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Christopher Nolan, do pior ao melhor: veja onde Interestelar se encaixa!

Roberto Sadovski

06/11/2014 02h13

The Dark Knight Rises

São pouquíssimos diretores no cinemão que conseguem aliar grandes ideias e conceitos originais ao melhor espetáculo que as centenas de milhões de dólares dos estúdios podem bancar. Christopher Nolan conquistou essa liberdade ao conduzir o Batman em um renascimento que mudou a cara de um gênero com sua trilogia O Cavaleiro das Trevas, que faturou mais de 2 bilhões. Dinheiro em caixa = liberdade criativa, e com A Origem, de 2010, Nolan apresentou uma trama complexa e embalou conceitos abstratos em um pacote de qualidade e entretenimento. O resultado? 825 milhões em caixa. Hoje, o diretor é um autor que trabalha sem pudores dentro do esquemão hollywoodiano.

Foi um caminho lento e calculado para atingir esse patamar, mas desde o começo as ideias que movem o cinema de Christopher Nolan já estavam no lugar: a relação do homem com a tecnologia; o material indecifrável que contrói nossa personalidade; as armadilhas do subconsciente que afetam ações concretas. Seja em um thriller neo noir, em um drama de época sobre magia e obsessão ou nas engrenagens que fazem um homem se vestir de morcego para combater o crime, Nolan imprimiu sua marca. Uma verdade: em nove filmes, ele não cometeu nenhum desastre. Mesmo quando o abismo entre ideia e execução se torna mais largo, seu cinema ainda é admirável. Do pior ao melhor, estes são os filmes de Christopher Nolan.

9- FOLLOWING
(1998)

Nolan Following

O primeiro filme de Nolan, rodado em fins de semana por quatro meses, já traz os temas que seguiram pela carreira do diretor: protagonistas desconfortáveis em sua própria pele e com dificuldades de se relacionar com outras pessoas. Following acompanha um sujeito fascinado por um ladrão, e então passa a seguí-lo. Apesar do apuro conseguido com pouquíssimos recursos, ainda é um "filme de estudante", com atores amadores que não conseguem dar a dimensão que o roteiro exige dos personagens. Um começo empolgante, que dava pistas de um cineasta que ainda precisava amadurecer.

8- BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE
(The Dark Knight Rises, 2012)

Nolan Ressurge

A conclusão da trilogia do Homem-Morcego não é um desastre completo, mas é um filme claramente por encomenda, em que não se enxerga um traço de paixão. A produção tem momentos de beleza e de espetáculo, mas peca pela execução confusa, por um terceiro ato sem o menor sentido e pela morte cinematográfica mais patética dos últimos anos (Marion Cotillard, essa é contigo…). A obsessão de Nolan pelo realismo atinge uma parede: é uma fantasia de super-heróis, um filme de guerra urbana, não precisa sempre obedecer regras do "mundo real". Quer mais? Eu falei sobre Ressurge quando ele foi lançado. A vida é dura.

7- INSÔNIA
(Insomnia, 2002)

Nolan Insonia

O primeiro "filme de estúdio" do diretor foi uma encomenda que estimulou seus pontos fortes. Al Pacino é um policial que vai para uma cidade ajudar na investigação de um crime. As coisa pioram quando ele acidentalmente atira e mata seu parceiro, que minutos antes lhe disse que sabia que ele aceitara um suborno. A única testemunha? O seral killer que ela está no lugar para capturar (Robin Williams). Para piorar, o personagem de Pacino não consegue dormir, o que não facilita em uma cidade que, geograficamente, está presa num ciclo de dias eternos. Nolan equilibra os elementos da trama com as inquietações que ele gosta de despertar em seus personagens, mas não há investimento emocional com eles. Pacino e Williams entregam o que deve ter sido a última grande performance de cada ator. Mas eu não sei exatamente o que Hilary Swank estava fazendo com um sorrisinho bobo o filme inteiro…

6- AMNÉSIA
(Memento, 2001)

Nolan Memento

O filme que revelou o talento de Christopher Nolan ao mundo é um thriller noir que parte de uma premissa esperta e original. Seu protagonista (Guy Pearce) é um sujeito que não consegue formar novas memórias; para encontrar o assassino da mulher, tatua as pistas em seu próprio corpo. Para deixar a platéia no mesmo estado de confusão mental, Nolan armou Amnésia como um puzzle gigante, em que a ação ocorre em ordem cronologicamente inversa, revelando aos poucos a dimensão da tragédia e jogando em cada sequência mais luz em cima da "missão" de Pearce – ao mesmo tempo que dilacera qualquer certeza que temos sobre os acontecimentos. O truque funciona, mas fica a dica: nunca assista à versão cronológica apresentada no DVD do filme. Visto dessa forma, Amnésia deixa de ser fora da caixinha para se tornar um thriller banal.

5- INTERESTELAR
(Interstellar, 2014)

Nolan Interestelar

A ficção épica com Matthew McConaughey e Anne Hathaway é absolutamete tudo que se pode esperar de um filme de Christopher Nolan – para o bem e para o mal. Em um futuro em que a Terra aos poucos se torna inviável para sustentar a vida humana, McConaughey é o fazendeiro/astronauta que precisa deixar o planeta e atravessar um "buraco de minhoca" para, em outra galáxia, encontrar um novo lar para a humanidade. Como o tempo é relativo e a ciência de viagens espaciais, inexata, o que são horas para McConaughey no espaço se traduz em anos na Terra – o que é especialmente pesado para a filha que ele deixou para traz. Nolan não foge das grande ideias, e é impressionante encontrar um estúdio que coloque dinheiro (muito dinheiro) em uma ficção científica que pretende ser tão cerebral quanto espetacular, longe dos produtos associados que ajudam a equilibrar as contas em uma empreitada dessa magnitude.

E Nolan quase cede ao peso de suas ideias. Interestelar enche os olhos e as ideias com sua ciência de mentira, dita com convicção com McConaughey, Hathaway e por Michael Caine, que termina sendo o sujeito que vai explicar, em voz alta (e para nós do lado de cá), as teorias e a missão empreendida pelos exploradores. Ainda assim, a ficção científica tem alma de matemático: a conexão humana, supostamente o elo mais forte que rege todas as coisas no universo, nunca ganha o peso dramático que justifique a entrega do personagem de McConaughey à sua missão. Embora o primeiro ato construa com sucesso a ligação entre pai e filha, é a química do ator e da ótima Mackenzie Foy que segura a trama. Quando finalmente vamos para o espaço, as ideias tem de dar espaço para o desenvolvimento da trama – que é, na falta de uma palavra melhor, bobinha.

Mas a jornada é de encher os olhos. A carpintaria para criar os mundos visitados pela equipe de astronautas só não é mais impressionante que as verdadeiras pinturas da vastidão espacial. Poucos filmes que levam a gente para as estrelas conseguem traduzir a pequenez no ser humano ante o infinito que existe além da nossa atmosfera, e Interestelar é, neste pondo de vista, uma viagem espetacular e inesquecível. Não dá para ignorar os paralelos com 2001, a Odisséia no Espaço de Stanley Kubrick, inspiração óbvia para a carreira de Nolan e, neste caso, o filme que ele tenta emular – em especial o clímax, inesperado, inverossível, psicodélico e espetacular. Não consegue (afinal, é 2001!), mas o resultado é um "fracasso" impressionante, por vezes emocional, propositalmente desumanizado, que ganharia com uma edição mais enxuta (Jessica Chastain está totalmente desperdiçada) e que merece ser visto (e revisto) na maior tela possível.

4- BATMAN BEGINS
(2005)

Nolan Begins

Tudo começou com o Batmóvel. Quando Christopher Nolan recebeu a missão de resgatar o Cavaleiro das Trevas no cinema, ele e o designer Nathan Crowley recriaram o veículo do herói não como um carro de linhas elegantes e hiperestilizadas, mas um verdadeiro tanque para combate urbano. Era o primeiro passo para reinventar o Batman de maneira realista, e sua origem perde a tinta fantástica que regrava suas encarnações no cinema. Funcionou, e Batman Begins se tornou um novo padrão para apresentar super-heróis no cinema. O filme, por sinal, é um arraso, com Christian Bale interpretando à perfeição três papéis (Bruce Wayne, órfão amargurado em busca de um rumo na vida; Bruce Wayne, playboy irresponsável em sua persona pública; e o próprio Cavaleiro das Trevas, um vingador implacável em sua luta por justiça), um elenco de coadjuvantes em ótima forma (menos Katie Holmes, imposta pelo estúdio e óbvio ponto fraco do filme) e um recomeço bacana que termina com uma promessa espetacular – cumprida alguns anos depois.

3- O GRANDE TRUQUE
(The Prestige, 2006)

Nolan Truque

No século 19, dois ilusionistas se tornam rivais, numa disputa que termina em tragédia, revelações e em magia de verdade. O Grande Truque é um filme elegante e surpreendente, que curiosamente não é muito laureado por boa parte dos fãs do diretor. Mas é uma impressão que merece ser revista. Nolan mostra precisão cirúrgica atrás das câmeras, usando com maestria a personalidade misteriosa de Christian Bale (como o mágico cerebral, mais interessado na mecânica da ilusão do que no espetáculo) e a aura de astro de Hollywood de Hugh Jackman (o ilusionista com total domínio de palco e plateia, que sabe que vender um truque é tão importante quanto executá-lo). Enquanto a trama caminha para um final tão surpreendente quanto polêmico, Nolan tece uma história de paralelos: com o cinema, com a ciência, com o medo do homem ante o desconhecido. Ele tem a manha de entregar seu "grande truque" na composição que abre o filme, e ainda assim dá uma rasteira na percepção do público no final. Coisa de quem entende dos abracadabras.

2- BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS
(The Dark Knight, 2008)

Nolan Trevas

Vamos tirar o elefante da sala: a certa altura, a trama de O Cavaleiro das Trevas, com o sumiço de Jim Gordon (Gary Oldman), o plano do Coringa (Heath Ledger) e as traquitanas eletrônicas de Batman (Christian Bale), deixa de fazer sentido. Certinho? Então tá. A verdade é que a aventura é um triunfo quase completo. É um filme de super-heróis interessado em qualquer coisa, menos em ser um "filme de super-heróis". É um thriller sobre dualidade, sobre um vilão que não quer derrotar o herói, e sim fazê-lo enxergar o mundo com seus olhos. É quando, quase uma década depois de seu "renascimento" (com X-Men, de 2000), as adaptações de quadrinhos deixaram de ser algo passageiro, firmando seu espaço – com mais de trinta filmes do gênero chegando aos cinemas nos próximos cinco anos, difícil não ver o tamanho do triunfo do trabalho de Nolan. E não é menos que fascinante ver Ledger dar corpo, voz e insanidade ao Coringa, entregando um personagem complexo, talvez a melhor representação da nêmesis do Homem-Morcego em qualquer mídia (sorry, Jack). Eu falei um monte sobre Batman – O Cavaleiro das Trevas aqui. Tire o pó e boa leitura.

1- A ORIGEM
(Inception, 2010)

I

Leonardo DiCaprio é o fio condutor do melhor filme de Christopher Nolan – uma ficção científica sobre crimes, conspirações, exílio e sonhos. O diretor usou todo seu poder de fogo para fazer o que, na configuração do cinemão do novo século, é quase impossível: criar um filme autoral, difícil de explicar (e de vender), cerebral e complexo dentro do esquema de um grande estúdio. Foi uma aposta cara. A Origem custou 160 milhões de dólares, mas fechou a temporada com 825 milhões em caixa, deixando os investidores com um largo sorriso… e Nolan, com carta branca. A trama é fantasia pura: DiCaprio lidera uma equipe que, usando um equipamento especial, entra no sonho de outras pessoas para roubar segredos industriais. A missão em A Origem é complicada, já que ele tem de implantar uma ideia com sucesso e sem que a "vítima" perceba a manipulação. A estrutura narrativa é uma caixa dentro de uma caixa dentro de outra caixa, com cada nível de sonho sendo mais perigoso. Para piorar, DiCaprio tem seus próprio problemas no subconsciente, o que pode decretar o fracasso da empreitada. Cirurgicamente preciso, A Origem é bem sucedido como exploração da psique humana, de como somos frágeis em nossa dependência de outras pessoas para nos tornar completos – ao mesmo tempo que vai fundo no tema favorito do diretor, o desconforto causado pelas relações humanas. Também não atrapalha a produção ser um espetáculo de ação como poucos, com sequências já antológicas (como Joseph Gordon Levitt brigando com meia dúzia de capangas enquanto a lei da gravidade vai pelo ralo) e um final digno da melhor aventura de James Bond. O pião continua na mesa, girando…

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.