Cinderela prova uma constante nas fábulas: as vilãs sempre levam a melhor

Existe uma teoria de que interpretar um vilão sempre é mais bacana. São personagens mais ambíguos – por tabela, mais interessantes. Isso é verdade em diversos graus e em diversos filmes. Em contos de fadas, porém, é fato comprovado. Veja o caso do novo Cinderela. A versão live action da animação clássica da Disney se deu bem quando não foi atrás de reinventar a roda. O conto de fadas dirigido por Kenneth Branagh já engavetou 261 milhões de dólares com pouco mais de duas semanas em cartaz. Isso sem grandes cenas de batalhas, sem a exposição de um lado sombrio, sem mudar o princípio da coisa. É a antítese de versão moderna com gente de verdade para clássicos da animação, como Alice no País das Maravilhas ou Branca de Neve e o Caçador. Em todos esses filmes, porém, existe uma única constante: as vilãs sempre levam a melhor. E não há como sequer lembrar de uma Cinderela quando Cate Blanchett está em cena.

Cate interpreta a madrasta da protagonista – ou "madame", como ela gosta de ser chamada. Longe de ser uma vilã tradicional, ela é apresentada no texto de Chris Weitz como uma viúva cortejada pelo pai de Cinderela, que também perdeu sua esposa. Apesar do desejo de querer começar uma nova vida, ela se vê competindo com um fantasma imbatível: a mulher que construiu seu lar com bondade e altruísmo. Com a morte do pai de Cinderela, Madame só consegue enxergar sua "rival" quando olha para a garota. Sua "maldade" não passa de um reflexo de algo que ela jamais conseguirá. E Cate se diverte – ora usando seus vestidos magníficos, ora devastando a vida da jovem com uma palavra fora do lugar ou um gesto sutil e inciviso. Embora Cinderela siga a fábula adaptada pela Disney como animação em 1950 à risca (fada madrinha, badaladas à meia-noite, sapatinhos de cristal), é difícil sequer lembrar do nome da protagonista quando Blanchett está em cena (ela é Lily James, por sinal, e segura as pontas como pode).

Angelina ri à toa após acertar no alvo com Malévola

Não é difícil entender porque atrizes consagradas abraçam os contos de fada modernos como um veículo mais pop para exercer seu ofício. Claro que não faltam filmes menores, produções independentes em que Cate Blanchett (ou Juliane Moore, ou Julia Roberts) possa brilhar. Mas cinema também é exposição. Nas bilheterias modernas, tirando uma ou outra exceção raríssima (sim, Scarlett, é bem de ti que estou falando), o mundo é dominado por super-heróis. Ou seja, por homens. Interpretar uma vilã em uma fábula é a oportunidade de estampar o nome no topo de um cartaz – e a certeza de que a mocinha certamente não vai ficar com todo o holofote. E nem é uma invenção tão recente. Quando a própria Disney fez sua versão live action de 101 Dálmatas, no já jurássico 1996, a malvada Cruella De Vil, defendida com gosto por Glenn Close, era o centro das atenções. O mesmo pode ser dito e Julia Roberts e Charlize Theron (ambas como Rainha Malvada em Espelho, Espelho Meu e Branca de Neve e o Caçador, respectivamente), Julianne Moore (a feiticeira Malkin no recente O Sétimo Filho, fantasia que é um sucesso no Brasil), Helena Bonhan Carter (a Rainha de Copas, de longe melhor coisa em Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton), e até Kate Winslet, que não se furtou em combater a mocinha Shailene Woodley na série Divergente.

Visão mesmo teve Angelina Jolie, que não só abraçou seu lado sombrio como vilã de A Bela Adormecida como também virou o jogo e fez de Malévola uma anti-heroína da versão de carne e osso do clássico Disney. Foi o melhor dos mundos: Angie transfigurou-se na imagem angular clássica da personagem do desenho mas fez dela uma vilã simpática, deu-lhe motivações palpáveis e antenadas com os anseios do público feminino moderno (ela se apaixona, é traída e violada da pior forma, mas não perde a doçura nem ao executar sua vingança) e faz a transição vítima/vilã/heroína de maneira brilhante. Não foi ao acaso que Malévola se tornou uma das maiores bilheterias do ano passado, mordendo 760 milões de dólares em todo o mundo – e estacionando à frente de Capitão América: O Soldado Invernal, X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido e O Espetacular Homem-Aranha 2. Os super-heróis ainda são um jogo para homens (Mulher Maravilha e Capitã Marvel certamente vão virar a mesa, vai vendo). Mas os contos de fada provam que nunca se deve subestimar o poder de uma vilã bacana.