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Esqueça Quarteto Fantástico e descubra reboots que não são do mal

Roberto Sadovski

13/08/2015 02h23

fan4thing

Enquanto eu escrevo essas linhas, Quarteto Fantástico desintegra-se há quase uma semana sob o olho do público e arde sob o laser inflamado de Hollywood. Provavelmente o reboot da série dos heróis da Marvel será lembrado como um conto para incautos, um guia de como NÃO proceder se a intenção for religar a máquina de uma série cinematográfica. Enquanto o diretor Josh Trank e os executivos envolvidos no filme resolvem sua vida – de maneira bastante pública, vale ressaltar –, do lado de cá parte do público mais uma vez joga a conta no "tudo pelo dinheiro" e bate o último prego do caixão com um "quem manda querer regurgitar ideia velha?".

Bom, não é bem assim. Quarteto é, sim, um péssimo exemplo de reboot cinematográfico, termo usado quando uma série ressurge das cinzas na tentativa de reconectar-se com o público. Muitas vezes, claro, a intenção é mesmo ordenhar o que sobrou de um cadáver de celulóide (Jack Ryan – Agente das SombrasO Exterminador do Futuro – Gênesis). Outras, no entanto, tem a nobre missão de, sim, manter um personagem/franquia/conceito aceso no cinema, dando-lhe ao mesmo tempo um sopro criativo que honra o trabalho que veio antes. Quais seriam, portanto, os melhores reboots – artísticos, financeiros, muitas vezes ambos! – que encontraram seu caminho até a sala escura?

BATMAN BEGINS
(2005)

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O Cavaleiro das Trevas estava de castigo há oito anos desde que Joel Schumacher colocou Schwarzenegger vomitando bordões em Batman & Robin. Pegou mal. Quando o estúdio colocou o Homem-Morcego nas mãos de Christopher Nolan, ganhou mais do que podia esperar: não só um recomeço digno, sóbrio e realista para o personagem, mas também um filme com visão, um estudo sobre o medo, um herói que aprende o que é necessário para mergulhar na loucura de vestir uma fantasia (armadura?) para combater o crime e incutir medo no coração dos criminosos. Mais do que tudo, Batman Begins apresentou um protagonista perigoso e ameaçador, alguém em quem a platéia acreditava ser capaz de levar sua missão auto imposta em frente. O filme seguinte, O Cavaleiro das Trevas, aumentou o escopo, misturou medo à anarquia e se tornou um clássico moderno. O caminho aberto por Batman Begins foi tão certeiro que nem a aventura que fechou a trilogia, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, de 2012, um filme confuso, mal resolvido e, no fim das contas, bem ruim, conseguiu estragar. Ano que vem Batman ganha mais um reboot, e Ben Affleck pode ser o sujeito ideal à frente e atrás das câmeras para continuar a saga do Morcegão nos cinemas. Sem mamilos.

007 CASSINO ROYALE
(Casino Royale, 2006)

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Quando Daniel Craig foi anunciado como o novo James Bond, a gritaria foi geral: "Loiro demais, bruto demais, orelhudo (!) demais", bradou a geral com fãs. Mas bastou Cassino Royale ser revelado ao mundo para que todos os críticos se calassem. Martin Campbell (que assumira as rédeas de um recomeço do personagem em 1995 com Goldeneye) mostrou que tinha pulso para dar ao mundo não só um novo 007, mas também, pela primeira vez, uma volta às origens, um recomeço que colocava o exagero de Um Novo Dia Para Morrer para trás e abraçava o que o espião tem de melhor. Não atrapalhou Craig ser, de fato, o melhor ator a vestir o manto de Bond, conduzindo a série a seu primeiro filme de 1 bilhão de dólares em bilheterias com 007 Operação Skyfall em 2012. Se o mundo agora anseia por mais James Bond – e 007 Contra Spectre chega em novembro –, a culpa é de Cassino Royale.

STAR TREK
(2009)

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Trek vinha de uma longa tradição na TV (foram seis séries, inclusive uma em animação), no cinema (dez longas) e em mais um monte de traquitanas quando atingiu um beco sem saída. A tripulação clássica já havia saído de cena nos anos 90; o gás da Nova Geração terminou com três longas. Entra em cena J.J. Abrams, um "não-fã", mais afeito ao à fantasia espacial de Star Wars do que ao mundo da ficção científica de Trek. Sem essa ligação emocional, não foi nenhum problema para Abrams ao mesmo tempo a) apertar o botão de reset, reapresentando os personagens originais (Kirk, Spock, McCoy) com cara nova, e b) manter tudo bizarramente dentro da cronologia já estabelecida. Usando a viagem no tempo como catalizador, o diretor zerou Trek e apresentou a tripulação da Enterprise sob uma nova luz, sem se preocupar com amarras do que veio antes e fazendo, acima de tudo, uma aventura eletrizante que não fosse hermética e interessante única e exclusivamente para fãs. O filme seguinte, Além da Escuridão, foi igualmente vencedor, mesmo com o mimimi dos trekkers. Cadê vocês quando Nêmesis fracassou, rapaziada?

PLANETA DOS MACACOS: A ORIGEM
(Rise of the Planet of the Apes, 2011)

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A ideia já tinha dado errado antes. Em 2001, Tim Burton tentou revitalizar a série (que teve cinco filmes entre 1968 e 1973, incluindo aí um dos maiores clássicos da ficção científica da história) e, com Mark Wahlberg, uma trama confusa e um final sem sentido, não foi para lugar nenhum. Planeta dos Macacos ficou lá, arranhando as ideias de algum executivo da Fox, até que o sinal verde foi dado para mais uma tentativa. Desta vez, menos fantasiosa e mais "realista". Ao voltar à ideia original de como os macacos ganharam inteligência para, um dia, suplantar os humanos como espécie dominante, o diretor Rupert Wyatt fez um conto de ficção científica assustador, ao estilo "não mexa com a natureza". A experiência do cientista Will Rodman (James Franco) na busca por uma cura para o mal de Alzheimer dota o chimpanzé Caesar de inteligência acima do normal. O choque com sua natureza anormal causa frustração, isolamento e, por fim, revolta, quando mais macacos são expostos à mesma substância e tem sua inteligência ampliada. Wyatt fez tudo funcionar em um filme que tinha tudo para dar errado, e acertou em cheio ao colocar Andy Serkis como Caesar, uma criação brilhante da tecnologia de captura de movimentos com a emoção genuína do ator. A sequência, O Confronto, que Matt Reeves dirigiu em 2014, aumentou a escala de uma série que, agora, encontra-se renovada com louvor.

DREDD – O JUIZ DO APOCALIPSE
(Dredd, 2012)

Scene 135 Int. Slo Mo Manufacturing Base (Night) ~ Dredd (CARL URBAN) battles with Lex (LANGLEY KIRKWOOD) and Alvarez (Edwin Perry).

Um dos personagens mais brutais, icônicos e amorais dos quadrinhos ingleses ganhou uma versão para cinema ainda nos anos 90. Mas O Juiz, com Sylvester Stallone, não passa de um filme de ação genérico, de tom equivocado em que Sly obviamente não faz a menor ideia de quem está interpretando. Foi um fracasso. Corta para 2012. Com um texto enxuto de Alex Garland (que escreveu Extermínio e Sunshine), e direção de Pete Travis, Dredd ganhou uma segunda chance longe da influência dos grandes estúdios e de astros ególatras. Quem assumiu o papel foi Karl Urban, e com ele o juiz, júri e executor ganhou espaço em um filme claustrofóbico, cheio de estilo e substância, em que a violência faz parte de um futuro distópico e que gangues só podem ser mantidas sob controle com o pulso firme de um estado fascista. De produção modesta, Dredd não foi além de sua pequena e cirúrgica ambição: apresentar um mundo caótico e lhe trazer ordem, cortesia de um anti herói incorruptível e implacável. Não viu no cinema? Pois corra para tirar a prova!

O HOMEM DE AÇO
(Man of Steel, 2013)

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O Superman morreu nos cinemas em 1987, com o sofrível Em Busca da Paz. E não foi por falta de tentativas, mas o estúdio ralou para chegar na história que eles de fato queriam contar. Ainda assim, depois de um processo longo (que incluiu filmes de Tim Burton, McG, Brett Ratner e J.J. Abrams), Bryan Singer finalmente fez Superman – O Retorno em 2006…. e não deu em nada. De novo. Isso foi antes de a Marvel criar seu universo cinematográfico, isso foi antes de aventuras de super-heróis no cinema tivessem de ser interconectadas. O Homem de Aço, que Zack Snyder fez sob a supervisão de Christopher Nolan, é o reboot que deu certo por um motivo em especial: fez dinheiro o suficiente para que o estúdio começasse a investir em um universo próprio, que começa a dar frutos ano que vem com Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, filme cujos eventos são desencadeados pela destruição em grande escala testemunhada neste O Homem de Aço. A aventura com Henry Cavill no papel do herói, claro, tem um séquito de detratores – principalmente os que dizem que "o Superman jamais faria aquilo", referindo-se à redução a pó de Metrópolis. Um lembrete: Superman é um personagem de ficção que faz o que o roteirista acha adequado para a condução da história. Se BvS der certo ano que vem, acho que nem precisa perguntar quem ri por último.

JURASSIC WORLD
(2015)

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Quem diria. Quatorze anos depois do último filme da série (com Sam Neill e dirigido por Joe Johnston), o Parque dos Dinossauros materializado por Steven Spielberg em 1993 encontrou novo sopro nas mãos de um diretor novato que tinha uma ideia e muito entusiasmo. Colin Trevorrow queria mostrar o parque duas décadas depois, em pleno funcionamento, uma atração de sucesso mundial com dezenas de milhares de visitantes. E, claro, algo dá errado. Spielberg bancou a conta, Trevorrow construiu um filme que espelha o original com simetria assustadora, ampliando o escopo e mantendo pulso firme no espetáculo. Se nem sempre funciona, Jurassic World tornou-se um fenômeno tão gigante quanto a primeira aventura de mais de duas décadas atrás para ocupar hoje o terceiro lugar na lista das maiores bilheterias do mundo – atrás somente de Titanic e Avatar. O segredo? Ao contrário de Josh Trank em Quarteto Fantástico, Colin soube trabalhar em equipe e deu a uma série já consolidada a dose certa de novidade para manter a plateia envolvida. No fim das contas (uma conta de mais de 1 bilhão de dólares), fica uma certeza: não há quem não goste de dinossauros.

Fase bônus!

DEMOLIDOR
(Daredevil, 2015)

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Demolidor chegou aos cinemas em 2003, quando os filmes baseados em quadrinhos de super-heróis estavam saindo da caixinha. Mark Steven Johnson teve a ideia certa ao levar para as telas fragmentos das histórias mais bacanas do herói nos quadrinhos. A execução, no entando, foi desastrosa, com o estúdio interferindo no resultado, limando plots inteiros e atenuando a intensidade da saga do herói urbano – interpretado por Ben Affleck, agora o Batman. O filme ganhou depois uma versão do diretor em home video, mas não rendeu uma continuação. Os direitos voltaram para a Marvel, que deixou a coisa nas mãos da Netflix. O resultado é uma das melhores adaptações de gibis de heróis contemporâneas, uma história única de 13 horas com tempo para desenvolver personagens, ampliar a tensão, mergulhar nas motivações e nas origens do Homem Sem Medo – agora defendido por Charlie Cox. A primeira temporada de Demolidor terminou sendo a maior audiência da história do Netflix, com uma segunda temporada – que trará Elektra e também o Justiceiro – estreando ano que vem. Seria o destino perfeito para Blade, Motoqueiro Fantasma, Mestre do Kung Fu….

 

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.