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Onipresente em todas as mídias, Batman faz 75 anos com muito fôlego

Roberto Sadovski

30/03/2014 09h01

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Não existe somente um Batman. Claro, o personagem criado por Bob Kane (e por Bill Finger, e por Jerry Robinson) que chegou às bancas de revistas americanas na edição 27 de Detective Comics há exatos 75 anos é o mesmo: órfão, após ver os pais assassinados por um bandido comum, Bruce Wayne usa a fortuna da família para se tornar o maior combatente do crime que o mundo já viu. O herói idealizado por Kane e refinado por Finger foi uma encomenda da editora, que via as vendas de seu Superman, lançado um ano antes, decolarem. Mas o Bat-Man não foi só mais um super-herói. Com os anos, ele foi reinterpretado em centenas de formas diferentes, em um sem número de mídias, ambientações, cenários. Talvez o Homem-Morcego seja a criação pop mais reinventada da história, de vingador noturno a palhaço televisivo, passando por vampiro, padre, caubói, explorador espacial, Cavaleiro das Trevas… Não existe só um Batman. Mas todos são um só.

Eu conheci o herói como praticamente toda uma geração: pela telinha da TV, na pele de Adam West. Quando o produtor William Dozier transformou Batman em série, o personagem estava em crise. Seu início mais criativo nos quadrinhos nos anos 40 (ele não se furtava a matar!), quando praticamente todos os elementos de sua mitologia foram criados, foi substituido na década seguinte por aventuras absurdas, com forte influência da ficção científica, que decididamente não combinavam com um "Cavaleiro das Trevas". O peso do livro A Sedução do Inocente, em que o psicólogo Fredric Wertham coloca a culpa da delinquência juvenil nas histórias em quadrinhos e sugere que Batman e Robin são um casal homossexual, contribuiu para fazer do Batman um herói mais inofensivo. As vendas, claro, entraram em declínio.

Adam West coloca o camp em Batman na série de TV dos anos 60

Adam West coloca o camp em Batman na série de TV dos anos 60

O editor de quadrinhos Julius Schwartz entrou em cena para tirar o personagem do abismo e promoteu uma reformulação geral em 1964, dois anos antes da estreia da série de TV. Aí, tudo mudou. Os quadrinhos acompanharam o estilo pastelão do programa – que, como tudo mais na TV americana dos anos da Guerra do Vietnã, servia para deixar o americano sorrindo e sedado. O cancelamento do show dois anos depois causou uma nova queda em vendas, e pediu mais medidas drásticas. É curioso como uma fatia expressiva de leitores do Batman surgiu devido à série de TV, e estes mesmos fãs rejeitaram violentamente essa interpretação em particular por décadas. Atualmente, a silhueta nada em forma de Adam West e a galeria de vilões caricatos se tornou objeto de culto, com linhas de brinquedos e traquitanas dedicadas a essa época, mais o lançamento de um título em quadrinhos  (ainda inédito no Brasil) narrando as aventuras deste Batman psicodélico.

Os anos 70 foram marcados por transformações ainda mais profundas no herói. Uma "volta às origens" foi promovida novamente por Schwartz, que convocou o roteirista Denny O'Neill e o desenhista Neil Adams para tocar o barco. Adams, com seu traço realista, anos-luz do que a maior parte dos quadrinhos apresentava na época, ambientou as aventuras escritas por O'Neill à noite e deixou o visual do herói mais soturno e elegante – um design que perdurou pelas décadas seguintes. Clássico instantâneo, a reformulação desta década (pontuada por outra série de histórias brilhante pela dupla Steve Englehart e Marshall Rogers) recolocou o herói como o vingador noturno de Kane e Finger. Várias histórias dessa era foram adaptadas por Bruce Timm e Paul Dini em Batman: The Animated Series nos anos 90.

Batman derrota o Superman em O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller

Batman derrota o Superman em O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller

Mas foi na década anterior que o Cavaleiro das Trevas se tornou um fenômeno de mídia. Primeiro veio Batman: O Cavaleiro das Trevas, série que Frank Miller escreveu e desenhou em 1986. Ao retratar um Homem-Morcego violento, flertando com o fascismo, voltando à ativa aos 55 anos, Miller desconstruiu o que faz o personagem funcionar em sua essência, e o resultado é uma obra atemporal e profundamente influente. Alan Moore, de Watchmen, colocou a cereja no topo do bolo com A Piada Mortal, de 1988, um estudo sobre a loucura mostrando Batman e o Coringa como dois lados de uma mesma moeda. Foi o aperitivo para que o mundo enxergasse o símbolo do Morcego em todos os lugares com o lançamento de Batman, dirigido por Tim Burton em 1989, que eliminou o herói cômico do subconsciente global, deixando em seu lugar um herói atormentado, relançado em um filme que também foi um triunfo de marketing. A partir daí não havia mais volta.

Batman no cinema renovou o interesse da massa no herói nos quadrinhos, e os anos 90 trouxeram uma necessidade de fazer com que seus heróis fossem para o "lado negro". O Superman foi morto. O Batman teve sua espinha quebrada por um novo vilão, Bane, e o Homem-Morcego ganhou uma nova identidade. Por mais que a série tivesse méritos, abriu portas para uma infeliz necessidade editorial em colocar o Batman em "grandes sagas", com Bruce Wayne enfrentando provações cada vez mais duras – e cada vez mais estapafúrdias. Ainda assim, grandes histórias surgiram depois da Queda do Morcego, como O Longo Dia das Bruxas, Chuva Rubra e, mais recentemente, Batman e Filho, em que o herói descobre ser pai de um jovem que se tornaria o Robin.

Para a geração mais nova, o Batman tem voz grave e o rosto de Christian Bale. Batman Begins, filme de 2005, entregou uma visão mais "realista[ do personagem, capitaneada pelo diretor Christopher Nolan. Três anos depois ele criou outro fenômeno pop da estatura do filme que Tim Burton conduziu quase duas décadas antes. Batman: O Cavaleiro das Trevas dominou os cinemas em 2008 – inclusive pela tragédia que foi a morte do ator Heath Ledger, que interpretou o Coringa. O filme que encerrou a trilogia em 2012, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, aproveita boas idéias dos quadrinhos num filme inchado e disperso, que ainda se tornou um sucesso de 1 bilhão de dólares. Mas, se você perguntar a meu sobrinho, o Batman "que vale" é o da série de games Arkham, que no fim do ano chega a seu quarto e derradeiro episódio. Não será nada espantoso se a versão de Ben Affleck para o herói, no filme ao lado do Superman que Zack Snyder vai dirigir para 2016, trouxer uma influência pesada do Homem-Morcego feito de pixels.

Neste ano em que se comemora seu aniversário de 75 anos, o Batman não quer deixar nenhum de seus entusiastas fora da festa e ataca em todas as mídias. Novas séries nos quadrinhos (dentro do selo Os Novos 52); Arkham Knight para os consoles de última geração; dois longas animados (O Filho de Batman e Ataque ao Arkham); novas animações com a assinatura de Bruce Timm; a série de TV Gotham, que mostra as consequências do assassinato de Thomas e Martha Wayne na metrópole e no policial encarregado da investigação, James Gordon; e o começo das filmagens de Batman Vs. Superman – nome que ainda pode mudar, mas eu acredito que não.

Feliz aniversário, Batman! Aproveite a festa...

Feliz aniversário, Batman! Aproveite a festa…

Não existe somente um Batman. Este ano, mais do que nunca, o Cavaleiro das Trevas ganha interpretações para todos os gostos e todas as gerações. Não há porque apontar que este ou aquele é o "certo", já que todo este mundo, toda essa mitologia deriva da semente original de Bob Kane, Bill Finger e Jerry Robinson. E Dick Sprang, Julius Schwartz, William Dozier, Adam West, Denny O'Neill, Neal Adams, Jim Aparo, Frank Miller, Alan Moore, Doug Moench, Chuck Dixon, Jeph Loeb, Tim Sale, Tim Burton, Michael Keaton, Paul Dini, Bruce Timm, Norm Breyfogle, Jim Lee, Grant Morrison, Christian Bale, David Goyer, Scott Snyder, Christopher Nolan… Só não coloco Joel Schumacher no meio para não correr o risco de surgir alguma aberração como Batman & Robin para atrapalhar a festa.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.