No Coração do Mar leva seu elenco a extremos em uma luta contra a natureza
É bom tirar logo o elefante da sala: No Coração do Mar não é Moby Dick. Ou seja, não é a batalha obsessiva do capitão de um navio contra uma baleia monstruosa. Ainda assim, a tragédia do baleeiro Essex, que em meados do século 19 foi atacado por uma cachalote e viu sua tripulação à deriva por meses, foi a inspiração do escritor Herman Melville para escrever sua obra prima, um dos maiores trabalhos de literatura da história – ele surge na pele de Ben Wishaw como uma moldura para o filme, uovindo o relato do último sobrevivente da tragédia, décadas depois, como fonte para seu livro. O filme de Ron Howard, entretanto, não mira tão alto, terminando como uma recriação linear e por vezes muito inspirada da última viagem do Essex. É um filme de Hollywood à moda antiga, de cenas grandiosas e ancorado por um astro.
O astro em questão é Chris Hemsworth, em sua segunda parceria com Howard depois do excelente drama de fórmula 1 Rush. Ele é Owen Chase, imediato do capitão George Pollard (Benjamin Walker), que de cara entra em conflito com seu imediato por acreditar merecer o comando do Essex por mérito, e não por berço como Pollard. Em busca de baleias para delas extrair óleo e alimentar a "indústria" (o filme não é nada sutil em mostrar empresários como criaturas vis que visam unicamente lucro), eles partem para águas distantes no Pacífico, até encontrar um cardume insuspeito. O que encontram também é uma enorme baleia branca, que ataca o Essex, deixando o navio em frangalhos e sua tripulação em meio ao oceano, remando sem rumo em três botes.
O drama de No Coração do Mar concentra-se menos nos homens e em seus conflitos, e mais nos enormes sacrifícios que eles tiveram de fazer para se manter vivos até um resgate cada vez mais improvável. Embora a campanha do filme mostre com generosidade o ataque da baleia ao navio, não é este o foco de Ron Howard, mais interessado em explorar os extremos que um homem pode trilhar para sobreviver. É um estudo dos cantos escuros da alma humana e das decisões horríveis tomadas para se manter vivo. Ainda assim, não estamos falando de um diretor acostumado a viajar à escuridão, e sim do responsável por Apollo 13 e Uma Mente Brilhante, que adocica histórias mais pesadas e embala tudo num pacote menos reflexivo, mais mirado no entretenimento. Não é um pecado, mas a história do Essex se beneficiaria de um tratamento mais denso.
Ainda assim, No Coração do Mar é um espetáculo que serve como evidência que Chris Hemsworth é, de fato, um astro de vida longa, material nem sempre em abundância no cinemão. Embora seu sotaque às vezes derrape, ele é a conexão da platéia com a história, e sua simpatia deixa mais fácil a conexão com a plateia, especialmente quando a tripulação do Essex é obrigada a atos trágicos. Hemsworth, por sinal, não fugiu do trabalho ao encarar uma dieta radical para surgir como alguém largado aos caprichos da natureza. Se não é uma transformação impressionante como a de Tom Hanks em Náufrago, ao menos mostra sua dedicação em conferir verossimelhança ao personagem. É em seus ombros, e no quanto acreditamos em sua jornada, que repousa o triunfo de No Coração do Mar.
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