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Alexander Payne fala sobre filmar na estrada, beber no Oscar e Nebraska

Roberto Sadovski

28/02/2014 03h51

NEBRASKA

"O nome que eu queria usar era Vidas Secas", dispara Alexander Payne no meio de um papo sobre Nebraska. Detalhe: ele disse "Vidas Secas" em português mesmo, referindo-se ao romance de Graciliano Ramos. "Mas esse nome já é de vocês no Brasil. Ainda assim, seria muito adequado." Indicado a seis Oscar, Nebraska é também o sexto filme de Payne como diretor, e mergulha mais uma vez em temas que lhe são caros: relações familiares, a estrada como elemento transformador, um humor fino permeando o drama intenso. "E eu só fiz o filme porque o nome era Nebraska", diverte-se. "Se fosse Florida ou Carolina do Norte não teria o mesmo apelo comigo."

Aos 53 anos, Alexander Payne sempre surpreende. Chamou a atenção dos estúdios com seu filme universitário, The Passion of Martin, que anos depois seria reescrito e dirigido como As Confissões de Schmidt. Estreou como diretor com o ótimo Ruth em Questão, mas causou burburinho com o ácido Eleição, de 1999, que colocou Reese Witherspoon no mapa. Escreveu Jurassic Park III, produziu O Assassinato de Richard Nixon e trabalhou com o roteirista Bráulio Mantovani em Cidade de Deus. Foi quando Payne passou um período no Brasil e aprendeu "um pouquito" de português. "Não tive tempo de conhecer a fundo seu país", diz, diretamente do frio de Nova York. "Mas acho o Brasil culturalmente rico, fascinante. Quem sabe um dia…"

NEBRASKA

Nebraska chegou a ele quando filmava As Confissões de Schmidt, quando os produtores queriam uma sugestão de diretor. Ele mesmo se apresentou para o trabalho, mas decidiu colocar o texto de Bob Nelson na gaveta já que não queria seguir Sideways, então em pré-produção, com outro road movie. Os Descendentes (e mais de uma década) se colocaram entre a primeira olhada no roteiro, o primeiro de seus filmes que ele não escreveu, e o produto final. "Todo este processo é necessário", explica Payne. "Colocar um filme em movimento não é tarefa fácil, e Nebraska exigiu atenção especial." Afinal, não é exatamente o tipo de produção que faz brilhar os olhos de executivos de estúdio: seria rodado em preto e branco ("Eu queria uma fotografia que deixasse a paisagem homogênea, além de olhar para o passado do cinema… o preto e branco traz um visual icônico incomparável"), em locação e sem astros. "Ter um ator de certa evergadura significa mais dinheiro, mas o trabalho não se torna mais fácil", continua. "Eu tive cerca de 30 milhões de dólares para rodar As Confissões de Schmidt, metade do orçamento foi para o bolso de Jack Nicholson. Sideways não tinha astros, Os Descendentes tinha George Clooney. Para Nebraska eu queria Bruce Dern, o estúdio queria um nome mais conhecido. Testei uns cinquenta, sessenta atores antes de fechar com ele. Will Forte foi um achado, assim como June Squibb. O importante é escolher as pessoas certas e, no set, esperar que tudo dê certo."

No caso de Nebraska, não exatamente no set, mas na estrada. Assim como Schmidt e Sideways, o drama é uma jornada física e espiritual. "Eu gosto deste aspecto de road movies, que sempre traz dois personagens que se completam", elabora Payne. "Um é mais pé no chão, outro é mais lúdico, que acabam sendo personalidades em choque, descobrindo mais sobre um aou outro e sobre eles mesmos. A estrada se torna uma metáfora para uma vida que se torna plena. O público se identifica com isso e abraça a viagem." Colocar Dern e Forte como pai e filho amplia a percepção, já que se torna também uma jornada de conhecimento: "Eu gosto de histórias em que personagens saem do ponto a ao ponto b e se transformam pelo caminho. Mas confesso que quero fazer mais trabalho em estúdio em meu próximo filme. A vida na estrada é cansativa".

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Cansativa e laureada. Desde que foi revelado ao mundo no Festival de Cannes do ano passado (não ganhou a Palma de Ouro, mas Bruce Dern foi apontado o melhor ator), o filme colecionou prêmios. Entrou na lista dos dez melhores filmes de 2013 do American Film Institute, e seu elenco foi ovacionado em festivais e pela crítica. E com mérito: delicado e emocionante, Nebraska conta com economia e precisão a jornada de Woody Grant (Dern), que acredita ter ganho 1 milhão de dólares em uma promoção picareta. Determinado a buscar seu "prêmio" – e lidando com alcoolismo e senilidade – ele ganha o apoio de seu filho, David (Will Forte), que decide levar o pai e terminar com a ilusão. Sua jornada passa pela cidade natal de Woody, onde ele ganhou status de celebridade local e a simpatia de um séquito de interesseiros, entre familiares distantes e amigos de ocasião. Essa viagem ao passado é o coração do filme, com Woody fazendo as pazes (bom, mais ou menos) com sua confusão mental e David descobrindo o homem que era seu pai ao encarar suas próprias raízes.

Nebraska chega à semana do Oscar com seis indicações à estatueta (melhor filme, diretor, ator para Bruce Dern, atriz coadjuvante para June Squibb, roteiro original para Bob Nelson e fotografia para Phedon Papamichel) e favorito a nenhuma delas. "Eu fico honrado com o reconhecimento de meus pares, mas vou chegar à cerimônia sem pressão, já que não espero subir ao palco", brinca. "Vou beber bastante entre um intervalo e outro. Ao menos para mim vai ser uma festa divertida."

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.