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Doc sobre a Cannon resgata o estúdio que Hollywood (e você!) amava odiar

Roberto Sadovski

09/10/2014 01h16

cannon

Todo mundo tem seu prazer proibido. O meu são os filmes da Cannon, estúdio que, nos anos 80, produziu alguns dos piores filmes que Hollywood já testemunhou. O tempo joga uma nova perspectiva no passado, e o que era o fundo do poço cinematográfico ontem, hoje ressurge como objeto de culto, o retrato de uma época em que pesos leve podiam ressoar entre os gigantes dos grandes estúdio. É óbvio que não estou, nem de longe, sozinho nessa paixão. É o que confirma o documentário Electric Boogaloo: The Wild, Untold Story of Cannon Films, em que o diretor Mark Hartley vai à caça de colaboradores, parceiros e desafetos da dupla de produtores Menahem Golan e Yoram Globus – que fizeram a coleção de filmes mais estranhos, divertidos, improváveis e sensacionais do cinema moderno. O doc, que foi exibido no Festival do Rio, ganha agora um trailer que é pura nostalgia. Dá uma olhada e a gente continua…

De descer uma lágrima, não? Golan e Globus, que são primos, desenharam um modelo de negócio que consistia em comprar roteiros de quinta categoria e tocar sua produção com o orçamento mais apertado possível. Logo, a Cannon se tornou sinônimo de filmes de ação classe Z que dominaram os anos 80, além de comédias rasteiras e musicais constrangedores. A dupla de produtores também tinha lábia invejável, e conseguiu atrair alguns astros de peso (Stallone, Chuck Norris), ao mesmo tempo que dava espaço a quem já estava no segundo tempo (Charles Bronson) e lançava os heróis do amanhã (Jean Claude Van Damme). Alguns filmes mais sérios ainda foram lançados entre os tiros e as explosões, mas a pretensão de sair do abismo dos filmes B com produções mais elaboradas foi para o espaço com o fracasso astronômico de Superman IV e Mestres do Universo.

Longe das amarras e dos executivos dos grandes estúdios, a Cannon arriscou grande, faturou alto (chegou a produzir 43 filmes em um ano) e explodiu em supernova. Quando a década virou, não havia mais fôlego financeiro, o que piorou com um punhado de parceiros que entraram em cena e rasparam o fundo do tacho. Menahem Golan morreu em agosto deste ano; Yoram Globus é dono de uma rede de 140 cinemas em Israel e ainda não desistiu de voltar a mergulhar no mundo da produção e distribuição de filmes. A nostalgia bateu? Listei aí embaixo meus quinze filmes favoritos com o selo Cannon. Desafio você, que tem algumas décadas nas costas, a não esboçar um sorriso – ou não fazer sua própria lista!

DESEJO DE MATAR II
(Michael Winner, 1982)

death wish II

Goran e Globus compraram os direitos do filme de 1974 do diretor Dino Di Laurentiis e tocaram o barco rapidamente. Charles Bronson, um dos astros mais populares do cinema nas décadas anteriores, e que atingiu seu auge nos anos 70, parecia contente em descontar cheques muito gordos em filmes derivativos de Desejo de Matar, sempre com a fórmula tragédia + polícia inapta = justiça com as próprias mãos. A série foi até o quinto episódio, de 1994, que também marcou o último papel do astro no cinema. Bronson morreu em 2003 aos 82 anos e deixou um legado brilhante. Desejo de Matar II não faz parte dele…

O ÚLTIMO AMERICANO VIRGEM
(Boaz Davidson, 1982)

americanvirgin

Ao lado de Porky's, este O Último Americano Virgem representa o ápice das sex comedies, um gênero auto explicativo. Para manter o custo no chão, os produtores amarraram fiapos do roteiro da cinessérie israelense Lemon Popsicle e colocaram atores inexpressivos e atrizes que não tinham o menor problema em pagar peitinho – motivo pelo qual o filme era tão popular no auge do VHS. A trama: moleque nerdão se apaixona por gatinha, gatinha vai pra cama com amigo descolado e bonitão do moleque. Tem um subtexto de gravidez indesejada, aborto e trairagem generalizada. Ah, e também tem "I Will Follow", do U2, na trilha. Bono e cia. pisando na América com o pé direito…

A COMPANHIA DOS LOBOS
(Neil Jordan, 1984)

wolves

"Um filme de terror com lobisomens." Basicamente foi assim que a Cannon vendeu A Companhia dos Lobos, de Neil Jordan, ao adquirir seus direitos de distribuição nos Estados Unidos. Jordan, que só tinha o thriller Angel no currículo, não ficou nem um pouco contente – mas, naquele ponto, pouco podia fazer. O diretor tinha razão, claro. A Companhia dos Lobos é uma fábula elegante e perturbadora que leva o conceito de Chapeuzinho Vermelho a extremos sangrentos. Mas Golan e Globus não estavam nem aí para sutileza e tacaram a imagem de um lobo saindo da boca de um homem no poster ianque – em contraste com o britânico, mais suave e etéreo. Tenso…

FORÇA SINISTRA
(Tobe Hooper, 1985)

lifeforce

Vários diretores de talento tiveram muito trabalho com orçamentos enxutos nas mãos da Cannon. Mas não Hooper, que depois do sucesso de Poltergeist assinou um contrato de três filmes com os primos. A vontade de se afastar do rótulo de podreira fez com que Golan e Globus alterassem o título original do filme, Vampiros Espaciais, para um elegante Lifeforce. Abriram a carteira com 25 milhões de dólares e deixaram Hooper fazer o serviço – com a espetacular Mathilda May em cena como veio ao mundo. Anunciado como "o terror definitivo dos anos 80", Força Sinistra é incrível. Os críticos adoraram. O público… deu de ombros e a bilheteria naufragou. Hora de voltar para a podreira…

AMERICAN NINJA
(Sam Firstenberg, 1985)

American

Se não me engano, esse saiu no Brasil como Guerreiro Americano. Fala sério! É NINJA e pronto! A Cannon gostava de artes marciais em geral – e ninjas em particular. Franco Nero fez Enter the Ninja, primeiro filme do estúdio com a nova administracão. Mas Nero não é Michael Dudikoff, que surge como o perfeito herói misterioso: amnésico, solitário… e treinado na arte do ninjitsu. O plot é absurdo e envolve o exército americano, roubo de armas e um punhado de ninjas. O filme tem um charme cretino irresistível, a direção é exagerada em todos os aspectos e Dudikoff é um canastra – canastra que voltou mais duas vezes para a série, encerrada após cinco filmes.

AS MINAS DO REI SALOMÃO
(J. Lee Thompson, 1985)

ALLAN QUATERMAIN ET LES MINES DU ROI SALOMON

Ah, Sharon Stone. Quem diria que a loira-cenário dessa releitura do clássico de Henry Rider Haggard se tornaria uma das maiores estrelas do cinema moderno. Mas o astro aqui é Richard Chamberlain, que abraça com gosto o papel de Allan Quatermain em uma jornada pela "África selvagem". Com Indiana Jones enchendo os cofres, ter um clone baratinho foi demais para a Cannon resistir – a piada foi trazer John Rhys-Davies, que não recusava um cheque, para o filme. As Minas do Rei Salomão atinge o ápice quando frutas de plástico flutuam no caldeirão onde o casal será cozido para uma tribo de canibais. Teve uma continuação: A Cidade do Ouro Perdido. Igualmente brega. Igualmente divertida.

EXPRESSO PARA O INFERNO
(Andrei Konchalovsky, 1985)



Agora a coisa ficou séria: Expresso Para o Inferno é um filmaço de verdade!Antes de ser o "pai de Angelina Jolie", Jon Voight era um astro de primeira, e aqui ele se despe de qualquer vaidade no papel de um prisioneiro que, ao lado de outro fugitivo (Eric Roberts) e de uma funcionária da ferrovia (Rebecca De Mornay), encontra-se preso em um trem desgovernado que rasga as planícies do Alasca – nada mais simples, nada mais espetacular. Voight e Roberts nunca estiveram melhor (ambos foram indicados ao Oscar) e o diretor russo Andrei Konchalovsky nunca mais fez um filme tão espetacular. Bom, ah não ser que você conte Tango & Cash

COMANDO DELTA
(Menahem Golam, 1986)

delta

Chuck Norris foi um dos astros-assinatura da Cannon, fazendo a trilogia Braddock, Código do Silêncio e Invasão dos Estados Unidos. Só coisa fina. Mas o biscoito mesmo foi Comando Delta, dirigido por Golan, rodado em Israel, baseado nas operação da força de elite americana real… e uma bagunça histórica e política que tentou dar algum molho realista ao roteiro. Não importa. Como filme de ação (que gerou duas seqüências), tem acabamento melhor que todos os outros, já que não tenta colocar Norris como um sujeito sobre humano. O que, convenhamos, é um feito. O elenco eclético traz Robert Vaughn, Robert Forster, Shelley Winters, George Kennedy, Hanna Schygulla e Lee Marvin, em seu último papel.

COBRA
(George P. Cosmatos, 1986)

cobra

Sylvester Stallone era a jóia da coroa da Cannon quando ele assinou um contrato para vários filmes. Cobra foi distribuido pela Warner e foi um sucesso. Daí veio Falcão – O Campeão dos Campeões, pelo qual ele foi pago inéditos 5 milhões de dólares, e o filme naufragou – com ele, o acordo com o estúdio. Falcão é sub-Rocky, mas Cobra é outro tipo de animal: raivoso, violento, acerebrado. O motivo foi o ego de Sly, já que a metragem original, com mais de duas horas, foi reduzida a parcos 87 minutos para retalhar cenas violentas e escapar de uma censura severa. O que ficou? As cenas com Stallone, que deixou parte da trama no chão da sala de montagem. Tão ruim que é bom? Pode acreditar!

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA PARTE 2
(Tobe Hooper, 1986)

chainsaw 2

Pouco mais de uma década depois de inventar o cinema de terror moderno e icônico – Leatherface antecede Michael Myers e Jason Voorhees, seus parceiros de slasher –, Tobe Hooper teve carta branca para fazer um novo Massacre da Serra Elétrica. A trama se passa treze anos depois do original, com Dennis Hopper (yeah!) surgindo como tio de duas vítimas da família de canibais do primeiro filme, que vê nos novos crimes uma ligação para solucionar os assassinatos uma década antes. Bleh, desculpa para banhos de sangue, humor negro up to 11 e Hopper mais alucinado que Leatherface e cia. O que, convenhamos, é a parte mais realista do filme…

ARMAÇÃO PERIGOSA
(Jerry Shatzberg, 1987)

street smart

Christopher Reeve aterrissou na Cannon para tirar Superman IV da gaveta. Uma de suas condições era que eles completassem o financiamento deste thriller que o coloca como um jornalista que, para salvar sua carreira, inventa uma matéria sobre um gigolô. A coisa complica quando a polícia bate à sua porta atrás de informações do sujeito, que eles acreditam ser um gigolô acusado de assassinato, seguidos pelo próprio suspeito,  o gigolô Fast Black, que persegue o personagem de Reeve para saber onde ele obteve as informações da reportagem. Um filme modesto e bacana que deu a Morgan Freeman sua primeira indicação ao Oscar e um empurrão gigante em sua carreira.

MESTRES DO UNIVERSO
(Gary Goddard, 1987)

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Era He-Man! Lutando com o Esqueleto! Como errar, em plenos anos 80? Fácil: sendo a Cannon, retalhando o orçamento pela metade, cortando tudo que o roteiro tinha de fantasia científica e qualquer familiaridade com a animação de sucesso estrondoso. Nada de Etérnia, nada de mostros, robôs, Gato Guerreiro, Gorpo. Nada. Nientes. Zipardônio. Ainda assim, o filme de Gary Goddard, com Dolph Lundgren como He-Man e Frank Langella devorando o cenário como Esqueleto, é o perfeito acidente na serra: impossível não reduzir e ver o estrago. São tantos momentos antológicos que Mestres do Universo merece um Nerdovski! E ainda tem a Mônica de Friends! Peraí, cadê meu blu ray…

BARFLY – CONDENADOS PELO VÍCIO
(Barbet Schroeder, 1987)

rourke-barfly

Mickey Rourke ainda tinha feições humanas quando ele trabalhou com Faye Dunaway nesta quase-biografia de Charles Bukowski em sua época de bebida pesada em Los Angeles. Ainda assim, o astro (em 87 ele era astro, com Coração Satânico lançado no mesmo ano) "enfeiado" para o papel. Embora Sean Penn fosse a escolha do escritor e poeta, o acordo não caminhou porque Penn queria Dennis Hopper como diretor; Bukuwski, por sua vez, havia escrito o roteiro para Schroeder. Mesmo jovem demais para o papel, Rourke segurou as pontas com uma interpretação intensa. E etílica. Quer saber mais sobre Barfly? Então leia Hollywood, de Charles Bukowski. Grande livro.

O GRANDE DRAGÃO BRANCO
(Newt Arnold, 1987)

bloodsport

A Cannon já estava subindo no telhado quando resolveu investir num jovem artista marcial com cara de bebê. Seu primeiro papel como protagonista ainda é seu melhor: um lutador americano competindo num torneio secreto, fazendo amigos, conquistando a gatinha repórter e mostrando o físico bezuntado – tudo na tentativa de assustar os grandes brutalhões do cinema, Stallone e Schwarzenegger. Van Damme nunca "chegou lá" como seus predecessores, mas seu legado na Cannon (Cyborg, Kickboxer) vale uma mini maratona trash. Fato bizarro: O Grande Dragão Branco pode ganhar um remake (no Brasil). Significa que o filme… "chegou lá"?

CAPITÃO AMÉRICA
(Albert Pyun, 1990)

cap caveira

Antes de a Marvel no cinema ser "a Marvel no cinema", a Cannon ensaiou filmar Homem-Aranha e, de fato, cometeu este Capitão América. Que é dirigido por Albert Pyun, um mestre de filmes ruins. Ok, desisto, não tem como apontar uma qualidade redentora no filme, que teve a manha de fazer um Caveira Vermelha italiano, sem a caveira e com nada vermelho. Capitão, dá um joinha aí e vamos nessa.

cap joinha

"Avante, Vingadores!"

Aê, garoto!

 

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.