Por que, afinal, Mad Max não é Mel Gibson em Estrada da Fúria?
E lá estava Mel Gibson, todo sorrisos, ao lado de Tom Hardy e George Miller na pré-estreia de Mad Max: Estrada da Fúria. E lá estava Mel Gibson abraçando Miller após a sessão, louvando o trabalho do diretor, um amigo que ele não via há anos. O único lugar onde não se pode encontrar Mel Gibson? No próprio filme, dando vida pela quarta vez ao personagem que, entre 1979 e 1985, ao longo de três aventuras, foi alçado ao status de ícone cinematográfico moderno. Apesar de Hardy defender o anti-herói do mundo pós-apocalíptico de Miller com garra, suor e talento, muita gente ainda identifica Mel Gibson como Mad Max e estranhou o novo filme abrir mão de seu astro.
Mas a história, claro, não é bem essa. Quando George Miller encerrou a trilogia Mad Max em 1985 com Além da Cúpula do Trovão, ele o fez com pesar. Dois anos antes, durante a pré-produção do longa, seu parceiro, o produtor Byron Kennedy, morreu num acidente de helicóptero. Miller não tinha a energia para fazer o filme, e dividiu a direção com George Ogilvie. O resultado é um Mad Max flácido, com alguns momentos brilhantes emoldurados por uma aventura tépida, sem brilho ou vigor. Além disso, Cúpula do Trovão basicamente encerrava o que o diretor queria dizer com o personagem e seu mundo. Para ele, a Terra depois do apocalipse também chegara ao fim.
Ao mesmo tempo, Mel Gibson saiu do filme com Tina Turner para o mega estrelato. Se em 1985 ele era visto como um ator versátil e promissor, dois anos depois veio Máquina Mortífera e o flerte com o título de astro de ação. Conspiração Tequila, Alta Tensão, Maverick, O Preço de Um Resgate e mais três Máquina Mortífera o solidificaram nos anos 90. A vontade de trabalhar atrás das câmeras era forte e, depois do tímido O Homem Sem Face, Gibson abraçou o épico Coração Valente e ganhou o Oscar de melhor filme e direção. Mad Max se tornava uma lembrança cada vez mais distante, mesmo sendo o personagem que o apresentou ao mundo em primeiro lugar.
George Miller, por sua vez, fez As Bruxas de Eastwick e O Óleo de Lorenzo em seus anos pós-Max. Com um trabalho intensivo atrás das câmeras como produtor e roteirista, ele fez Babe, O Porquinho Atrapalhado (dirigido por Chris Noonan) e assumiu a guia em sua sequência, O Porquinho Atrapalhado na Cidade, de 1998. Neste mesmo ano, Miller dirigia por Los Angeles quando teve uma ideia que poderia significar a volta de Max. Em 1999, a história tomou corpo, com o diretor imaginando um futuro distópico em que gangues não lutavam por água ou combustível, e sim por seres humanos. A queda das torres gêmeas em setembro de 2001 puxou o freio em produções intensas e violentas como Mad Max, e o novo filme foi adiado. Em seguida, fatores econômicos derrubaram o valor do dólares americano ante o australiano, e o orçamento agora inchado fez com que o estúdio segurasse as rédeas mais uma vez. Em 2003, mais uma vez um quarto filme foi limado porque a Guerra no Iraque jogou uma luz politicamente incômoda em seus temas e narrativa.
Até então, Mel Gibson estava escalado por Miller para retomar o papel, mesmo com um interesse cada vez maior em se dedicar à direção. Sinais, de 2002, tornara-se sua maior bilheteria, e o astro disse só se animar em voltar a atuar se o roteiro fosse realmente brilhante – o que era o caso do novo Mad Max. Depois do último percalço, porém, Gibson perdeu o interesse, sumindo dos holofotes de Hollywood e desaparecendo no papel de diretor em A Paixão de Cristo (2004) e Apocalypto (2006). Ao mesmo tempo, o capital do astro começava a desaparecer, com seu nome envolvido em polêmicas que o colocavam como antissemita, racista e abusivo com mulheres. As histórias, nem sempre reais, grudaram em Gibson como chiclete em asfalto quente, e mesmo a defesa muito pública de amigas como Jodie Foster e Whoopi Goldberg não bastaram para o cinemão lhe dar de ombros. Sua participação em Se Beber, Não Case Parte II, por exemplo, foi cancelada por protestos de parte da equipe e elenco.
Enquanto isso, George Miller seguia em frente com Mad Max, mesmo sem Mel Gibson. Enquanto as peças do quebra-cabeças que era o quarto filme demoravam a se encaixar, ele ocupou seu tempo ganhando um Oscar – de Melhor Animação por Happy Feet – O Pinguim, de 2006, que ganhou uma continuação pelo próprio Miller cinco anos depois. Com Tom Hardy já no lugar como o novo Max, e Charlize Theron escalada para ser a outra protagonista da aventura, Furiosa, o diretor seguiu para o deserto australiano, palco da trilogia original, preparar o novo filme. Em 2011, porém, a produção tocou levemente o freio mais uma vez quando teve de ser deslocada da Austrália para a Namíbia. O motivo? Uma temporada de chuvas torrenciais transformaram o cenário desértico em um extenso tapete florido, arruinando seu visual pós-apocalíptico. Entre 2012 e 2013, Mad Max: Estrada da Fúria finalmente foi rodado – com 90 por cento das cenas feitas sem nenhuma trucagem digital (se você já viu o filme sabe o quanto isso é importante e espantoso) e sem seu astro original.
Com a estreia da aventura, até o momento o melhor filme de 2015, o círculo ficou completo, com Gibson, Hardy e Miller abraçados em sua pré-estreia. Seria bacana, claro, imaginar como seria Estrada da Fúria com seu protagonista original, um guerreiro da estrada quebrado por dentro, assombrado por seus fracassos e descrente com o futuro – não muito diferente da percepção pública de quem é Mel Gibson hoje. Mas o cinema nem sempre é espelho da vida real, e encontra sempre uma maneira de prosseguir mesmo quando o lado de cá é assolado por problemas políticos, econômicos, naturais e pessoais. Todo tipo de percalço que terminou afastando Mel Gibson de Mad Max. A resposta para a pergunta lá do alto, portanto, é inacreditável de tão simples: não era para ser.
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