, ao lado do mentor de Ryan, Thomas Harper (Kevin Costner), em uma trama que pode levar a um ataque terrorista como o 11 de setembro, desenhado para desestabilizar financeiramente os EUA, provocando uma guerra civil e uma posterior invasão por forças estrangeiras.
Pena que o filme de Branagh tenha menos escopo do que a história sugere, resumindo-se a Chris Pine correndo de um lado para outro, salvando a donzela em perigo que se torna sua mulher e resolvendo todo o caso, literalmente, ao acaso. Operação Sombra: Jack Ryan é um filme de ação genérico. É bem produzido, como se espera de uma produção de 60 milhões de dólares. Mas com uma renda, até o momento, bem abaixo do esperado (pouco mais de 100 milhões no mercado mundial), vai ser difícil o estúdio bancar essa configuração do personagem daqui para a frente. Cada novo Jack Ryan é um parto complicado, já que Tom Clancy não criou um personagem raso. E ele não está mais por aqui para dar continuidade a Ryan no papel: Operação Sombra é dedicado a ele, que morreu em outubro do ano passado.
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