Topo

Johnny Depp: Transcendence é mais um fracasso que tinha tudo para dar certo

Roberto Sadovski

20/06/2014 01h37

TRANSCENDENCE

Nenhum ator sai de casa para fazer um filme ruim. Mas às vezes, bom, o caldo entorna. Com Transcendence – a Revolução, o "caldo" de Johnny Depp transborda! Ao fim da sessão, a pergunta que fica sem resposta é, como um dos filmes mais promissores do ano terminou uma bagunça que mistura ideias new age, perigos da tecnologia e um elenco absurdamente talentoso em um filme tão pálido, desconexo, mal dirigido e insuportavelmente chato? Se do lado de lá a ação acontece num compasso sonolento, a resposta do lado de cá veio a altura. Com um custo de 100 milhões de dólares, o drama de ficção científica rendeu esquálidos 23 milhões nos Estados Unidos, em uma bilheteria mundial de 78 milhões. Um fracasso daqueles capaz de abalar carreiras. A verdade é que, com a exceção de Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, de 2011, Depp enfileira uma série de fracassos custosos.

O Turista, mesmo com Angelina Jolie, deixou os críticos de nariz torcido e só recuperou os custos com a carreira fora de casa. Diário de Um Jornalista Bêbado, Sombras da Noite e O Cavaleiro Solitário bateram na trave. É inegável que, desde que criou o capitão Jack Sparrow em 2003 com Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra, Johnny Depp foi alçado ao patamar de "astro", o sujeito que o nome na marquise garantia o fluxo de caixa. Mas fora da série – que já rendeu 3.7 bilhões de dólares – ele acertou no alvo em duas parcerias com Tim Burton, Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate e o megahit Alice no País das Maravilhas. Depp continua sendo um ator notável, entregando performances poderosas em filmes tão distintos quanto Em Busca da Terra do Nunca, Sweeney Todd e Inimigos Públicos. Longe de uma franquia como Piratas, porém, o mar fica um pouco mais revolto.

Johnny Depp super feliz ao ver o resultado das bilheterias de Transcendence...

Johnny Depp super feliz ao ver o resultado das bilheterias de Transcendence…

Não que Transcendence não tenha aterrissado em seu colo com pedigree. O filme é a estreia na direção de Wally Pfister, diretor de fotografia habilidoso que trabalhou com Christopher Nolan em Amnésia, Insônia, O Grande Truque, A Origem e na trilogia O Cavaleiro das Trevas. Sua escolha para assumir a cadeira de diretor tem uma premissa intrigante. O cientista Will Carter está prestes a dar o próximo passo na construção de um computador com inteligência artificial. Alvejado e envenenado por um grupo radical que prega o fim da "submissão" da humanidade à tecnologia, ele tem sua mente transferida para a máquina antes de morrer. Mas não tarda, porém, para a presença que surge no cyberespaço, que tem as memórias e objetivos de Will, mostrar que é algo mais que humano.

Depp assumiu o papel de Will Carter e, honestamente, foi dinheiro fácil. Depois de um primeiro ato promissor, ele sai de cena e sua presença se resume a seu rosto numa tela de computador. O resto do elenco dá pena. Rebecca Hall não tem muito o que fazer como a mulher de Will, Evelyn. Paul Bettany termina com o papel ingrato do cientista amigo que, no fim, surge para dizer "eu avisei". Morgan Freeman, Cillian Murphy e Kate Mara desfilam, sonolentos. Como contador de histórias, Pfister se mostra um cineasta deficiente. Transcendence não emociona, não espanta nem aterroriza. Podia ser um thriller, podia ser um filme de terror! Indeciso em relação ao tom que quer imprimir à narrativa, o diretor nivela no dramalhão tecnológico, rasteiro e incompreensível, que não decola após um primeiro ato promissor.

Esse foi o cachê mais fácil que Depp já faturou. Sério.

Esse foi o cachê mais fácil que Depp já faturou. Sério.

 

Mas nada disso é perceptível no papel, e Depp não errou em abraçar um projeto com tanto calibre. Só que, como muitos grandes astros da Hollywood do novo século, ele só funciona em sua própria franquia, embalado em um produto. Como Will Smith, Tom Cruise e Robert Downey Jr., Depp empresta seu enorme prestígio para fazer alguns projetos decolar. E ele não para de trabalhar. Já finalizou o suspense London Fields (com a nova namorada, Amber Heard), a fantasia Into the Woods e o drama biográfico Mortdecai – todos os finalização. Está careca e irreconhecível filmando Black Mass, projeto de prestígio sobre Whitey Bulger, o mafioso irlandês que se aliou ao FBI como informante e, em troca, teve sua atividade criminosa ignorada pela polícia federal ianque. No papel, claro, parece maravilhoso. E nenhum ator sai de casa para fazer filme ruim.

Só para garantir, Alice Através do Espelho e Piratas do Caribe: Os Mortos Não Contam Histórias, chegam aos cinemas em 2016…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.