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Guardiões da Galáxia e outras “coletâneas incríveis” do cinema!

Roberto Sadovski

06/08/2014 00h47

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Efeito dominó: por conta de Guardiões da Galáxia, uma pá de gente virou fã do Blue Swede desde criancinha. Eu confesso que nunca tinha ouvido falar do grupo sueco, que teve um vislumbre de sucesso nos anos 70, até o primeiro trailer da aventura da Marvel. A versão de "Hooked On a Feeling" em minha memória pop era a de David Hasselhoff, "The Hoff", o eterno Michael Knight (Super-Máquina e tal). Mas bastou um preview esperto para que a música fosse para o topo do zeitgeist. Fenômeno esquisito e bacana. E não ficou por aí, já que o diretor James Gunn construiu seu filme com o DNA musical, pop, setentista (e oitentista), mezzo cafona, mezzo espetacular.

Awesome Mix Vol. 1, a fita cassete (K7 pros descolados) que acompanha Peter Quill em sua jornada nas estrelas, resultou numa coletânea deliciosa que funciona à perfeição fora do filme. Tem David Bowie ("Moonage Daydream"), tem The Runaways ("Cherry Bomb"), tem Marvin Gaye ("Ain't No Mountain High Enough"), tem a espetacular "Come And Get Your Love", do Redbone, que abre os trabalhos; tem "I Want You Back", do Jakcson 5, encerrando a coisa toda. Observando o sucesso de Guardiões da Galáxia, não é difícil imaginar que cada uma dessas músicas, pra muita gente, evoque imagens do filme de imediato.

Pensei cá com meus botões em outros filmes que também usaram coletâneas incríveis – a lista embaixo está longe de ser definitiva, mas foram as primeiras que pintaram nas ideias! Claro, tem algumas regrinhas: não vale trilha com músicas compostas para o filme (bye bye Saturday Night Fever), nada de bandas fictícias (This Is Spinal Tap, genial, ficou de fora), nada modernizado ou recriado (Moulin Rouge! não entra). O lance são mix que ajudam a decodificar, entender, mergulhar e curtir um filme. Se deixei sua favorita de fora (deixei até algumas minhas, como Juno, Heavy Metal, From Dusk Till Dawn e Footloose, ótimas mas não tanto), compartilhe nos comentários! Toda boa coletânea sempre merece um volume 2…

LOUCURAS DE VERÃO

(American Graffiti, George Lucas, 1973)

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"Onde você estava em '62?" Era a pergunta que George Lucas fazia já no cartaz de seu American Graffiti. Em uma noite, o diretor retratou a ruptura da adolescência para a idade adulta, acompanhando uma turma de amigos que se prepara para um futuro ainda incerto. No mundo real, a Guerra do Vietnã exterminava o "sonho americano". Em celulóide, Lucas criou a "nostalgia pelo novo", emoldurou seu filme no programa de rádio de Wolfman Jack (que TODOS ouviam) e partiu para o abraço. Bill Haley, Buddy Holly, Fats Domino, The Flamingos, Chuck Berry, The Platters, The Beach Boys… devo continuar?

O REENCONTRO

(The Big Chill, Lawrence Kasdan, 1983)

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Um grupo de amigos se reúne para lembrar do passado após o funeral de um deles. Na trilha, blues, jazz, rock… o que embalou sua juventuda e que Lawrence Kasdan usa como bússola. É um filé da música americana dos anos 60 e (um pouco dos) 70. Dose dupla de Marvin Gaye, The Temptations e Smokey Robinson, uma pitada de Four Tops, um molho de Procul Harum e a onipresente Aretha Franklin para provar que "antigamente" a música era, sim, melhor.

A GAROTA DE ROSA SHOCKING

(Pretty in Pink, Howard Deutch, 1986)

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Os anos 80 estão geneticamente ligados ao diretor John Hughes, responsável por Gatinhas e Gatões, O Clube dos Cinco, Mulher Nota Mil e Curtindo a Vida Adoidado. Não é de se estranhar que parte do status icônico de sua filmografia esteja na seleção musical, parte integral de uma época. Em A Garota de Rosa Shocking, (que ele escreveu para o diretor Howard Deutch), Hughes escancarou indie rock e new wave fofo (OMD), roqueiro (INXS), eletrônico (New Order) e dançante (Echo & The Bunnymen). E ajudou a apresentar o The Smiths ao mundo com a espetacular "Please, Please, Please, Let Me Get What I Want".

VIDA DE SOLTEIRO

(Singles, Cameron Crowe, 1992)

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Vida de Solteiro não é um filme sobre o grunge. Mas é quase. Ao mostrar uma história de amor na Seattle do começo dos anos 90 (Campbell Scott e Kyra Sedgwick são os pombinhos), Cameron Crowe aproveitou para mergulhar na crescente cena roqueira da cidade, que logo depois marcaria uma década. Não contente em selecionar músicas de bandas em ascenção (Alice in Chains, Soundgarden, Pearl Jam, Screaming Trees), ele ainda colocou os músicos em cena – Eddie Vedder, Stone Gossard e Jeff Ament formam, com o ator Matt Dillon, a banda Citizen Dick. Rock on!

O CORVO

(The Crow, Alex Proyas, 1994)

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O clima soturno do filme de Alex Proyas foi mimetizado pela ótima trilha, que traz bandas associadas com o estilo gótico e pesadão do gibi de James O'Barr. A trama é, claro, pré-emo, roqueira e trágica: Eric Draven, músico em ascenção, é assassinado ao lado de sua noiva. Ele volta dos mortos para executar sua vingança… Pena que seja ficção, já que O Corvo continua notório por ser o último filme de Brandon Lee, morto em um acidente bizarro em cena. The Cure, claro, abre a coletânea, que também traz Nine Inch Nails, Stone Temple Pilots, Rage Against The Machine, Helmet, Pantera e, inevitável, The Jesus and Mary Chain.

PULP FICTION

(Quentin Tarantino, 1994)

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A essa altura já sabemos que Tarantino monta seus roteiros com uma coletânea bem armada bombando nas caixas de som. A de Pulp Fiction ainda é a melhor, e o tempo só deixa a seleção do diretor mais saborosa. Do start com a acelerada "Misirlou", de Dick Dale, à releitura de "Girl You'll Be a Woman Soon", pelo Urge Overkill, passando por Kool & The Gang ("Jungle Boogie"), Dusty Springfield ("Son Of a Preacher Man") e Chuck Berry ("You Can Never Tell"), a trilha ainda embala festas, noites românticas e aquele trânsito congelado na hora do rush.

TRAINSPOTTING

(Danny Boyle, 1996)

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Trainspotting não é britpop – embora seja fruto da mesma época. Mas o filme de Danny Boyle gerou uma trilha tão lisérgica, nervosa e caótica quanto as aventuras de Renton, Sick Boy, Spud e cia. Iggy Pop dá o Norte com "Lust for Life", e o que vem em seguida é ecstasy sonoro. Brian Eno ("Deep Blue Day"), New Order ("Temptation"), Pulp ("Mile End", ok, é britpop), Leftfield ("A Final Hit"). E Lou Reed no que talvez seja uma das músicas mais tristes da história, "Perfect Day". Sério que já tem quase duas décadas?

MATRIX

(The Matrix, Irmãos Wachowski, 1999)

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O filme que inventou o século 21 foi embalado por um mix à altura. O choque entre cyberpunk e industrial, música urgente e assustadora e moods eletrônicos mostrou que a influência de Matrix foi além de estética: foi narrativa, técnica e sonora. Adequando-se perfeitamente ao futuro opressor criado pelos Wachowski, pérolas como "Bad Blood" (Ministry), "Spybreak" (Propellerheads), "Du Hast" (Rammstein) e "Leave You Far Behind" (Lunatic Calm) pareciam vir de uma máquina do tempo, de um amanhã distante. E não existe música mais perfeita para encerrar um filme que "Wake Up", furiosa com o Rage Against The Machine.

ALTA FIDELIDADE

(High Fidelity, Stephen Frears, 2000)

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O filme de Stephen Frears e a trilha sonora são comfort food: quando a cabeça fica cheia, funciona como válvula de escape. O filme traz John Cusack como o dono de uma loja de discos que curte fazer mix tapes para as mulheres de sua vida, e recorda suas maiores decepções amorosas para tentar entender a mais recente (quem nunca?). No meio tempo, uma seleção deliciosa que inclui de Stevie Wonder a Velvet Underground, de Beta Band a Bob Dylan. Stereolab era grande na época (sumiram), Kinks é grande desde sempre. E Jack Black manda bem em "Let's Get It On". Ok, quebrei uma de minhas regrinhas. Julgue-me!

A FESTA NUNCA TERMINA

(24 Hour Party People, Michael Winterbottom, 2002)

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É covardia, eu sei. A trilha da ascenção e queda da Factory Records, gravadora que inventou o som de Manchester, só podia trazer o melhor do melhor do melhor do rock britânico do fim dos anos 70 ao começo dos 90. O centro da história do jornalista Tony Wilson (Steve Coogan), que enxergou o futuro e bancou sua revelação, é centrada no apogeu e queda do Joy Division, e das cinzas de onde se ergueu o New Order. Entre eles, muito punk, pós-punk, acid house, indie, The Clash, Happy Mondays, Buzzcocks… Não tem como errar!

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.