Topo

O dia em que expliquei a Quentin Tarantino o que era caipirinha de abacaxi

Roberto Sadovski

24/11/2015 11h23

image

"É doce, é bem gostoso!"  Quentin Tarantino está à vontade. Com uma bandeja de bebidas coloridas à frente, ele pergunta o que é. "Caipirinha", explico, como bom brasileiro. "Álcool e suco de frutas, essas são morango, limão e abacaxi." Com uma risada rápida, o diretor de Os 8 Odiados escolhe e mergulha em um dos passatempos favoritos de estrangeiros no Brasil.

O momento, claro, é de descontração. Esbarro com Tarantino mais algumas vezes em uma festa para exibidores para os quais ele veio apresentar seu novo trabalho, um western que traz Samuel L. Jackson e Kurt Russell – e no qual eu mergulho mais à fundo antes do Natal, prometo. Entre uma e outra caipirinha, o diretor me explica que ele tem mais dois filmes para fazer antes de fechar as cortinas. "Eu faço até o décimo, daí é o fim". Quando digo que muita gente vai ficar inconsolável, Quentin me dá um tapinha nas costas, molha a língua com caipirinha e justifica: "Eu demoro de três a quatro anos para fazer um filme, ainda tem muito tempo".

Horas antes, durante a coletiva de imprensa, Tarantino falou bastante, explicou sua paixão por cinema e só rompeu sua expressão cordial quando, sem a menor pista, algum desavisado lhe sugeriu uma parceria com Spike Lee, seu desafeto histórico. Lembrou de seu começo com Cães de Aluguel, em 1992, e de como a experiência em mostrar o filme por festivais de cinema pelo mundo não só lhe deu a chance de ampliar mais ainda sua biblioteca cinematográfica como o tornou, em suas palavras, "um pouco mais conhecido quando decolou do que quando pousou" em cada país.

"Passei um ano rodando em festivais com Cães de Aluguel", lembra. "Eu adorei a experiência, mas não fazia ideia do quanto esse trabalho seria importante." Os executivos da Miramax, produtora depois transformada em The Weinstein Company e "casa" do cineasta desde sempre, descobriram a extensão de sua popularidade quando, dois anos depois, começaram a vender Pulp Fiction no mercado internacional: vários países salivavam pelo novo filme de Quentin Tarantino. "Meus filmes não são americanos, nunca foram", explica. "Trabalho nos Estados Unidos, filmo em inglês, mas faço filmes para o mundo."

Seus 10 minutos na festa já se estendem para quase uma hora, e Tarantino é extremamente atencioso com cada pessoa que o procura para contar uma história, tirar uma foto, lembrar de seus filmes e dividir a paixão. "Posso te garantir que não existe maior prioridade em minha vida além de meus filmes", diz, em tom sério. "É por isso que eu tenho meu deadline, por isso que paro quando fizer dez filmes. Não preciso trabalhar em nada que não seja meu, conto minhas histórias, quero terminar com uma filmografia que eu possa sempre olhar com orgulho."

No meio tempo, Quentin dedica-se à preservação da película como única opção para fazer filmes ("Digital é pra novelas e jogos de futebol"), imagina um projeto em que ele possa encaixar atores com quem ainda não trabalhou ("Adoraria ouvir meus diálogos com Johnny Depp ou Kate Winslet") e devora, com gula e com gosto, filmes de todo o mundo. Mas ainda não aprendeu a falar o português. "Vim a São Paulo em 1992 com Cães de Aluguel, para a Mostra de Cinema", lembra. "E parti determinado a aprender a língua, ela tem um som belíssimo." Ele pausa, volta à caipirinha, e dispara, com uma risada rápida: "Duas décadas depois e não aprendi uma p… de uma palavra!".

Assista ao trailer de "Os 8 Odiados"

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.